Mudar regra nos pagamentos prejudica competição e cliente, diz especialista
O relacionamento entre empresas do setor de pagamentos está sob risco de mudança, com perda de inovação e competitividade, causando prejuízo ao consumidor final. A interoperabilidade do sistema (compartilhamento de redes) pode ter as regras alteradas pelo Banco Central (BC) e trazer prejuízos.
O BC quer rever a interoperabilidade e, na prática, voltar a permitir apenas os contratos por participação, em que se aceitam as condições de contrato predeterminadas pelas empresas de cartões para fazer parte de seu sistema.
"A interoperabilidade é importante porque preserva a inovação e a competição", disse Thais de Gobbi, advogada do escritório Machado Meyer, em debate sobre o assunto realizado na Fintouch 2018, evento de fintechs que acontece nesta quarta-feira (8) em São Paulo.
"Ela é feita por acordos bilaterais, em que cada participante do acordo pode ter suas regras e não apenas se subordinar à bandeira; eles ficam no mesmo nível. O que o BC quer agora é que os arranjos fechados que queiram trocar informações e recursos por meio das bandeiras, que são grandes arranjos abertos, devem passar a ter que participar deste arranjo, ou seja, se subordinar às regras da bandeira.”
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Sites de comércio e cartões de crédito
Há dois tipos de empresa envolvidas na situação: as de serviços e plataformas de pagamento (como sites de ecommerce) e as bandeiras de cartões.
Atualmente, o relacionamento entre essas duas pontas pode ser feito de duas formas: a primeira é por meio de contratos de adesão, em que os grupos (arranjos) que querem operar pelas bandeiras de cartão devem seguir as regras já preestabelecidas por essas empresas, como prazos de pagamento ou compartilhamento de informações, por exemplo.
A outra modalidade é a interoperabilidade, em que os contratos entre sites e vendedores e os cartões são definidos conjuntamente. É o modelo defendido por esses market places, já que lhes dá mais independência de atuação.
Inibe inovação, e sociedade como um todo perde
Segundo Thais, a desvantagem de limitar essa atuação está em inibir o alcance de atuação das empresas. "Ter só esse modelo é muito ruim, porque estamos falando de empresas jovens, com regras inovadoras, que atuam no nicho de pequenos vendedores, onde as grandes muitas vezes não chegam. Inibe a inovação desses players, e quem perde é a sociedade como um todo.”
Priscila Ribeiro, responsável pela área regulatória do Mercado Livre, deu alguns exemplos práticos de como essas regras vindas das bandeiras podem acabar afetando a atuação de plataformas de ecommerce e o consumidor final.
“Imagine um market place [central de vendas online] em que o consumidor encomenda um armário sob medida, que demora 60 dias para ser feito. Pela regra da bandeira, eu tenho que fazer a liquidação do pagamento em 30 dias, o que cria uma insegurança jurídica para o consumidor”, disse.
Em casos como esses, o site de vendas retém o dinheiro empenhado pelo comprador na plataforma até que o produto prometido pelo fornecedor seja entregue. Só então o pagamento é efetivado –isso dá a garantia ao consumidor de que ele não vai pagar antecipado e ficar sem o produto depois, bem como garante ao fornecedor que não vai produzir e entregar o produto e tomar um calote do comprador.
Em um contrato por interoperabilidade, o site pode negociar seus próprios prazos de pagamento, mas, pelo modelo de simples participação e adesão, tem de seguir os limites impostos pelo cartão. “Se eu sou obrigada a liquidar o pagamento antes de o armário ficar pronto, a loja pode embolsar o dinheiro e não entregar, o que cria uma insegurança para o cliente”, disse Priscila.
“Sem a interoperabilidade, eu tenho de assinar um contrato com as bandeiras de que passarei a participar do arranjo dela”, disse Vitor Magnani, do iFood. “É como entrar em um estacionamento, há a tarifa, as regras, você não negocia nada.”
Concentração de mercado
Segundo ele, isso também limita a concorrência e a inovação e redunda em um mercado concentrado, que, com poucas empresas detendo as transações, acaba incorrendo em juros e preços finais mais altos.
"O fim da interoperabilidade o obriga a ficar abaixo das regras da bandeira. São limitações que impactam não só market places, mas fintechs como um todo, empresas que ainda estão em consolidação. Elas não conseguirão no futuro desenvolver suas próprias verticais [empresas ligadas] de pagamento digital para concorrer no futuro.”
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