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Já pensou se existisse um salário mínimo mundial? Economista acha possível

Vivian Oswald

Correspondente da RFI Brasil em Londres

16/01/2019 17h49

Quem nunca se queixou do próprio emprego que atire a primeira pedra. Estudo do Instituto Tinbergen, baseado na Holanda, revelou que um quarto dos trabalhadores está insatisfeito com os seus postos mundo afora. E mais: 8% deles acham que o que fazem não tem utilidade para a sociedade e outros 17% afirmam ter dúvidas sobre a serventia do seu trabalho em geral.

O estudo feito com 100 mil pessoas de 47 países revela uma ansiedade que pode não ser totalmente nova, mas que certamente se agrava com os passos acelerados das novas tecnologias. Num piscar de olhos, elas transformaram para sempre a fronteira entre as tarefas executadas por seres humanos, máquinas e algoritmos. O mercado global de trabalho jamais será o mesmo, garantem os especialistas.

A chamada quarta revolução industrial mudou o modelo de negócios de todas as indústrias e já causa grandes perturbações, de acordo com o relatório o Futuro dos Empregos, encomendado pelo Fórum Econômico Mundial, que reunirá 3.000 líderes, pensadores, empresários e representantes da sociedade civil de 110 países na semana que vem na cidade de Davos, na Suíça.

É ali que se discutem as principais questões da economia global, e, de acordo com fundador do Fórum, Klaus Schwab, "esse é o grande desafio da nossa era".

O documento garante que, se enfrentadas de maneira inteligente, essas transformações podem levar a uma nova era de bons trabalhos, empregos e uma melhor qualidade de vida. Se não, existe o risco de aumento dos abismos de qualificação, das desigualdades e da polarização, alerta o relatório.

"O momento de conceber o futuro do trabalho é agora", diz o documento, que oferece ferramentas para que governo, setor produtivo e trabalhadores enfrentem os principais desafios do mercado de trabalho até 2022.

Em sete anos, mais de metade das tarefas no ambiente de trabalho serão executadas por máquinas, diz o estudo. Hoje, esse percentual é de 29%. Mas nem tudo estaria perdido. O relatório mostra-se otimista e estima que 133 milhões de novas vagas devem ser criadas até 2022, quase o dobro das 75 milhões que vão desaparecer.

O documento vai ainda mais longe e revela que 54% dos trabalhadores de grandes empresas vão precisar se requalificar para aproveitar as crescentes oportunidades que serão oferecidas pela quarta revolução industrial.

Requalificação

Apenas metade das empresas planejavam requalificar somente os empregos que estivessem em cargos-chave. Quase 50% delas espera que a sua força de trabalho de tempo integral deva encolher até 2022, como resultado da automação. E quase 40% acha que a sua força de trabalho em geral vai crescer.

Os dados foram levantados a partir de uma pesquisa com os chefes de recursos humanos de companhias de 12 indústrias em 20 economias desenvolvidas e em desenvolvimento.

Os números mostram que o que está por vir pode até trazer novas oportunidades, mas exigirá cautela de líderes dos setores público e privado. "É fundamental que os negócios adotem um papel ativo para apoiar a sua atual força de trabalho a partir da requalificação, que indivíduos também se concentrem no seu aprendizado a vida inteira, e que os governos criem um ambiente que facilite essa transformação da força de trabalho", disse Schwab.

Salário mínimo universal

Para o economista Rutger Bregman, chegou a hora de repensar o significado do trabalho. Autor do livro "Utopia para realistas", ele defende a criação de uma salário mínimo universal que permita às pessoas tentarem buscar o trabalho dos seus sonhos.

Pode se tratar de uma utopia em um mundo tão complexo, com países tão diferentes entre si. Mas Bregman é um dos convidados pelo Fórum Econômico Mundial este ano, em Davos, justamente parar explicar as suas ideias.

"Na medida em que os negócios adotam novas tecnologias, muitos empregos como vemos hoje deixarão de existir, e outros novos devem surgir. E no meio dessa mudança tumultuada, temos a oportunidade de redefinir por completo o significado do trabalho e assim, fazer uma grande diferença para a sociedade", afirma Bregman à RFI.

Ele diz que há muitos serviços que não contribuem em nada para a sociedade, afirma que a utilidade desses postos e trabalho está em declínio desde a metade do século passado e que a quarta revolução industrial vai se encarregar de tornar o problema ainda mais grave.

"Nos anos 50, 60 e 70, se você fosse talentoso mesmo na sua área, iria provavelmente trabalhar com pesquisa ou no governo", diz.

