O que é o teto de gastos, que o governo planeja furar?
Furar o teto de gastos tornou-se na última semana a principal estratégia do governo federal para o lançamento do Auxílio Brasil, o programa social que substituirá o Bolsa Família. A regra determina que o gasto máximo que o governo pode ter é equivalente ao Orçamento do ano anterior, corrigido apenas pela inflação.
Incluído na Constituição em dezembro de 2016, durante o governo Michel Temer (MDB), o teto está em vigor desde 2017 e deve durar 20 anos.
Na semana passada, porém, o governo patrocinou a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios em Comissão Especial da Câmara, com mudanças que permitem ao governo "furar o teto" em 2022 para bancar o Auxílio Brasil.
O que diz a PEC
A proposta aprovada na Comissão Especial — e que ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e pelo Senado — prevê a possibilidade de o governo gastar R$ 83 bilhões a mais em 2022.
Parte destes recursos bancará o Auxílio Brasil, o programa social que terá valor de R$ 400. O benefício será pago a 17 milhões de famílias até o fim do próximo ano, quando Bolsonaro tenta a reeleição.
O Ministério da Economia calcula que cerca de R$ 34 bilhões dos recursos extras ficarão fora do teto de gastos, sendo que R$ 30 bilhões iriam para o auxílio. Na prática, isso significa que o governo gastará mais que o previsto na lei atual, o que pressiona ainda mais a inflação.
Queda de braço dentro do governo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha participando de uma queda de braço dentro do governo. De um lado, ele tentava manter o teto de toda forma, defendendo a importância do mecanismo para a estabilidade das contas públicas.
De outro, ministros como João Roma, da Cidadania e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, defendiam que o governo precisava aumentar os gastos para tirar o país da crise. Havia ainda pressão para que o governo pague um auxílio de R$ 400 por mês, e não de R$ 300 — valor que caberia dentro do Orçamento para 2022 sem que o teto fosse quebrado.
De olho na reeleição, o presidente Jair Bolsonaro bateu o martelo por um benefício de R$ 400, o que levou à inclusão de mudanças, na PEC dos Precatórios, que levarão à quebra do teto. Vencido, Guedes vem nos últimos dias tentando rebater as críticas e justificar o estouro do limite.
Nesta semana, admitiu que o governo está furando o teto, apesar de ele "detestar" fazer isso. No domingo (24), Guedes atacou economistas que vem criticando sua gestão e o desrespeito ao teto de gastos.
Economistas de fora do governo alertam que a quebra do teto pode ser desastrosa para a inflação, além de passar uma mensagem negativa para os investidores internacionais.
O que diz quem defende o teto?
O teto de gastos é elogiado por quem acredita no controle das despesas públicas como forma de atrair investimentos privados, manter os juros baixos e controlar a inflação. Para seus apoiadores, o teto de gastos é necessário para o equilíbrio das contas públicas e para manter a confiança de investidores no compromisso do país com a responsabilidade fiscal.
Se a regra for quebrada, dizem, a taxa básica de juros (Selic), hoje em 6,25% ao ano, pode subir ainda mais, porque o risco de se investir no Brasil será maior. Além disso, a inflação poderá ficar ainda mais pressionada.
O que diz quem critica o teto?
Por outro lado, o teto não é criticado apenas por ministros da ala política do governo, como Marinho e Roma, mas por economistas que defendem mais investimentos públicos para recuperar a economia e garantir uma renda mínima aos mais necessitados.
Eles afirmam que a regra atual impede investimentos públicos, agrava a recessão e prejudica principalmente os mais pobres, ao reduzir recursos em áreas como educação e saúde. Como o bolo do Orçamento tem o mesmo tamanho sempre e algumas fatias necessariamente crescem todo ano, como os gastos com Previdência, sobra um pedaço cada vez menor para as demais despesas, incluindo saúde e educação.
No contexto da pandemia, em que o desemprego disparou e houve uma quebradeira de empresas, críticos dizem ainda que é necessário gastar para fazer obras públicas e gerar empregos para tirar o país do buraco mais rapidamente, além de assistir os mais pobres.
Eles também criticam o teto por limitar o gasto público mesmo quando a economia vai bem, com crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e aumento da arrecadação de impostos. O aumento da arrecadação não poderia ser usado para subir o gasto.
Como é calculado o teto de gastos a cada ano?
A base de cálculo são os gastos do Estado no ano anterior, excluindo:
- pagamento de juros da dívida pública;
- transferências obrigatórias para estados, municípios e Distrito Federal;
- gastos com eleições;
- dinheiro injetado em estatais;
- e repasses para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).
Uma das mudanças trazidas pela PEC é que o cálculo será feito com base no período de janeiro a dezembro, o que permitiria uma sincronização com o reajuste das despesas, ocorrido a cada ano cheio. Esta sincronização já daria um pouco de espaço para mais gastos, incluindo as despesas com o Auxílio Brasil.
Para 2021, o teto de gastos é de R$ 1,486 trilhão.
O que precisa caber dentro deste limite?
Tanto despesas obrigatórias como opcionais (chamadas de discricionárias). As obrigatórias representam mais de 90% e têm destino definido na Legislação, como Previdência, assistência social, educação e salários de servidores, por exemplo. As despesas discricionárias são aquelas que podem ser escolhidas pelo governo e representam, principalmente, investimentos públicos, como obras de infraestrutura.
Para quem vale o teto de gastos?
O limite de gastos vale para a administração federal — não vale para municípios, estados e Distrito Federal. Também há um limite de gastos específicos para os seguintes órgãos federais: Poder Executivo Senado Câmara dos Deputados Ministério Público Federal Tribunal de Contas da União Defensoria Pública da União.
Até quando vai a limitação?
Segundo a emenda constitucional do teto de gastos (EC 15/2016), a limitação dos gastos públicos vale por 20 anos, ou seja, até 2036.
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