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Sem salário, 13º ou FGTS: desempregados contam o drama da luta por direitos

Marcos Santos/USP Imagens
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens

Gabriela Fujita e Marcela Lemos

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, no Rio

30/10/2017 04h00

Sentimentos de mágoa e arrependimento ficaram maiores do que o respeito, diz o engenheiro Augusto*, 48, sobre sua relação com a empreiteira onde trabalhou por 32 anos, de 1985 a 2017, em São Paulo. Em março deste ano, ele decidiu mover um processo contra a empresa para poder ser oficialmente demitido e receber direitos trabalhistas não pagos, como salário, férias e FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

O engenheiro conseguiu uma decisão em seu favor na Justiça e conta sua história nesta reportagem, mas pediu que seu nome e o da empreiteira não fossem revelados. Desempregado, ele tem receio de sofrer algum tipo de represália no mercado no qual fez carreira e para onde tenta retornar.

Após ficar quase seis meses sem remuneração, mas ainda ligado à empreiteira, Augusto tentou negociar pelo menos a baixa na carteira profissional, para poder sacar o salário-desemprego, o fundo de garantia e até mesmo ser contratado em um novo serviço, se aparecesse a oportunidade. Mas a empresa sinalizou somente com o pedido de que ele “aguentasse mais um mês”, diz, e não resolveu sua situação.

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Dramas como este não acontecem apenas com Augusto: no Rio, por exemplo, mais de 700 trabalhadores entraram com uma ação coletiva pelos valores da recisão; em Duque de Caxias (RJ), uma médica que também entrou na Justiça se diz insegura se vai receber tudo a que tem direito (leia sobre os casos mais abaixo).

Eu não desejo mal para ninguém, mas o que eles me devem, eles têm que pagar

Augusto*, engenheiro desempregado

"Pararam de me pagar e entrei na Justiça"

Em 2015, com a instabilidade no ramo da construção civil por conta da crise econômica e política no país, a empresa onde Augusto trabalhou a partir dos 16 anos teve uma redução de clientes e de obras, afirma. Em 2016, para cortar gastos, vários funcionários, inclusive ele, foram orientados a ficar em casa no segundo semestre.

“Eu ficaria em casa recebendo os salários até que eles retomassem os serviços, mas isso não aconteceu. Pararam de me pagar, e foi quando eu entrei na Justiça, em março de 2017, com uma ação de rescisão indireta”, diz ele.

De acordo com Augusto, além de não receber salário desde outubro de 2016, também não foram pagos férias nem 13º. No começo do ano, sem renda e sem poder assumir outro emprego, ele chegou a se oferecer para assumir uma vaga em outra empresa, aberta por um dos sócios da empreiteira, que continua na ativa, afirma. Mesmo que fosse para ganhar menos, estava disposto a trabalhar, mas não teve nenhuma resposta.

Eles não me mandavam embora, não pagavam meu salário, não faziam nada. Tive que entrar com a ação

Augusto*, engenheiro desempregado

Salário "por fora" e FGTS não pago

Parte do pagamento do salário de Augusto era feita “por fora”. No holerite, ele chegou a receber R$ 8.000, afirma. O complemento de cerca de 30% era feito extraoficialmente, sem pagamento de impostos. “Eu tenho R$ 21 mil de fundo de garantia para sacar. Se tudo tivesse sido depositado nesses dez anos, eu teria uns R$ 90 mil...”, calcula.

De acordo com a advogada Pamela Giraldelli Mota, do escritório Rayes & Fagundes, em São Paulo, especializada na área trabalhista, receber e pagar parte do salário por fora é ilegal. "Há descumprimento da lei trabalhista e sonegação fiscal por ambas as partes, tanto do empregador como do empregado."  A advogada explica que, em situações como esta, ambos podem ser cobrados a recolher os impostos devidos, além de pagar multa ao fisco.

A Justiça decidiu que Augusto tem direito a receber salários atrasados, duas férias e 13º não pagos e o recolhimento não feito do fundo de garantia. Para abrir a ação, Augusto contratou um advogado, que irá receber 30% dos valores como custos da causa. “Tudo o que era meu de direito, que eu trabalhei a vida inteira [para ganhar], se a empresa me mandasse embora, seria tudo meu, mas hoje eu tenho que dividir com alguém.”

Ação coletiva de 700 trabalhadores

Quem também precisou entrar na Justiça para garantir os direitos previstos na CLT foi Marcus Vinícius Alves de Oliveira, 40, controlador de produção de petróleo e gás. Ele conta que só conseguiu receber os valores relativos à rescisão do contrato de trabalho nove meses após a demissão. A lei garante que os valores sejam pagos até dez dias após a comunicação de desligamento, mas não foi o que ocorreu.

Oliveira e um grupo de 700 trabalhadores precisaram mover uma ação coletiva contra a Personal Service, que presta serviços terceirizados para a Petrobras, na Bacia de Campos. Segundo ele, a empresa chegou a oferecer o pagamento das verbas rescisórias em 24 parcelas, o que não foi aceito pelo grupo.

“A empresa teve a coragem de, no termo de rescisão que a gente assina, indicar o desconto de pensão alimentícia para a minha filha e não fazer o depósito para a conta da minha ex-mulher. A Personal foi condenada a pagar os valores devidos mais multa, mas pagou em agosto apenas as verbas rescisórias, ainda brigamos pelo pagamento dos 40% de multa referentes ao saldo do FGTS que até hoje não foi feito, além da indenização por danos morais. Vai fazer um ano que saí da empresa e ainda seguimos brigando pelos nossos direitos", conta o profissional.

