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Em escuta, diretor da BRF fala de bactéria, propina e exportação vetada

Funcionário em uma unidade da BRF em Rio Verde (GO). A BRF é uma das empresas investigadas na Operação Carne Fraca (23.mar.2017) - Li Ming/Xinhua
Funcionário em uma unidade da BRF em Rio Verde (GO). A BRF é uma das empresas investigadas na Operação Carne Fraca (23.mar.2017) Imagem: Li Ming/Xinhua

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

25/03/2017 04h00

Interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal na Operação Carne Fraca mostram que um dos diretores presos da BRF, gigante nacional do ramo alvo da investigação, estava preocupado com a contaminação por bactéria salmonella na unidade de Mineiros (GO).

Segundo as interceptações feitas com autorização da Justiça, André Luis Baldissera comenta com outro funcionário da companhia que a contaminação teria potencial para suspender as exportações da fábrica para sempre (ouça as conversas, nesta reportagem).

Baldissera é um dos 25 presos preventivamente na operação da PF. Outras 11 pessoas foram presas temporariamente, das quais oito já deixaram a prisão.

No diálogo gravado pela PF, é dito que o fiscal responsável pela autuação vai "matar no peito" a notificação e não vai avisar Brasília, para que a empresa resolva os problemas até uma nova inspeção algumas semanas depois. Teria ficado combinado que a certificação seria suspensa, mas, como a fábrica não produziria nada no período em questão, não haveria problema. A BRF nega irregularidades.

Em outro trecho, é dito que o fiscal em questão teria pedido contribuição para campanhas eleitorais do PDT na região. Logo após a operação, o PDT divulgou nota onde diz que nunca teve indicação de cargo no Ministério da Agricultura (ouça os diálogos abaixo). 

Confira abaixo a conversa sobre a contaminação em Mineiros (GO) e o pedido de propina:

No diálogo abaixo, gravado no último dia 13 de março (quatro dias antes de a operação da PF ser deflagrada), o diretor da BRF e um funcionário discutem a contaminação por salmonella de cargas da empresa exportadas e barradas ao chegar à Itália:

Funcionário: vai sair o "rapid" [espécie de alerta sanitário] lá , não sei se vai demorar uma semana ou duas, não vai sair hoje.
Baldissera: Mas vai sair, cara?
Funcionário: Vai sair porque eles acharam. Tem toda a solidificação. Deu de "saint paul" (tipo de bactéria salmonella).
Baldissera: Isso.
Funcionário: Graças a Deus (ininteligível) nem tifimurium. Só que, em algumas cargas, deu uma; uma carga, deu mais de uma positividade.
Baldissera: Eu vi que dos quatro contêineres, três deram N5C1 e um deu N5C3 ou C4.
Funcionário: isso.
Baldissera: O que que acontece, cara? Se der mais um "rapid alert", pelo menos a doutora Janice comentou, era que se nós tivéssemos mais um rapid, é que no entendimento dela, nós teríamos que suspender a planta, e suspender pra sempre. Não deveria. Ah, é. Vamos mandar mais uma auditoria e tal. Na visão dela. Ela falou isso na mesa pra nós.

Neste outro trecho, eles falam que não pode chegar mais carga contaminada à Itália ou à Espanha, e que, se isso acontecer, as exportações da fábrica de Mineiros serão suspensas para sempre. Eles também falam em ir a Brasília defender a situação antes que ela seja comunicada oficialmente, e reclamam que seria uma perseguição o que estão fazendo com a empresa, que não tem registro da bactéria acusada na Itália:

Baldissera: Pô, fiquei muito preocupado agora. Mas muito, cara.
Funcionário: Não, nós vamos ter que ir a Brasília antecipar isso aqui eu acho, cara. Eu tô mandando a Nelva lá pra Europa, pra entender bem essa merda aí, porque cada um fala de uma forma. Aí tem um monte de retaliação. Nós temos que começar a trabalhar nisso já.
Funcionário: (Lendo email para André): "as autoridades italianas consideraram uma infração repetitiva, acima de três ou mais notificações relativas ao risco recorrente de uma única planta acionarem o artigo" (ininteligível) não sei das quantas. Ah, tu tens razão, cara, foi um só que deu e, na realidade, deu um outro sorotipo, esse filho da puta aqui. (ininteligível) Nunca ouvi, isso aqui nem deve ter no nosso radar.
Baldissera: Esse tipo de salmonela?
Funcionário:Não. Não tem. Nunca vi.
Baldissera: Ei, e assim: deu três N5C1 e um N5C3 ou 4, não me lembro.
Funcionário: não, deixa eu te falar, deixa eu te falar por que que eu acho que vai dar certo: nós estamos entrando com a mesma defesa da situação em Chapecó, que teve um contêiner com isso aí. Que chegou agora um"RASFF" no Ministério, e o doutor tá aceitando que a gente faça a defesa em relação ao in natura dessa forma. O que nós vamos fazer a partir de agora? Nós não vamos mais trabalhar da forma que a gente vinha trabalhando.
Baldissera: Então eu vou ter que parar de embarcar tudo que for in natura positivo? Tudo?
Funcionário: Sem dúvida, sem dúvida, sem dúvida.
Funcionário: Então o que é que tá acontecendo, cara, nesses dois portos aí, tanto no da Espanha quanto no da Itália, de Gênova, não dá pra mandar. Não dá pra mandar mais nada. A gente tem que criar esse plano de contenção. E vou falar também pra gente já antecipar essa situação no ministério. Vou ver o que é que o Zerbini acha. Nós vamos levar lá porque isso aqui é uma incoerência. Entendeu? Isso é uma incoerência o que esses caras estão fazendo conosco. Nós não temos em nosso banco de dados essa salmonela na BRF.

