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Governo falar sobre AI-5 deixa investidores inseguros, afirma Meirelles

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

02/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Para Meirelles, ruídos e incertezas minam a confiança no Brasil
  • Ex-ministro afirma que fala de Guedes sobre AI-5 gera insegurança
  • Apesar disso, apoia medidas do governo e diz que país deve crescer
  • Meirelles diz que Doria está no caminho certo como alternativa em 2022

Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, 74, afirma que a economia brasileira não tem crescido em todo o seu potencial porque o país não inspira a confiança necessária de investidores e consumidores.

Apesar de elogiar propostas do ministro da Economia, ele diz que declarações como a que Paulo Guedes deu na semana passada nos Estados Unidos citando o AI-5, instrumento da ditadura militar para reprimir a oposição, geram insegurança e inibem investimentos no Brasil.

Henrique Meirelles é um liberal na economia que conseguiu se articular com a esquerda, afinal presidiu o Banco Central no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 2018, foi candidato a presidente pelo MDB e investiu R$ 57 milhões na própria campanha, de acordo com dados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Acabou apenas em sétimo lugar.

Neste ano, a convite do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), assumiu a Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado. Em sua opinião, o tucano está no caminho certo para pavimentar uma candidatura a presidente em 2022.

Confira abaixo trechos da entrevista que Meirelles concedeu ao UOL no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.

UOL - Por que a retomada do crescimento econômico do país vem sendo tão lenta nos últimos anos?

Henrique Meirelles - Essa é uma questão interessante porque previsões feitas pela maior parte dos analistas de maior reputação mostravam que a perspectiva de crescimento do Brasil em 2018, por exemplo, já seria um pouco maior que 2%. Mas [isto não se concretizou] devido à greve dos caminhoneiros em maio de 2018, devido à questão também das incertezas eleitorais. Evidentemente, isso gerou muita insegurança em investidores do mundo inteiro.

Houve o resultado das eleições. Então, de fato, se esperava: "bom, agora, vai". Então [para] 2019 as expectativas de novo voltavam a ser para 2%, 2,5%. A expectativa [de crescimento] hoje está em 0,9%. De fato, é muito menor do que aquilo que se esperava. Por quê? Aí já são diversas questões que estão muito relacionadas a expectativas, a nível de confiança na economia, por razões diversas, ruídos, problemas, incertezas diversas, muito barulho, digamos assim.

Isso tudo faz com que o nível de confiança das empresas e entre os consumidores não aumente como se esperava. Então, pessoas que iam investir seguram mais um pouco o investimento ou investem menos. Agora eu espero que, com a aprovação da reforma da Previdência e outras reformas, isso tudo possa sobrepujar esse nível de incerteza e que o Brasil finalmente possa voltar a crescer ao seu potencial, que é acima de 2%.

Então o Brasil ainda não alcançou este nível de crescimento porque ainda não inspira confiança?

Exatamente. Ainda não há confiança suficiente.

O investimento é o resultado concreto da expectativa do empresário ou do investidor. Ele vai investir em algo que vai dar retorno. E, para isso, tem que ter uma expectativa de que a taxa de crescimento vai ser de acordo com o necessário para justificar aquele investimento. E palavra que se usa para tudo isso chama-se nível de confiança.

Na semana passada, em viagem aos Estados Unidos, o ministro Paulo Guedes citou o AI-5, instrumento da ditadura para reprimir a oposição. O que sr. pensa sobre este tipo declaração de integrantes do governo e de familiares do presidente Jair Bolsonaro? Isto também prejudica a confiança no país?

Olha, não há dúvida. Muitos investidores me dizem que ficaram preocupados com isso. "Quer dizer que o Brasil está tendo problemas e pode ter que recorrer a medidas extraordinárias? O Brasil pode ter uma crise bem maior do que o Chile teve? O que está acontecendo pode justificar uma situação dessa?"