Oliveira trabalha há 17 anos na Bacia de Campos, no norte fluminense. Ele estava havia dois na Personal Service e conta como a ausência dos pagamentos interferiu na vida financeira dele.

“Eu já sabia que a oferta de salário seria baixa. Eu contei com esse dinheiro para me planejar. Fiquei de novembro até o final de janeiro para entrar de novo no sistema Petrobras através de outra terceirizada. Contraí dívidas. Pagamos um preço alto e nem tudo foi resolvido ainda”, conta o controlador de produção.

A Personal Service não respondeu aos contatos da reportagem. A assessoria de imprensa da empresa foi procurada por e-mail e telefone por três dias consecutivos. 

"Ainda não sei como isso vai acabar"

Uma médica do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que pediu para não ser identificada, recorreu à Justiça, mas se diz insegura. A unidade é administrada pela OS (Organização Social) Pró Saúde, que passou a atrasar os salários dos profissionais sob a justificativa da crise financeira do Estado. A OS alegou aos funcionários que o governo não realizava os repasses previstos, o que impossibilitava o depósito dos vencimentos.

Com isso, a pediatra --demitida há quase um ano sem receber a indenização prevista em lei-- diz não ter certeza se conseguirá o pagamento dos valores devidos. Ela ainda criticou o andamento do processo na Justiça do Rio de Janeiro.

“Tivemos uma audiência recentemente, na qual fomos informadas pelo juiz que o Estado também deveria ser intimado na ação, apesar de ele ter se manifestado no processo. Minha advogada disse que poderia incluí-lo como de praxe naquele momento, mas o juiz negou e informou que teríamos que entrar com um novo pedido. Resultado: não sei quando isso vai acabar”, afirma ela.

Procurada, a Pró-Saúde Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar disse que aguarda o repasse de verbas da Secretaria de Estado de Saúde do Rio para efetuar o pagamento das verbas rescisórias dos ex-funcionários da unidade.

"A instituição enviou um levantamento detalhado das demissões e dos valores pendentes e continua em tentativas junto à SES-RJ, visando a liberação do recurso necessário ao pagamento do montante total das verbas rescisórias, para que possa honrar, o mais rápido possível, com seus compromissos com os ex-colaboradores do hospital", diz um trecho da nota enviada à reportagem. 

Procurado, o governo do Estado do Rio não se manifestou. A reportagem procurou as secretaria de Saúde, Fazenda e do próprio governo e não teve retorno.

"Evitar 'jeitinho' é recomendável", diz advogada

São delicados os casos de empresas que não têm dinheiro suficiente para fazer os acertos com funcionários ao demiti-los, diz a advogada Pamela Giraldelli Mota, do escritório Rayes & Fagundes, em São Paulo, especializada na área trabalhista.

Nesta situação, a recomendação para empregados e patrões é buscar ajuda dos sindicatos trabalhistas, que devem orientar sobre o pagamento das verbas rescisórias.

“Pela lei, não é possível fazer acordos para o desligamento de um funcionário. Você tem que pagar todas as verbas de uma só vez e no prazo que determina a lei.

O trabalhador que prestou serviços com base na CLT e é demitido tem direito, por exemplo, a FGTS e indenizações pela demissão, como a multa de 40% paga pelo empregador. “Isso acaba elevando bastante as verbas rescisórias que a empresa tem que despender nessa época de desligamento dos empregados”, diz.

Se não houver entendimento com a empresa nesse campo, o trabalhador pode entrar com uma ação para cobrar seus direitos. Mas é importante estar atento aos prazos. “A Constituição delimita a prescrição dos direitos trabalhistas a cinco anos", diz a advogada. 

Você pode entrar com uma ação trabalhista no máximo até dois anos após a rescisão do contrato. E pode pedir pagamentos de direitos referentes aos últimos cinco anos anteriores à abertura da ação

Pamela Giraldelli Mota, advogada trabalhista

No caso específico do FGTS, a advogada orienta o trabalhador a verificar mensalmente se o depósito está sendo feito pelo empregador. Ele deve ir até a Caixa Econômica Federal, onde uma conta em seu nome deve receber os valores, e pedir o extrato, que também pode ser enviado por correio todos os meses. A informação sobre este depósito deve constar no holerite, na parte dos descontos.

“Tem um ditado que diz: ‘O direito não socorre os que dormem’. Sempre converse com o RH da empresa, com o seu gestor, sempre esteja atento às normas convencionais da empresa para verificar se tudo está sendo pago corretamente. Caso identifique que não está sendo pago, existem algumas opções”, afirma a advogada.

O trabalhador pode:

  • acionar o sindicato e pedir informações e ajuda sobre como receber seus direitos trabalhistas
  • fazer denúncias ao Ministério do Trabalho e Emprego e ao Ministério Público do Trabalho
  • entrar com uma ação trabalhista referente ao tempo em que houve vínculo empregatício com a empresa

“Para você entrar com uma ação na Justiça do Trabalho, a sugestão é: não precisa procurar um advogado. Na Justiça do Trabalho, você tem direito de entrar com uma ação sozinho, que é chamado de jus postulandi”, diz.

Além de conhecer bem seus direitos como empregado, o trabalhador deve evitar usar do “jeitinho” para receber salário e outros benefícios, indica a advogada, se quiser ser respeitado pela empresa. “Nossa carga tributária, especialmente voltada para a área trabalhista, é muito elevada. A empresa e o empregado, naquele anseio de ter o trabalho e o outro de receber sua contraprestação, acabam dando um 'jeitinho', como fazer ou receber pagamentos 'por fora', o que não é recomendável.”