Carne brasileira pode ter pus, mas não é para se alarmar, diz professor
Os Estados Unidos decidiram suspender todas as importações de carne bovina in natura (fresca) do Brasil, devido a repetidos problemas sanitários dos produtos brasileiros, afirmou o Departamento de Agricultura americano (USDA).
A suspensão, divulgada em nota na noite de quinta-feira (22), é mais um problema para o mercado agropecuário brasileiro, que viveu turbulências neste ano após a operação Carne Fraca, da Polícia Federal, e a delação premiada de executivos da JBS, dona da Friboi e maior empresa do mercado.
Houve uma reação à vacina de gado e isso pode causar abscessos (bola com pus) na carne. O professor Roberto de Oliveira Roça, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) diz que não é caso para se alarmar porque a questão é pontual e é possível identificar o problema na carne a olho nu. Não há previsão de redução no preço da carne.
Confira o que se sabe sobre a suspensão, até agora.
Por que os EUA suspenderam as importações?
A nota do Departamento de Agricultura americano diz que a suspensão foi por "preocupações recorrentes sobre a segurança dos produtos destinados ao mercado americano".
O USDA diz que desde março inspeciona 100% da carne vinda do Brasil. Março foi quando foi deflagrada a Carne Fraca. Segundo o órgão, 11% da carne fresca brasileira foi recusada, "um número substancialmente maior do que a taxa de rejeição de 1% de carregamentos do resto do mundo".
Desde o aumento da inspeção, o Departamento barrou a entrada de 106 lotes de produtos brasileiros de carne (aproximadamente 860 toneladas) por causa de "preocupações com a saúde pública, condições sanitárias e questões com a saúde animal", de acordo com a nota, que não dá detalhes sobre os problemas encontrados.
Reação à vacina cria abscessos (pus na carne)
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse que a suspensão é por causa da "reação a componentes da vacinação da febre aftosa".
"Nós fomos informados, há alguns dias, da não conformidade em exportações brasileiras e que diz respeito a uma reação a componentes da vacinação da febre aftosa", afirmou Maggi após a suspensão.
"No manuseio das partes em que é feita a vacinação têm sido encontrados abscessos (bolas com pus). Nós já tínhamos recebido a informação e cancelado cinco plantas", disse o ministro. Segundo o governo, eram 15 frigoríficos no total habilitados a exportar carne fresca para os EUA.
Além do Ministério, a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) e a diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, dizem que o motivo da suspensão são esses abscessos.
O que são abscessos?
Abscesso é uma lesão, uma pequena bola com pus dentro, que pode ser formada por uma reação natural à vacina, ou então por contaminação na hora da vacinação, causando uma pequena infecção, afirma Roberto de Oliveira Roça, veterinário e professor da área de Tecnologia dos Produtos de Origem Animal da Unesp de Botucatu.
No caso da contaminação, ela pode acontecer porque não foi feita a higienização adequada dos materiais na hora da vacinação, levando bactérias do ambiente para dentro do animal e causando essa infecção.
O professor conta que fez um estudo no Mato Grosso e detectou que a maior parte dos problemas é causada pelo manejo inadequado das vacinas.
Mas, mesmo com uma higienização adequada, pode ocorrer uma reação vacinal, sendo normal. Nesses casos, ele some depois de um tempo. Por causa disso, é preciso respeitar um prazo para abater o animal após a vacinação.
Há risco para o consumidor brasileiro?
O brasileiro não precisa ficar alarmado porque a suspensão não significa que haja risco generalizado no consumo de carne no país, segundo o professor.
"Isso é um assunto pontual", afirma. "Lá (EUA) há um rigor muito grande. Foi detectado, e quando pega eles soltam a bomba para o mundo inteiro."
Ele diz que não há motivo para preocupação, porque a inspeção no Brasil é confiável. "Existem falhas, como em qualquer área. É pequeno (risco de falhas), mas existe. Mas não é o caso para se alarmar."
Uma carne com abscesso pode chegar à minha mesa?
Sim, mas são casos raros, segundo Roça. Se a vacina for em uma parte errada do animal, que não o pescoço, pode ser que o abscesso não seja detectado pela vigilância sanitária.
"O que acontece é que muitas vezes a boiada passa rápido e a vacina vai para outros lugares", diz o professor. "Aplica no cupim, no contrafilé e até na picanha, e pode chegar à mesa do consumidor."