Eu não quero fazer juízo de valor porque o presidente ou o ministro mencionaram isto. Devem ter lá suas justificativas para dizer com clareza sua mensagem. Por outro lado, também gera insegurança, não há dúvida. Não é algo que tem um efeito neutro. Tem um efeito, de fato, importante. E isso muitas vezes é uma questão de estilo pessoal.

Qual sua expectativa para a economia do Brasil em 2020?

Com todas as reformas aprovadas, não há razão para nós não voltarmos a crescer um pouco mais. O Brasil não tem nenhuma razão estrutural para crescer menos do que o seu potencial. A previsão para o ano que vem é uma taxa ao redor de 2%, 2,5% de crescimento e uma manutenção desse patamar para os anos seguintes. Essa seria uma previsão de uma melhora, não uma melhora espetacular, mas uma melhora sensível.

Paulo Guedes - Adriano Machado/Reuters - Adriano Machado/Reuters
Apesar da crítica à fala de Guedes, Meirelles concorda com propostas do ministro da Economia
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Em sua gestão no Ministério da Fazenda, durante o governo Michel Temer (MDB), foi aprovado o teto de gastos. O sr. acha que, com o cenário atual, o teto poderia ser revisto?

Não. Acredito que não deve ser revisto porque o teto é uma âncora. E a função principal do teto é exatamente fazer com que nós tenhamos, pela primeira vez no Brasil em muito tempo, a discussão de quais são as prioridades nos diversos projetos apresentados, seja pelo Executivo, seja pelo Legislativo.

Se não há teto, muitas vezes todos agem como se a despesa não tivesse limite. Com o teto, não. O teto já coloca aqui o limite objetivo. Temos que priorizar essas despesas. Qual são as mais importantes? Isso é uma coisa básica em qualquer governo, feita nos países mais desenvolvidos do mundo, que têm as contas fiscais mas equilibradas e racionais. O teto está levando o Brasil agora a praticar esse exercício de priorizar, decidir o que é mais importante para a população, para o país.

Durante sua gestão também foi aprovada a reforma trabalhista com o argumento de que ela facilitaria a geração de empregos, mas o país permanece com mais de 12 milhões de desempregados, e parte dos empregos gerados tem precariedade. O sr. está satisfeito ou frustrado com os resultados da reforma?

Muito satisfeito com o resultado da reforma. A reforma trabalhista nunca pretendeu substituir a macroeconomia do país. [Para] A geração de empregos em qualquer país, o fator fundamental é a atividade econômica. Se a empresa está vendendo mais, ela contrata mais. Quanto maior a atividade econômica, maior o emprego.

Nós tínhamos um problema que era a chamada complexidade trabalhista, o que fazia com que os custos trabalhistas fossem maiores. Então a empresa muitas vezes procurava não contratar todo o necessário. Contratava menos para evitar toda a complicação e o custo. Não é que a reforma trabalhista é uma mágica que resolve todos os problemas econômicos do país, não.

O governo Bolsonaro também mexeu em algumas regras trabalhistas e agora veio o anúncio de que se pretende taxar o seguro-desemprego. Estas medidas não têm sido duras demais com os trabalhadores?

Não há dúvida de que é uma medida que gera controvérsia.

O governo partiu do pressuposto [de] que no momento em que diminui a tributação, por exemplo, na folha de pagamentos, isto em tese vai gerar mais emprego e em última análise favorecer o desempregado e vai conseguir emprego.

Por outro lado, ele coloca uma taxação, uma contribuição do desempregado. Então, é uma questão controversa porque aquela pessoa que conseguiu emprego fala "está bom, valeu a pena", mas aqueles todos que não conseguiram emprego vão falar: "só estou pagando a mais e estou desempregado".

Qual sua análise sobre a elevação da cotação do dólar e a redução dos juros oficiais?

Tudo isso é um processo normal. Eu acho que tende a se ajustar ao longo do tempo. Existe muito recurso estrangeiro saindo do Brasil ou quem sabe até de brasileiros. Mas certamente estrangeiros retiram recursos da Bolsa, retiram recursos que estavam aplicados no mercado de renda fixa e vão para o exterior. Isso tudo faz com que o fluxo indique um patamar um pouco mais elevado para o dólar neste momento.

