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Os desafios econômicos que esperam o governo Lula a partir de janeiro

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante campanha - Ricardo Stuckert
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante campanha Imagem: Ricardo Stuckert

Luciana Dyniewicz

São Paulo

07/11/2022 06h30Atualizada em 07/11/2022 10h32

O novo governo que assume em 1º de janeiro terá de enfrentar entraves na área econômica que vão bem além da questão fiscal, na avaliação de analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo. A economia que espera o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já mostra sinais de desaceleração, taxa de juros alta, inflação ainda elevada e uma produtividade que não cresce há cerca de dez anos. E, para piorar, a economia internacional também enfrenta um cenário difícil. A tendência, dizem os especialistas, é que esse panorama faça a "lua de mel" de Lula ser curta quando comparada à de outros governos.

Antes mesmo das eleições, os economistas já vinham projetando uma desaceleração brusca para 2023. Enquanto neste ano o PIB deve avançar ao redor de 2,75%, para o ano que vem é esperado um crescimento entre 0,5% e 1%. Se ficar nesse patamar, será o pior resultado desde 2016, excetuando 2020, cuja atividade foi impactada pela pandemia.

"A desaceleração já está encomendada, e a responsabilidade vai cair nas costas do novo presidente. É meio que dado que a lua de mel vai ser curtíssima. Normalmente, ela dura de três a quatro trimestres passadas as eleições. Não vai durar isso com esse quadro de polarização e desaceleração", diz o economista Braulio Borges, da LCA Consultores.

A economista Zeina Latif vai na mesma linha: "Não é que vamos para um quadro de colapso, mas terá uma arrumação na economia. A população em geral não sabe disso e pode dizer que (a desaceleração) é culpa do Lula. Será importante esse balanço ser feito (pelo novo governo) e cuidar da comunicação."

Segundo Zeina, o quadro é mais difícil agora do que o enfrentado por Jair Bolsonaro em 2019, quando a situação fiscal estava encaminhada e a taxa básica de juros, a Selic, encontrava-se em patamar baixo. No início do governo Bolsonaro, a taxa era de 4,5%; hoje, está em 13,75%.

Na comparação com o primeiro governo de Lula, o cenário também é tido como mais delicado. Apesar de 2002 ter terminado com uma inflação de 12,5% e com uma Selic de 25%, a situação fiscal era mais controlada e o cenário internacional mais favorável, com o superciclo das commodities dando seus primeiros sinais.

"O desafio do novo governo não é só digerir a herança fiscal (do governo Bolsonaro), mas trazer o crescimento sustentado de volta quando o mundo está entrando em recessão. Tem uma herança maldita não só na área fiscal, mas na ambiental e na de resultados econômicos e sociais", diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.

Ele destaca que foi feito um "embelezamento" nos indicadores econômicos no último ano. Isso porque a relação dívida/PIB caiu em parte devido à inflação. Também por conta do aumento do preço das commodities, que ajudou o PIB brasileiro no início de 2022, e à postergação de gastos para 2023.

Aperto

Ao mesmo tempo que terá de lidar com essa realidade, Lula enfrentará a atividade econômica sofrendo o auge dos efeitos do aperto monetário promovido pelo Banco Central para segurar a inflação. Segundo cálculos de Braulio Borges, o juro neutro (que não estimula nem desacelera a economia) no Brasil seria hoje de 4,5%. A taxa real de juro (descontada a inflação), no entanto, está em 8% ao ano. "É uma política monetária bastante contracionista e isso vai ficar mais evidente no começo de 2023, porque o mercado de trabalho reage com defasagem."

Na área fiscal, os Estados devem adotar políticas contracionistas, reduzindo seus gastos após a elevação feita em 2022, por conta da eleição, e depois de virem as receitas cair por causa da redução do ICMS sobre a gasolina promovida pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em âmbito federal, Borges calcula que haverá expansão fiscal se os gastos do governo ultrapassarem os 19% do PIB deste ano. Para isso, a licença para gastar acima do teto que Lula está negociando teria de ser superior a R$ 150 bilhões - hoje fala-se entre R$ 160 bilhões e R$ 200 bilhões.

No cenário internacional, a expectativa é de deterioração. Os EUA sofrerão com a alta de juros, a Europa com a falta de gás e a China com sua desaceleração estrutural. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o PIB mundial cresça 2,7%, mas alerta que "mais de um terço da economia global vai se contrair em 2023".

Pobreza

Todos esses fatores podem dificultar também a vida de Lula para cumprir sua promessa de redução da pobreza e da insegurança alimentar. Enquanto a primeira está praticamente no mesmo patamar de quando o presidente eleito deixou o poder, em 2010, a segunda vem subindo. Em 2021, faltou dinheiro para comprar alimento, em algum momento do ano, para 36% dos brasileiros, o maior patamar da série histórica. Em 2010, esse índice era de 19%.

A pobreza no País hoje é de 14,04% da população - 0,06 ponto porcentual acima da de 2010. "O novo governo vai pegar essa situação momentaneamente menos ruim por causa das medidas tomadas antes das eleições, como aumento do Auxílio Brasil. É uma saia justa, porque parte da população precisa realmente da rede de proteção, mas há um desajuste na proteção", diz o diretor do FGV Social, Marcelo Neri. Para ele, é preciso reorganizar os benefícios sociais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.