Solução para INSS permite indicação política e até corrupção, diz professor
A Medida Provisória publicada na segunda-feira (2), que permite a contratação temporária de servidores aposentados para tentar diminuir a fila de benefícios à espera de análise do INSS, aumenta o risco de indicações políticas e até mesmo corrupção. Essa é a visão do pesquisador Bruno Carazza, doutor em Direito Econômico, professor do Ibmec e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro" (Companhia das Letras).
Apesar de ter sido anunciada como uma medida emergencial para reduzir a fila atual no INSS, a MP também muda regras para contratação de temporários em todo o serviço público federal. Dentre os principais pontos, dispensa realização de concurso público e amplia o uso do contrato temporário para mais situações, como para reduzir volume de trabalho, desenvolver serviços e conter situações de risco de calamidade pública, por exemplo.
Carazza também acredita que a medida é um início da reforma administrativa prometida pela equipe econômica, mas que ainda não foi oficialmente apresentada. O governo do presidente Jair Bolsonaro coloca as mudanças nas regras do funcionalismo como uma de suas prioridades, após a aprovação da reforma da Previdência, no ano passado.
Confira os principais trechos da entrevista de Bruno Carazza ao UOL,
UOL: O senhor vê essa Medida Provisória como uma primeira parte da reforma administrativa?
Bruno Carazza: Eu acho que sim. Acho que o governo acabou aproveitando uma situação emergencial, o acúmulo de processos do INSS, para ampliar o leque de possibilidades de contratação temporária. Acho que, com essa medida, se vier a ser aprovada pelo Congresso, o governo já sinaliza o que ele está imaginando em termos de reforma administrativa.
Caso a MP seja aprovada desta forma, é possível que vejamos uma porcentagem maior do serviço público ocupado por funcionários temporários?
Para mim isso está muito claro. É bastante condizente esperar isso com a situação do país e com o que o ministro Paulo Guedes vem sinalizando. O país vive uma situação fiscal muito grave, a gente tem um contingente muito grande de servidores previstos para se aposentar nos próximos anos, e o governo entende que não há espaço fiscal para contratar pessoas com os salários altos que são praticados na administração pública, segundo a visão do governo.
Essa Medida Provisória amplia muito o leque de possibilidades de contratação temporária, com critérios bastante genéricos. Acho que o governo pretende repor essa mão de obra, que já se aposentou nos últimos anos e vai se aposentar nos próximos, contratando pessoas temporariamente, com salários mais baixos do que o servidor hoje na ativa.
Com esses critérios mais amplos de contratação é possível dizer que qualquer cargo ou qualquer função atualmente no funcionalismo federal pode ser ocupada por um temporário?
Especificamente como está na Medida Provisória, os critérios são bastante abertos e bastante genéricos. A princípio, ela dá uma margem de manobra para o governo contratar servidores em um contingente muito grande de atividades do funcionalismo.
Eu, particularmente, acredito que existam grupos de carreiras que têm competências muito específicas, são carreiras muito bem definidas, que acredito que não serão alvos desse tipo de contratação temporária, como diplomatas, delegados da Polícia Federal, fiscais da Receita, eventualmente analistas do Banco Central.
O governo deve atacar principalmente o núcleo de carreira que tem perfil mais genérico, mais gerencial, mais administrativo. Na forma como a Medida Provisória está redigida, essas atividades podem ser plenamente alvos de contratação temporária.
A contratação temporária de servidores aposentados, da forma como está proposta na MP, é atraente para esses trabalhadores?
Eu vejo isso como um agrado do governo ao funcionalismo público. Principalmente levando em conta que o funcionalismo foi diretamente afetado pela reforma da Previdência.
Do ponto de vista de valer a pena, já há muito tempo o servidor público tem a possibilidade de continuar mesmo tendo completado o prazo de aposentadoria, recebendo um abono de permanência. Com a possibilidade de recontratação temporária, o governo sinaliza para esse servidor a possibilidade de recontratá-lo por um valor de até 35% de seu salário, que é maior do que o abono de permanência que os servidores recebem hoje.
Então, do ponto de vista do servidor, eu acho que vale a pena. E para o governo também, porque vai sair barato. Ele vai recontratar um servidor que já entende do assunto, experiente, por 35% do que ele pagaria se ele fizesse um contrato novo.
