Cabeça de porco, miúdos, ácidos: o que pode ter nas salsichas e linguiças?
Após vir à tona a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, alguns consumidores começaram a questionar o que realmente pode ser usado na fabricação de carnes processadas, como linguiça, salsichas e mortadela. A investigação levantou suspeitas de que as empresas teriam usado substâncias para mascarar problemas nesses tipos de carnes.
Cada tipo de produto tem um regulamento técnico específico, estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Esse regulamento determina o que pode ser adicionado ao produto e os limites para cada item.
Para entender melhor como funcionam essas regras, o UOL conversou com a professora Marise Aparecida Rodrigues Pollonio, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, com o professor Roberto Roça, da Unesp de Botucatu (SP), e com o professor Marco Antônio Trindade, do Departamento de Engenharia de Alimentos da USP de Pirassununga.
Pode haver mistura de carnes?
O tipo de carne que pode ser usado varia conforme a especificação de cada produto. A mistura de carnes (de aves, bovina ou suína, por exemplo) é permitida, desde que isso esteja previsto no regulamento técnico.
Por exemplo, um hambúrguer congelado que você compra no supermercado pode conter carnes bovina, de frango e peru, misturadas --a menos que esteja identificado na embalagem que é 100% de carne bovina, por exemplo.
Pode usar carne de carcaça?
Também é possível usar as chamadas carnes mecanicamente separadas. Como funciona: partes com carcaças de aves, bois ou suínos são colocadas em um equipamento, desossadas e convertidas em matéria-prima para fabricar os produtos processados. A carne mecanicamente separada de aves, principalmente de frango, é a mais utilizada.
A professora da Unicamp alerta, porém, que a carne mecanicamente separada pode ser usada somente em produtos cozidos, como salsichas, mortadelas e linguiças calabresa.
Existe um limite de quanta carne mecanicamente separada pode ser usada na fabricação de cada produto. O máximo é 60 gramas para cada 100 gramas do produto. Veja alguns exemplos:
- Salsicha: 60 g
- Mortadela: 60 g
- Linguiça calabresa: 20 g
As empresas devem informar que usaram carne mecanicamente separada para fazer determinado produto e quais carnes entraram no processo. Porém, elas não precisam dizer a quantidade usada, segundo Roça. Ele afirma que as empresas seguem um padrão de composição, mas que pode haver pequenas variações entre um lote e outro.
Pode usar miúdos?
Sim. A salsicha pode ter mistura de carne de suínos, bovinos e aves, além de carne mecanicamente separada e de miúdos comestíveis --como estômago, coração, língua, rins, miolos, fígado, tendões, pele e gorduras.
Pode usar cabeça de porco?
A carne de cabeça de porco também pode ser usada, segundo Trindade, mas só para produtos cozidos, como a própria salsicha ou a linguiça calabresa.
Pode usar soja ou amido para 'dar liga'?
Os extensores ou agentes de ligação são usados para "ligar" a massa e reter água e gordura, melhorando a textura dos produtos processados.
Entre eles estão formulações à base de proteína (derivados proteicos de soja, por exemplo) e carboidratos (como amido e farinhas). Também há um limite máximo permitido para cada 100 g do produto:
- Salsicha: no máximo 2 g de amido
- Mortadela: no máximo 5 g de amido
- Apresuntado: no máximo 2 g de amido
- Presunto: proibido o uso de amido
Que outros ingredientes podem ser usados?
- Conservantes
O mais usado é o nitrito de sódio. Ele ajuda a conservar o produto e dá aquela cor rosada e sabor típicos dos produtos de carne processada. É permitido usar até 0,015 g a cada 100 g do produto.
- Estabilizantes
Eles ajudam a reter água e melhorar a textura dos produtos. Em geral, são usados os fosfatos. O limite máximo é de 0,5 g por 100 g de produto.
- Antioxidantes
Eles tornam o processo de conservação mais rápido e seguro. Apesar de ter sido citado na Operação Carne Fraca, o ácido ascórbico, que é a vitamina C, não é usado como aditivo em carnes frescas. Em seu lugar, são usados o ascorbato de sódio e o eritorbato de sódio.
Podem ser usados até 0,05 g a cada 100 g do produto. Segundo a professora da Unicamp, o uso desses antioxidantes acima do permitido não apresenta riscos à saúde do consumidor.
Nas carnes processadas, o ácido ascórbico pode ser utilizado.
- Lactato de sódio
É um regulador de acidez que contribui para a conservação do produto. Funciona como um sal orgânico e não há limite para seu uso. As empresas costumam usar entre 2 g a 3 g para cada 100 g do produto.
Dá para saber se o produto está dentro dos padrões?
O professor da Unesp afirma que, na prática, o consumidor não consegue saber se as empresas estão seguindo todos os padrões exigidos no regulamento técnico ou se estão usando produtos para mascarar a aparência das carnes. "Precisaria fazer uma identificação em laboratório para isso", diz.
O que o consumidor pode fazer, diz o especialista, é verificar a data de validade do produto e também a de fabricação. "O ideal é levar um produto mais próximo da data de fabricação", afirma.
Cor e aparência também devem ser consideradas na hora da compra.
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