O que muda com a lei do saneamento? Água e esgoto podem ficar mais caros?
O Senado aprovou nesta quarta-feira (24) um novo marco legal de saneamento básico, que ainda depende da sanção do presidente Bolsonaro para virar lei. O tema é polêmico e divide opiniões.
Defensores do projeto veem nele uma forma de atrair investimentos privados para levar água e esgoto a toda a população, melhorar a qualidade do serviço e estimular a retomada da economia. Por outro lado, críticos afirmam que a privatização deve encarecer a conta de água, e que regiões periféricas não serão atendidas, porque dariam pouco ou nenhum lucro às empresas do setor.
A estimativa do governo é de que o novo marco gere cerca de 1 milhão de empregos nos próximos cinco anos e seja um dos principais estímulos à retomada da economia após a crise do coronavírus.
Entenda melhor o que muda e quais os possíveis impactos na sua vida.
Como é a situação hoje
Atualmente, na maior parte dos municípios é o Estado quem cuida da rede de água e esgoto, mas o acesso a esses serviços ainda é bastante limitado no país e o nível de investimentos no setor é muito baixo.
Metade da população (mais de 100 milhões de pessoas) não tem acesso a sistema de esgoto, enquanto 16% (quase 35 milhões) não tem acesso a água tratada, segundo dados de 2018 do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento).
Só 6% das cidades são atendidas pela iniciativa privada. Nas outras 94%, o serviço é feito por companhias estaduais ou municipais, com ajuda do governo federal. Apesar dessa diferença, as empresas privadas respondem por 20% de todo investimento no setor.
O que prevê a nova lei
O projeto aprovado prevê universalizar o saneamento básico no país até 31 de dezembro 2033. A meta é atingir cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. A previsão de investimentos é de até R$ 700 bilhões.
Segundo a nova regra, empresas públicas não poderão mais ser contratadas diretamente para executar os serviços de saneamento. Municípios ou estados terão que fazer uma concorrência aberta a empresas privadas, por meio de licitação, e as interessadas terão que se comprometer com a meta de universalização dos serviços.
A ANA (Agência Nacional de Águas) passará a ser responsável pela regulação do setor.
Privatização poderia compensar falta de investimento público
Um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta a falta de concorrência no setor de saneamento como o principal problema. Por esse ponto de vista, seria positiva uma maior abertura a empresas privadas, como prevê o novo marco regulatório.
"A indisponibilidade de recursos públicos não permitirá que companhias sem capacidade de investimento expandam os serviços de água e esgoto. A manutenção de contratos inadequados e com prorrogações infinitas restringe a entrada de novos agentes no setor", diz o estudo.
Concorrência e eficiência reduziriam valor da conta
Hoje, as empresas públicas podem ser contratadas diretamente, sem participar de processo de concorrência, segundo o especialista em direito público Cristiano Vilela. "Pelo projeto, após um período de transição, todos os contratos terão que passar por concorrência, o que fará com que as empresas apresentem condições mais favoráveis a estados e municípios e, especialmente, ao consumidor final", disse o advogado.
Para Fernando Guimarães, especialista em direito público e infraestrutura, os valores dependem dos cálculos das empresas com os custos necessários em cada projeto. "Os investimentos para construção de redes de esgoto serão custeados com tarifas. Por outro lado, as empresas estaduais são ineficientes na gestão de custos. A tendência é que as tarifas sejam reduzidas."
O secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria, afirmou que os custos das empresas de saneamento podem cair até 54% com o aumento de eficiência. Segundo ele, o dado faz parte de um estudo da pasta, em parceria com o Ipea (Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada).
"Os estudos que temos mostram que a ineficiência no setor é tão grande que é possível alcançar a universalização sem aumento de tarifa. As modelagens dos contratos feitos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para contratos de saneamento em Alagoas, Acre e Rondônia mostram isso.
Para oposição, privatizar saneamento prejudica os mais pobres
Opositores do novo marco legal afirmam que a iniciativa privada não teria interesse em investir em lugares periféricos, justamente onde há mais necessidade de expansão da rede de saneamento.
"O SUS tem problemas? Sim, muitos. Mas imagine como estaria o país agora se ele tivesse sido privatizado. O mesmo vale para o saneamento básico. Lutar pelo fortalecimento e pela gestão eficiente dos serviços públicos é defender as famílias mais pobres", afirmou o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
O novo marco prevê a possibilidade de exploração do saneamento por blocos, onde haveria áreas de maior e menor interesse econômico licitadas em conjunto. A empresa vencedora da licitação teria que assumir as metas de universalização em toda a área.
Mas, para a oposição, não há motivos para crer que a iniciativa privada conseguirá explorar essas regiões com eficiência e sem cobrar tarifas excessivas como forma de compensar o investimento pesado em cidades com pouca infraestrutura.
Efeitos devem demorar para aparecer, diz especialista
Maurício Zockun, sócio do escritório Zockun & Fleury Advogados, afirma que a lei vai demorar alguns anos para produzir efeito na economia. "Da aprovação do projeto até ocorrerem as licitações, estamos falando de um prazo de um ano e meio a dois anos. É apenas um alarde para criar expectativas", afirmou.
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