Uma parte dessa saída é relacionada a uma coisa positiva, que é o juro mais baixo. Uma parte dos recursos que vinham para o Brasil antes era exatamente para aplicar em um juro muito mais alto do que o mercado internacional.

A baixa dos juros é um componente importante para o país. É uma consequência natural de tudo isso que tem sido feito, desde o teto de gastos e a reforma trabalhista. Tudo isso tem dado mais segurança ao mercado.

João Doria e Jair Bolsonaro - Marcos Corrêa/PR - Marcos Corrêa/PR
Meirelles entende que Doria pode ser alternativa de centro nas eleições de 2022
Imagem: Marcos Corrêa/PR

O Brasil tem vivido uma polarização política muito forte. O sr., que foi presidente do Banco Central no governo Lula e é um liberal na economia, acredita que o Brasil conseguirá superar isto nos próximos anos?

A polarização política em determinados momento é natural. Aconteceu em 2018, acabou popularizando os dois lados. Essa polarização vai continuar a existir, mas a minha expectativa é que seja num grau menor e que possa abrir espaço para candidatos do chamado centro, o centro liberal ou centro-esquerda, centro-direita, todo o espectro que representa mais a opinião do país. As pessoas não são todas radicais. A maior parte das pessoas está no chamado centro.

O governador Doria está pavimentando bem esse caminho para ser um eventual candidato [a presidente] desse centro ou da centro-direita em 2022?

Sim, ele está trabalhando nesse sentido e acho que está se posicionando bem. Está fazendo uma boa administração em São Paulo e levando à população uma mensagem de que esse é o momento de gestão, e não de eleição. Eleição só em 2022.

O sr. foi candidato a presidente no ano passado, investiu recursos próprios na campanha e ficou apenas em sétimo lugar. O resultado final decepcionou o sr.?

A eleição não foi surpresa. Muitas pessoas foram surpreendidas. Não é o meu caso. Por quê? Eu já tinha pesquisas muito bem feitas quando decidi ser candidato e que mostravam exatamente isso: que as possibilidades de crescimento eram baixas. Não era tão claro ainda que a polarização seria tão grande, mas já tinha indicações disso.

Decidi ser candidato com uma agenda: mostrar ao país uma proposta que é exatamente essa implementada hoje, que é a proposta de reformas, a proposta de uma economia mais aberta, de economia liberal. Esta agenda de reformas prevaleceu no país. Então isso me dá uma gratificação muito grande.

A economia paulista passou cinco anos, entre 2011 e 2015, com desempenho inferior à da economia do país, mas passou a crescer mais desde 2017. Quais são os rumos da economia do estado a partir de agora?

Nossa previsão para o crescimento de 2019 é 1,9% de crescimento da economia do estado de São Paulo, dentro de uma previsão de 0,9% de crescimento da economia brasileira. Historicamente, a economia de São Paulo crescia cerca de 20% acima da média nacional. Durante a crise econômica, o desempenho de São Paulo foi pior do que a média nacional em virtude de ter uma recessão muito grande concentrada no setor industrial. Mas agora estamos crescendo mais de 100% acima da média nacional.

Neste contexto, quais são as razões para o governo Doria ter levado à Assembleia Legislativa uma proposta de reforma da Previdência dos servidores públicos estaduais? As contas do estado preocupam?

Sim, a Previdência dos servidores de São Paulo já gera um déficit importante. Com a reforma da Previdência, São Paulo vai economizar R$ 32 bilhões em dez anos. O déficit é relevante na medida em que o estado paga grande parte do custo. O custo total é de cerca de R$ 34 bilhões por ano, sendo que 86% é pago pelo estado e 14% é pago diretamente pelo servidor. Com o tempo, isso piora anualmente na medida em que as contas da Previdência vão crescendo em função da maior expectativa de vida das pessoas, chegando no futuro a uma situação insustentável.