"Aí, você arranja um bom emprego, com um bom salário, faz um MBA e, 10 ou 15 anos mais tarde, está deprimido em meio a uma crise de meia-idade, e só assim acaba fazendo o que sempre quis", afirma.

O economista defende a criação de um salário básico internacional, uma experiência que alguns países do mundo tentam explorar, mais ainda com receio. Bregman diz que só assim as pessoas poderão se dedicar ao que querem em vez de perder anos de suas vidas. Poderiam ser inclusive mais produtivas.

"O salário básico internacional vai mudar isso. Jovens vão se apoiar na renda básica se a sua paixão não funcionar. Isso acaba com 20 anos de desperdício", garante.

Alternativas

A ideia ainda é vista com certa desconfiança. Mas entrou no rol das discussões sobre o futuro de mercado de trabalho. O próprio relatório do Fórum Econômico Mundial menciona uma alternativa moderada ao mínimo internacional. O próprio Bregman acredita que o fato de estar sendo convidado para o Fórum já significa que esta já não é mais considerada uma ideia de outro mundo.

De todo modo, ele afirma que a automação ao longo da história jamais significou desemprego em massa. "Não devemos jamais subestimar o poder do capitalismo de criar novos empregos inúteis para a sociedade. Teoricamente, é possível que vamos todos nos ajustar, fingindo que trabalhamos", salienta.

Uma das conclusões do estudo do Fórum, por outro lado, é que, diante da transformação da demanda por qualificação em ritmo que jamais se viu, para que o futuro dos empregos seja alvissareiro, deve haver um movimento da economia e da sociedade a partir de governos, empresas e indivíduos na direção do aprendizado contínuo, para a vida inteira, assim como estratégias inclusivas e programas de treinamento de todo o espectro ocupacional.

E esse mesmo movimento deve acabar criando novas oportunidades para parcerias, inovação e criatividade multitarefa entre governos, indústrias, trabalhadores, educadores e outros para que se experimente e invista em novos tipos de educação e treinamento que sejam mais úteis aos indivíduos nesse novo contexto do mercado de trabalho.

O problema é que, na medida em que isso aconteça no período de 2018 a 2022, segundo o estudo, governos, empresas e indivíduos terão de enfrentar uma porção de questões totalmente novas para eles.

"Por exemplo, com as relações de trabalho mudando cada vez mais para contratos temporários e de freelancer, como garantir que os trabalhadores terão o apoio e orientação para adquirir a qualificação necessária para se manterem empregados a durante a sua vida ativa?", indaga o documento.

Do ponto de vista dos empregadores, como minimizar os riscos das parcerias com freelancers online e plataformas de talentos? E ainda mais grave: como ter certeza de que tudo isso não vá desencadear um novo processo de polarização a partir da "segregação de tarefas", a partir das quais este ou aquele grupo específico de trabalhadores seja aquinhoado com a melhor remuneração, ou o pior, o que as condições de trabalho não serão ainda piores para os empregados?

Papel dos governos

O relatório deixa essas perguntas no ar e afirma que não tem a pretensão de respondê-las. Mas cobra dos governos a urgência para políticas de educação voltadas para pessoas de todas as idades, sobretudo nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, além das atividades não-cognitivas.

Isso deve passar por mudanças de currículo nas escolas, treinamento de professores e o que o documento chama de reinvenção do treinamento vocacional para a idade da quarta revolução industrial, aumentando a sua atratividade para além das ocupações de baixa e média qualificação.

Os governos também terão o papel de estimular a criação de novos empregos a partir de investimentos públicos e parceiras com a iniciativa privada.

Esse seria o receituário de sempre. Mas o relatório ainda acrescenta que, as novas tecnologias e a expansão do trabalho devem aumentar a produtividade, os salários, a riqueza, e, com eles, a arrecadação de impostos. E sugere que se utilizem esses recursos dos tributos para melhorar as redes de segurança social para apoiar aqueles que mais precisem de ajuda para se ajustarem às novas regras do mercado.

Isso seria feito a partir de reformas, aumento das redes de proteção social existentes, ou até mesmo de um modelo totalmente novo como a ideia de uma renda básica e de serviços básicos. É algo que flerta de certa forma com as sugestões de Bregman.

No entanto, o Fórum diz que o salário básico universal ainda é inalcançável e indesejável para esse período até 2022. Mas sugere em alternativa a criação de fundos de aprendizado universais para vida a inteira que atendam aos indivíduos que precisarão de mais atenção pelos próximos anos. E destaca que as soluções vão variar de país a país.