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Fim de garantias ou melhor rendimento? Trabalhadores comentam terceirização

Rafael Hupsel/Folhapress
Imagem: Rafael Hupsel/Folhapress

Diego Toledo e Thiago Varella

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/04/2017 04h00

O presidente Michel Temer sancionou, em março, um projeto que permite a terceirização de todas as atividades, não mais apenas da chamada atividade-meio. 

Na prática, de acordo com a nova lei, qualquer trabalhador pode ser terceirizado, o que gerou críticas e apoios pela flexibilização das contratações. 

Trabalhadores ouvidos pela reportagem do UOL relatam tanto queixas quanto elogios para as mudanças, mas todos se preocupam com a redução da proteção ao empregado. 

Quem trabalha em prestadoras de serviço diz crer que o país vai vivenciar uma onda de salários mais baixos, cargas horárias mais puxadas e perda de garantias, por outro lado há setores que já tiveram essa terceirização tempos atrás e conseguiram uma melhora na qualidade de vida e bons rendimentos.

Dois porteiros que trabalham em um condomínio de prédios em Hortolândia, no interior de São Paulo, por exemplo, contaram da falta de opção: era procurar emprego em uma empresa prestadora de serviços ou ir para o olho da rua. "Onde você vai procurar, só existem vagas de terceirizado", diz Silas Valões Leles.

Antonio Carlos Marcelino concorda que esteja cada vez mais raro um prédio ou um condomínio contratar funcionários. Os síndicos argumentam que ter empregado próprio é caro, já que, além de pagar os encargos, a hora de demitir também pesa nas finanças. É muito mais simples contratar uma empresa que forneça os funcionários e também arque com todos os custos trabalhistas. 

No lado do profissional, no entanto, isso significou uma perda significativa nas garantias do emprego, dizem. "Trabalhar contratado pelo condomínio é melhor. Se você é terceirizado, por qualquer probleminha ou errinho pequeno, o condomínio pede para retirar aquele funcionário e colocar outro. Essa é a realidade", afirma Leles. "Quando você é contratado pelo condomínio, tudo é resolvido na conversa."

Em 31 anos trabalhando em portarias, Leles nunca foi demitido, mas diz já ter presenciado absurdos com colegas. "Já vi casos em que uma simples resposta para o morador resultou em demissão. E o porteiro tinha toda a razão. Mas ele não podia ter respondido, tinha de ter abaixado a cabeça. O cliente sempre tem razão", conta.

Para ele, a realidade de trabalho vai se tornar a regra em diversas outras áreas. "Do jeito que o governo está fazendo vai piorar mais ainda", opina.

Seu colega Antonio Carlos Marcelino concorda. "Acho que não tem volta, não. Na minha área, na maioria dos empreendimentos, as terceirizadas tomam conta", disse. 

Marcelino está há cinco anos em uma prestadora de serviços. Segundo ele, a carga horária e o salário dos terceirizados são diferentes. "Trabalho 12 horas e descanso 36. É raro condomínio com escala de oito horas. No fim de ano, o 13º é um pouco abaixo do piso. Quando a gente vai receber férias, também percebe que tem uma diferença. A gente tem uma expectativa, mas nunca é o que a gente imaginava", conta.

Mas diz que é melhor estar em uma prestadora de serviços do que ficar desempregado. "Pelo menos, a terceirizada cumpre com a obrigação dela."

Casa própria mais cedo

Terceirizado - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para Marcelo Pires, da área de tecnologia, ser terceirizado antecipou compra da casa
Imagem: Arquivo pessoal
Essa dura realidade não foi o que aconteceu com o Marcelo Alves Pires. Em sua área, tecnologia da informação (TI), a terceirização é tão comum que acaba sendo vantajosa.

"Eu ganhava quase o dobro como prestador de serviço terceirizado", afirma o desenvolvedor de sistemas. "Com esse dinheiro a mais, eu pude comprar uma casa que eu não poderia se tivesse com um salário de funcionário de uma consultoria de TI. Eu antecipei em uns 15 anos o famoso sonho da casa própria."

Ele conta que só no início de sua vida profissional, no começo dos anos 2000, atuou como funcionário contratado. Pouco depois, muitas empresas entraram em crise e o setor viveu uma fase de "pejotização".

O termo é uma referência à sigla PJ (pessoa jurídica) e é uma forma popular de se referir a um tipo de contratação em que uma empresa usa os serviços de um profissional, mas não o contrata com carteira assinada. Em vez disso, o trabalhador cria uma nova empresa em seu nome e passa a trabalhar como se fosse um prestador de serviço.

O problema é que o profissional pode acabar sujeito às mesmas obrigações de um funcionário contratado com carteira assinada, mas sem receber os mesmos benefícios trabalhistas. Isso é irregular. 

Pires lembra que, durante a "pejotização" do setor, eram raras as ofertas de emprego com carteira assinada. "A maioria das empresas só oferecia bons salários para quem podia receber como PJ. O salário de carteira assinada era sempre muito baixo."

Muitas dessas disputas entre PJs e empresas foram parar na Justiça, que, em boa parte dos casos, decidiu pelo pagamento de indenizações aos trabalhadores. Pires avalia que essas derrotas judiciais e um maior rigor na fiscalização pela Justiça do Trabalho provocaram uma nova mudança. "As grandes consultorias pararam com essa história de PJ", afirma.

Atualmente, Pires tem uma empresa própria para oferecer um software voltado para advogados. Lida diretamente com seus clientes e emprega dois estagiários. 

Ele diz que a opção pelo trabalho como autônomo representa um risco, por isso procura adotar algumas precauções. "A pessoa que toma essa decisão tem que ter certos cuidados para não correr tanto risco, que é ter um seguro para o caso de algum acidente ou de uma doença que a impeça de trabalhar", afirma. "Não basta só trocar um salário por outro maior, você tem que pensar em alguma garantia para não ficar sem renda se você tiver algum problema."

Pires defende mudanças na atual legislação trabalhista, como medidas que garantam maior flexibilização da jornada de trabalho e o fim da multa de 40% sobre o FGTS nas demissões sem justa causa. Mas ele também critica as alterações propostas na atual reforma trabalhista em discussão no Congresso, que, na sua opinião, reduzem a rede de proteção ao trabalhador.