Como o senhor vê o processo de seleção de temporários, como proposto pela MP, e que podem ser contratados mesmo sem passarem por um concurso público?
Tem dois problemas aí. Primeiro, a forma como vai ser desenhado o processo seletivo. Há uma concorrência muito grande nos concursos públicos, embora existam questionamentos se a forma atual, de provas e títulos, consegue selecionar um perfil profissional adequado para trabalhar no serviço público. Essa é uma discussão.
O segundo ponto é que os procedimentos que estão sendo colocados nessa MP, na minha visão, são muito frágeis. Primeiro, porque a Medida Provisória explicitamente reduz a transparência desses processos seletivos, não precisa ser dada ampla publicidade para eles. O segundo motivo é que, em várias hipóteses, esse processo seletivo pode ser desmontado e colocado em troca de uma seleção pela simples análise do currículo do interessado, baseado no critério de notório saber, notório conhecimento.
Essa frouxidão nos critérios de seleção dos procedimentos me deixa com um pé atrás e faz com que surja um temor de que essa contratação temporária seja usada para indicação política, favorecimento pessoal e, no limite, mais casos de corrupção nos órgãos públicos da administração.
Como o senhor vê a perspectiva de andamento da MP no Congresso, em um contexto político acirrado, de atritos entre o Executivo e o Legislativo, e em meio à outras propostas de reformas econômicas?
Um fato que a gente tem observado na relação entre o Executivo e o Congresso, desde pelo menos o governo Dilma, é que o governo tem tido cada vez mais dificuldade de aprovar Medidas Provisórias no Congresso. Principalmente aprovar sem alteração. Desde o governo Dilma, passando pelo governo Temer e agora no governo Bolsonaro, o Congresso tem sido muito mais efetivo no controle das Medidas Provisórias e isso tem feito com que elas sejam bastante alteradas ou nem venham a ser aprovadas. No caso específico do governo Bolsonaro, isso ainda é mais grave. O Bolsonaro é o presidente da nossa história recente que tem mais dificuldade de aprovar Medidas Provisórias no Congresso. Esse passado recente joga contra as perspectivas de a MP ser aprovada.
A gente não pode perder de vista, porém, que esse tema de reforma administrativa é muito caro para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e também apresenta muita sintonia entre a visão da política econômica, da agenda do ministro Paulo Guedes, com o entendimento do Congresso de uma maneira geral. Além disso, ela de uma certa forma abre a possibilidade de que essa contratação temporária seja usada para indicações políticas.
Então, a gente tem um argumento, seja ele relacionado com as visões econômicas do Congresso, seja relacionado com as perspectivas desse toma lá dá cá com o poder Executivo, de que venha a ser aprovada, se não integralmente, pelo menos em linhas gerais, no seu principal teor, no Congresso.
Governo nega que ampla divulgação será dispensada
Em nota ao UOL, o Ministério da Economia nega que o texto da MP dispense a ampla divulgação dos editais das vagas, mesmo que o trecho que cita essa exigência tenha sido retirado da Lei pela Medida.
"Não há no texto da MP qualquer dispensa de ampla divulgação, embora a lei não preveja expressamente, esta é sempre condição para a transparência dos atos da administração federal", afirma.
O Ministério afirma também que a contratação temporária é prevista em Lei desde 1993, para "dar maior agilidade na resolução e na prevenção de situações de excepcional interesse público", e por isso precisa de um processo seletivo simplificado, "a qual pressupõe a análise de critérios objetivos de seleção".
"A única exceção para a não-realização desse processo seletivo é no caso de iminente risco à sociedade, de calamidades públicas, emergenciais de saúde pública e ambientais, por si só justificáveis pela urgência na resolução do problema", afirma.
O governo diz, ainda, que as hipóteses de contratação temporária acrescentadas pela MP "foram definidas com base na experiência e ocorrência de fatos similares ao longo do tempo", citando a tragédia em Brumadinho e a Operação Carne Fraca como exemplos, além de "desafios enfrentados pela Administração Pública Federal".
"O objetivo da MP é dar uma resposta mais célere e efetiva para a população," afirma.
Veja mais economia de um jeito fácil de entender: @uoleconomia no Instagram.
Ouça os podcasts Mídia e Marketing, sobre propaganda e criação, e UOL Líderes, com CEOs de empresas.
Mais podcasts do UOL em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.