Governo Bolsonaro ignorou sugestões que teriam protegido o teto de gastos
A decisão de furar o teto de gastos para bancar o novo programa social do governo acendeu a polêmica em torno da necessidade, ou não, de mudar a regra fiscal, criada para travar o crescimento dos gastos: afinal de contas, de onde o governo poderia ter cortado para garantir o Auxílio Brasil de R$ 400?
O presidente Jair Bolsonaro teve mais de um ano para fazer uma revisão das despesas e preparar um plano de cortes para bancar um benefício mais alto, mas abortou todas as iniciativas. Nesse caminho, outras investidas foram lançadas contra a regra fiscal, em um filme visto agora como a morte anunciada do teto de gastos.
Desde o início do governo, em 2019, ocorreram ao menos oito investidas para driblar o teto, segundo levantamento do Estadão/Broadcast. Sem contar outros cinco "dribles" concretizados, que deram uma "volta" no teto para ampliar gastos fora do Orçamento.
A equipe econômica já colocou na mesa do presidente propostas para revisar despesas com abono salarial (espécie de 14.º salário pago a trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos), seguro-defeso (pago a pescadores artesanais na época em que a atividade é proibida), seguro-desemprego e subsídios, mas nenhuma teve apoio, nem da área política do governo, nem das lideranças do Centrão, agora interessadas no espaço maior para despesas.
Órgão de governo, o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) já fez recomendações para a revisão desses gastos diretos e de subsídios, como a dedução de despesas médicas no IRPF (quase R$ 20 bilhões em 2022) e a isenção de aposentadoria por moléstia grave ou acidente no IRPF (quase R$ 17 bilhões), entre outros.
A decisão política que prevaleceu, porém, foi não "cortar na própria carne" para ampliar os recursos para a área social. No caso do abono salarial, o próprio presidente vetou publicamente qualquer mudança. "Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos", avisou Bolsonaro, em agosto de 2020. A opção foi manter recursos para emendas parlamentares, sobretudo as de relator (destinadas a redutos de aliados sem a devida transparência), e correr o risco de furar o teto sem uma "saída organizada" da atual regra fiscal.
Técnicos do Ministério da Economia estimam que um benefício de R$ 300 seria possível sem furar o teto, levando o Orçamento do Auxílio Brasil a cerca de R$ 60 bilhões ao ano. Mas Bolsonaro rejeitou essa ideia e determinou um pagamento de R$ 400, o que demandaria corte de R$ 16 bilhões de emendas de relator e de outros R$ 10 bilhões de outras áreas. O custo para o benefício turbinado chega a R$ 87 bilhões.
"Na teoria, me parece que daria para fazer dentro do teto, sim, não fossem as emendas, os recursos para o Ministério da Defesa etc. Na prática, isso não aconteceu por causa do poder político e interesses dos envolvidos", aponta o economista João Prates Romero, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Crítico do desenho do teto, Romero diz que uma revisão com antecedência da regra teria evitado a situação atual, dado que já se sabia que o Bolsa Família estava defasado e com fila represada.
Para a economista Laura Karpuska, professora do Insper, faltou priorização do Orçamento: a forma como foi feita a mudança no teto camuflou a discussão, como se fosse uma condição para ampliar os programas sociais. "Isso não é verdade. Poderiam fazer ajustes nas regras fiscais e, ainda assim, ter disciplina fiscal, mas não como foi feito", diz.
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