Haddad tem razão ao dizer que haveria superávit se Congresso ajudasse?

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz constantes queixas sobre algumas renúncias fiscais aprovadas pelo Congresso Nacional. Em inúmeros posicionamentos, ele afirma que as perdas ocasionadas pela desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia, por exemplo, impediram o saldo positivo das contas públicas neste ano. O UOL fez as contas e conversou com especialistas para saber se o ministro estava ou não exagerando. E a conclusão é que, sim, suas reclamações fazem sentido, mas que também o governo federal poderia ter ajudado um pouco mais.

O que aconteceu

Haddad atribui saldo negativo das contas públicas ao Perse e à desoneração. As medidas aprovadas com o aval do Congresso são citadas pelo ministro da Fazenda como as vilãs que impediram o superávit neste ano. Para Haddad, os incentivos geraram a necessidade de cortar despesas do Orçamento para cumprir as regras do arcabouço fiscal e zerar o rombo nas contas públicas.

Nós perdemos neste ano R$ 45 bilhões de arrecadação com a [desoneração da] folha e com o Perse. Uma parte disso vai ser reposta no ano que vem, mas não tudo. Nós vamos ter que encontrar, portanto, uma fonte de financiamento para isso,
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Ministério do Planejamento estima déficit fiscal de R$ 28,7 bilhões para 2024. O valor aparece no relatório de receitas e despesas do quinto bimestre. Conforme as normas do arcabouço fiscal, a projeção figura no limite de 0,25 ponto percentual para o chamado déficit zero idealizado pela equipe econômica. O montante é estimado em exatamente R$ 28,75 bilhões.

Benefícios resultaram na renúncia tributária de R$ 25 bilhões até setembro. Segundo os dados mais atualizados da Receita Federal, o valor representa a soma dos pagamentos para o Perse (R$ 11,3 bilhões) e a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia (R$ 13,7 bilhões) nos nove primeiros meses deste ano. Os valores são coletados pelo Dirbi (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária).

Avaliação de Haddad é "plausível, porém incompleta", diz especialista. Bento Monteiro, consultor da Conorf (Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira), do Senado Federal, afirma que ambos os benefícios juntos tinham um valor previsto de R$ 30 bilhões para este ano. "Se considerar que o piso da meta é mais ou menos esse valor, pode considerar que, se não existissem esses dois benefícios, seria mais fácil de alcançar o cumprimento do centro da meta, que era zero", diz.

Monteiro avalia que as ações do Executivo também foram ineficazes. O consultor afirma que a equipe econômica pecou ao não evidenciar quais valores poderiam ser economizados ao longo deste ano. "Não houve contingenciamento na maioria dos relatórios de avaliação neste ano. O governo não tentou cortar a despesa, cortou só o que ultrapassou o teto de gastos", afirma ele.

É uma visão parcial [do ministro Haddad], porque tem uma série de medidas que o governo adotou. Ele só não pode dizer que apenas uma delas é responsável por essa questão.
Bento Monteiro, consultor da Conorf

O que é o Perse

Perse foi criado em 2021 para auxiliar o setor de eventos durante a pandemia. Com o arrefecimento da crise sanitária, o governo julga o benefício como desnecessário e letal às contas públicas. Após negociações, ficou definido pelo Projeto de Lei 1026/2024, um teto de R$ 15 bilhões dos incentivos pelo prazo que vai de abril deste ano a dezembro de 2026.

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Governo tentou extinguir o benefício ao setor de eventos no final de 2023. A proposta previa derrubar a isenção da CSLL, do PIS/Pasep e da Cofins a partir de abril de 2024, com a isenção do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) válida até janeiro de 2025. No entanto, as articulações no Congresso resultaram na manutenção do auxílio por um período adicional.

Reformulação do incentivo reduziu de 44 para 30 os segmentos beneficiados. Entre as empresas beneficiadas aparecem as que integram o ramo de hotelaria, serviços de alimentação para eventos e recepções, aluguel de equipamentos recreativos, esportivos e de palcos, produção teatral, musical e de espetáculos de dança, além de restaurantes e similares.

O que é a desoneração

Benefício foi criado em 2013 e tinha caráter provisório. A proposta foi definida para substituir a CPP (Contribuição Previdenciária Patronal) de 20% sobre a folha salarial por alíquotas entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta. A regra é válida para os 17 setores que mais empregam no Brasil.

Desoneração também atende os pequenos municípios. Para as cidades com até 156,2 mil habitantes, a regra reduz a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento a 8%. A intenção inicial com o benefício era justamente que a redução dos encargos estimulasse novas contratações.

Fim do benefício vai acontecer entre 2025 e 2027. O incentivo permanece vigente só até o final deste ano e dará espaço à reoneração gradual nos próximos três anos, com a elevação escalonada das alíquotas, com cobrança de 5% no próximo ano, de 10% em 2026 e do valor integral e 20% em 2027.

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Governo acionou a Suprema Corte para barrar desoneração. Após o governo ter o veto do fim da isenção derrubado pelo Congresso, a AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para indicar que o benefício era inconstitucional e letal aos cofres públicos. O pedido foi acatado, mas com a determinação para que as perdas pela manutenção da isenção neste ano fossem recompensadas.

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