Funcionário: Dá um toque na Viviane. Fala pra ela aí.
Baldissera: Não, eu vou falar pra ela hoje. vou procurar ela. Tô em Curitiba a semana inteira. Eu vou procurar ela (sic) aqui e vou dizer. Vivi, a decisão é uma só. Ou a gente manda pra Roterdã, ou a gente vai perder Mineiros de novo, e aí é definitivo. Não tem outra decisão.
Funcionário: E aí nós vamos fazer uma força de ministério, cara, dessa situação antes que ela chegue. A defesa antes que ela chegue.

Neste pedaço da conversa, o diretor fala que em Roterdã (Holanda) não barram a carne in natura com salmonela, ao contrário de outros portos europeus:

Baldissera: (...) A primeira pergunta é: nós sabíamos que isso podia dar: a resposta é sim. Nós estamos mandando in natura para a Europa. E por que que não pegava? Por que nós távamos mandando in natura pra Roterdã e em Roterdã in natura a não ser "ST STI ?", e os outros portos consideram.

BRF comentará o caso após final da investigação

Questionada sobre os grampos, a postura do diretor preso, a suposta contaminação da granja de Mineiros e da carga exportada, a BRF diz "que as questões objeto de apuração pela Polícia Federal serão comentadas após a finalização da investigação da Polícia Federal".

Anteriormente, a empresa havia afirmado, por meio de sua assessoria de imprensa, que a legislação europeia permite níveis de bactéria do tipo salmonella Saint Paul na carne in natura (fresca) que entra na região "e, portanto, não justificaria a proibição de entrada na Itália".

Logo após a Operação Carne Fraca, a BRF divulgou nota onde afirma que a fábrica de Mineiros é uma unidade construída em 2006 que produz carne de frango e de peru e responde por menos de 5% da produção total da BRF. "Seus produtos são destinados a exportações e mercado interno. A planta está habilitada para exportar para os mais exigentes mercados do mundo", afirma o comunicado. A empresa não comenta o suposto pedido de propina.

A fábrica foi fechada temporariamente pelo Ministério da Agricultura. A BRF afirma que o local possui três certificações internacionais, e que a última inspeção do ministério lá foi feita no final de fevereiro e o local foi aprovado.

Sobre os contêineres barrados na Itália pela presença de salmonella, a empresa diz que não cometeu nenhuma irregularidade, já que o tipo de salmonella encontrado, o Saint Paul, não é proibido para carnes in natura, e que o problema na Itália não se justificaria. A empresa afirma que foi discutido mandar a carga restante para a Holanda, onde a regra que permite a Saint Paul seria respeitada.

"Diante do exposto, a BRF reitera que todas as medidas tomadas pela empresa e seus técnicos estão plenamente de acordo com os mais elevados níveis de governança", diz o comunidado. A BRF é uma das maiores empresas produtoras de carne do mundo. A empresa é dona de marcas como Sadia e Perdigão, e exporta para mais de 150 países. São mais de 100 mil funcionários em 54 unidades espalhadas em sete países, a maioria no Brasil.

Salmonella é aceita em carne crua de aves

De acordo com o professor da Unesp de Botucatu (SP) Roberto Roça, é comum a presença da salmonella em granjas e não há um limite estabelecido por lei. "As aves são reservatório de salmonella, mas a bactéria não faz mal para elas".

Em nota, o Ministério da Agricultura afirma que "a salmonela é uma bactéria comum no trato gastrintestinal dos animais" e que, no caso das aves, "é um problema mundial, para o qual não existem medidas efetivas de controle que possam eliminá-la da carne crua".

O órgão diz que faz o controle da presença de salmonella "seguindo padrões internacionais", desde as granjas até o produto final, e que, como há diferentes tipos de salmonella, são checadas aquelas que oferecem risco à saúde pública para ver se estão dentro de "um nível adequado de proteção ao consumidor".

Se for detectada a salmonella que causa risco à saúde, a lei prevê que a carne seja cozida para matar a bactéria, segundo o ministério. Portanto, essa carne pode ser cozida e usada na fabricação de outros produtos, mas não pode ser vendida crua. 

No caso da Salmonella sp., diz o ministério, como é muito difícil controlar sua presença na carne crua de aves, esse produto deve sempre ser vendido informando, no rótulo, os cuidados que o consumidor deve ter ao manusear e consumi-lo.

A BRF também rejeita a acusação de que poderia haver contaminação por salmonella em seus produtos finais, após o processamento da carne. Segundo a empresa, "existem cerca de 2.600 tipos da bactéria comum em produtos alimentícios de origem animal ou vegetal", mas a companhia afirma que "todos os tipos são facilmente eliminados com o cozimento adequado dos alimentos".

O que a salmonella causa?

De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde, órgão do Ministério da Saúde, a salmonella pode causar falta de apetite, náuseas, vômitos, diarreia, dores abdominais e febre. Segundo o dr. Eitan Berezin, infectologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, há também o risco de que a contaminação por salmonella evolua para uma infecção disseminada, que atinja diversos órgãos.

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