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"Brasil não aguenta mais voo de galinha", avalia economista

Karime Xavier/Folhapress
Imagem: Karime Xavier/Folhapress

Douglas Gavras

São Paulo

04/12/2019 07h03

Com a guerra comercial entre China e Estados Unidos e o restante da América Latina em convulsão, a retomada do crescimento do País este ano vai depender ainda mais da recuperação do mercado interno, avalia o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.

É justamente por isso, segundo o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, que os resultados positivos da construção civil e do consumo das famílias no terceiro trimestre podem ajudar a traçar um cenário de recuperação sustentável da economia, caso sejam mantidas as agendas de reformas. Segundo ele, o País não suporta "um novo voo de galinha".

Para o economista, o PIB do Brasil vai crescer 1% neste ano.

A seguir, trechos da entrevista do economista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Como avaliar o resultado de 0,6% no PIB do terceiro trimestre? O País entrou em uma rota de crescimento?

Esse resultado é um sinal de que a economia melhorou um pouco, e o detalhamento dos números mostra tendências bastante positivas. Quando olhamos por setor, é visível como a agropecuária continuou indo bem - e até ajudou na revisão do PIB do ano passado. Isso não é uma surpresa, é um segmento que vem tendo desempenho positivo, embora alguns preços do mercado internacional tenham caído.

Por onde a recuperação está se dando até agora?

Do lado da oferta, é bastante positivo que a construção tenha crescido 1,3%. Há uma melhora mais robusta. E tem uma coisa interessante: quando se olha para a produção e distribuição de cimento, que é um material que vai para toda a cadeia, fica claro que a retomada está se dando pelo segmento residencial. Em São Paulo, por exemplo, é visível a retomada dos lançamentos de empreendimentos imobiliários. Outro ponto positivo que se teve por causa da construção foi o aumento da formação bruta de capital fixo, dos investimentos. Não há retomada sem investimento.

A construção pesada ainda não está reagindo. Quando ela deve começar a melhorar?

A construção pesada avançou muito timidamente, há poucas obras públicas em andamento até agora e foram poucas concessões este ano, basicamente as que sobraram do governo anterior. Acredito que, no ano que vem, a gente possa esperar uma reação mais significativa da construção pesada. Deve ter um conjunto mais robusto com a finalização do novo marco do saneamento no Congresso, por exemplo. O saneamento, com as estradas e as ferrovias, são segmentos em que a necessidade de investimento é maior - e onde os resultados são melhores também.

E a indústria ainda sofre para se recuperar, certo?

O desempenho da indústria de transformação ainda é decepcionante, esse é o patinho feio do crescimento econômico e é uma parte da economia que não consegue andar. O problema da indústria é complicado, que desafia a volta do crescimento. E tem a crise na Argentina que atrapalha. Mas tirando a indústria, o crescimento é interessante.

O consumo das famílias foi fundamental para puxar o resultado do PIB?

Se tem uma coisa que não dá para ter dúvida, com a guerra comercial entre China e EUA e os problemas das economias latino-americanas, é que o crescimento do Brasil vai depender quase exclusivamente do mercado interno. É preciso aumentar consumo e investimento. Uma parte disso se dá pelo maior número de pessoas trabalhando, ainda que na informalidade, e os salários dos novos contratados, em 12 meses, teve um ganho acima da inflação. Mas, no caso do consumo, o fator crédito tem sido o mais relevante para os resultados que o PIB mostrou. O crédito para pessoa física está crescendo a dois dígitos, de forma robusta. Embora os juros reais tenham caído pouco, o volume de concessão de crédito tem ajudado bastante. Olhando para a frente, esse crescimento do consumo é sustentável.

A recuperação da economia é sustentável?

Mais do que crescer, é sempre importante se perguntar se esse crescimento é sustentável, porque o País já está farto de voos de galinha. Acredito que seja, se a agenda de reformas continuar. Mas também é preciso compreender qual será a velocidade de aceleração dessa retomada. Um aumento dos investimentos faria toda a diferença e o maior aumento seria sobre a construção civil, que é um setor que emprega muita gente. Em qualquer lugar do mundo, a construção é um setor definitivo para a volta do crescimento.

Quanto o País deve crescer este ano?

Para este ano, estamos estimando um crescimento de até 1%. É positivo, mas nunca saímos de uma recessão tão lentamente quanto agora, por isso a angústia. O resumo é que houve, sim, uma melhora no crescimento e o Brasil tem condição de continuar andando nessa direção.

As crises políticas têm impedido essa recuperação mais acelerada da economia?

Não atrapalham, se olharmos para a aprovação da reforma da Previdência - muito por mérito do próprio Congresso - e para outras pautas legislativas que estão avançando, como a revisão do marco das telecomunicações. O que complicou nesses últimos 40 dias foi a volta do discurso mais radicalizado. Há uma certa paralisia e um processo político mais tumultuado do que antes. Algumas medidas econômicas importantes precisam ser definidas agora, no fim do ano, ou vão ficar para 2021. Essas medidas de contenção do gasto público vão ser chave para dar certeza de que a questão fiscal não vai travar o crescimento.