Nesses casos, o abscesso pode ficar dentro da carne. Como a inspeção não vai cortar a peça que é vendida inteira para verificar, ela pode acabar na prateleira do mercado.
Eu consigo ver um abscesso na carne?
O professor diz que, caso o consumidor compre uma carne contaminada, vai facilmente perceber um abscesso a olho nu, mesmo os menores, que têm entre 0,5 cm e 1 cm de diâmetro. Os maiores podem chegar a 10 cm.
Ele pode estar dentro de uma peça, como uma picanha, por exemplo, mas na hora que cortar a carne, "sem dúvida" o consumidor vai vê-lo, diz Roça.
O abscesso é um risco para o consumidor?
Se o consumidor comer uma carne com abscesso ele está se expondo a um risco, sim, de acordo com o professor.
"É um material contaminado. Dependendo do micro-organismo pode causar uma infecção", afirma.
O preço da carne vai cair?
A diretora da consultoria Agrifatto, Lygia Pimentel, não acredita que os preços serão muito afetados pela medida, porque eles já estão pressionados pela crise na JBS e uma oferta grande de animais para abate. Além disso, os EUA não são grandes importadores do produto brasileiro.
Que frigoríficos exportam aos EUA?
Segundo o Ministério da Agricultura, eram 15 frigoríficos habilitados a exportar carne fresca para os EUA, mas cinco haviam sido descredenciados pelo Ministério na quarta-feira (21).
De acordo com a pasta, foram três unidades da Marfrig, localizadas em São Gabriel (RS), Promissão (SP) e Paranatinga (MT); uma da JBS, localizada em Campo Grande (MS); e uma da Minerva, em Palmeiras de Goiás (GO).
O UOL perguntou ao ministério quais são os demais frigoríficos e os produtos afetados, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
A suspensão pelos EUA tem ligação com a Carne Fraca?
Provavelmente, sim. Segundo o Departamento de Agricultura americano, a inspeção mais rigorosa nas carnes brasileiras, que passaram a ser todas vistoriadas antes de entrar nos EUA, começou em março, mesmo período em que a Polícia Federal deflagrou a operação Carne Fraca no Brasil.
A nota da USDA, porém, não cita a operação diretamente.
O Brasil exporta muito para os EUA?
Os EUA não são grandes compradores da carne brasileira. Neste ano, até maio, foi apenas o 9º na lista de maiores compradores de carne in natura, segundo dados da Abiec. China, Hong Kong e Rússia lideram esse ranking.
O Brasil, que sempre foi um exportador relevante de carne industrializada aos EUA, conseguiu um acordo para exportar o produto fresco apenas no segundo semestre do ano passado, após vários anos de negociação.
De janeiro a maio deste ano, as exportações de carne bovina in natura (fresca) do Brasil para os EUA somaram 11,8 mil toneladas, o equivalente a US$ 49 milhões, de acordo com dados da Abiec.
Quanto a suspensão prejudica o Brasil?
O maior impacto da medida dos EUA é na imagem do país e as perdas são "intangíveis", segundo o presidente da Abiec, Antonio Camardelli.
O Brasil não é grande exportador para o mercado norte-americano, mas a chancela dos EUA dava ao país, maior exportador global, possibilidade de conseguir entrar em mercados importantes para a carne in natura, como Japão e Coreia do Sul.
"Se olhar o aspecto financeiro, é importante para o país (a receita gerada), mas o prejuízo grande é de imagem, levamos muito tempo para conquistar esse mercado, porque ele é um passaporte para outros mercados", disse Camardelli à agência Reuters.
A exportação para os EUA demora para ser liberada de novo?
A nota do Departamento de Agricultura diz que a suspensão vai ser mantida até "o Ministério da Agricultura brasileiro tomar ação corretiva que o USDA achar satisfatória", sem maiores detalhes.
Diz ainda, na nota, que o governo brasileiro prometeu lidar com as questões, citando a suspensão de cinco frigoríficos que poderiam exportar para os EUA, mas que a medida do USDA se sobrepõe a essas suspensões.
O Ministério da Agricultura afirma que está revisando as normas de inspeção em frigoríficos para atender as exigências dos EUA.
(com Reuters)
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