Por que a inflação passa de 10% pela primeira vez desde o início de 2016
A inflação no Brasil chegou a 10,25% no acumulado de 12 meses em setembro, superando os 10% pela primeira vez desde fevereiro de 2016 (10,36%). O brasileiro percebe o aumento de preços em toda parte: no supermercado, na farmácia, no posto de combustíveis, nas contas que chegam em casa, no botijão de gás. Por que a inflação está acelerando?
A inflação oficial é medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a partir de uma cesta de bens e serviços consumidos pelo brasileiro.
A cesta é composta por dois grupos de preços, explica Alexandre Almeida, economista da CM Capital:
- Livres: produtos e serviços cujos preços variam conforme a procura e a oferta, definidos pelo mercado, sem interferência. Por exemplo: alimentos e serviços e produtos de varejo.
- Administrados: produtos e serviços cujos preços dependem de essencialmente do reajuste autorizados por agências regulatórias (Aneel, ANS etc), contratos de concessão pública, entre outros. Por exemplo: combustíveis, energia elétrica e planos de saúde.
Almeida explica que, na inflação em 12 meses, destacam-se dois preços administrados: combustíveis e energia elétrica.
- Energia elétrica: +28,82%
- Gasolina: +39,6%
- Etanol: +64,77%
- Diesel: +33,05%
Eu diria que esses são os principais desafios de 2021. Com aumentos nessa magnitude, não há inflação que resista.
André Braz, economista do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas)
Disparada do dólar
André Braz, economista do Ibre-FGV, destaca o papel do dólar nesses aumentos. A moeda norte-americana disparou 29,33% em 2020 e já acumula alta de 6,33% neste ano, sendo vendido acima de R$ 5,50.
O dólar mais alto encarece diretamente as importações de produtos e também de insumos, como os usados na indústria e na agropecuária, puxando a inflação.
Mas também há impactos indiretos. Os preços do petróleo são cotados no mercado internacional, em dólar. Quando eles sobem, os combustíveis sobem também.
A Petrobras divulga reajuste da gasolina e do diesel à medida que o preço do barril do petróleo aumenta e que o real se desvaloriza. Considerando-se que o diesel é usado para transporte rodoviário, ônibus urbano e geração de energia, acaba contribuindo também para o aumento da inflação.
André Braz, economista do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas)
O dólar também encarece outras commodities: "muitas das que usamos (soja, milho, minério de ferro, alumínio etc.) ficaram mais caras em dólar. Mesmo que o Brasil seja um dos maiores produtores de soja, isso não importa, porque os preços são cotados em Bolsas internacionais. Se o preço em dólar sobe, todos os derivados acabam ficando mais caros, gerando inflação no Brasil".
Outro efeito é que os produtores preferem vender seus produtos, como carnes, no exterior, para ganhar em dólar. Isso reduz a oferta de alimentos no mercado interno, e os preços sobem.
Instabilidade política puxa dólar
Braz diz que um dos fatores que explicam a disparada do dólar é a instabilidade política. Ela gera ruídos que diminuem a crença na possibilidade de retomada da economia brasileira, e esse aumento da incerteza provoca fuga de capitais e desvalorização do real.
"Mesmo que a taxa de juros esteja mais alta, e isso seja um ponto positivo para atrair investidores, o aumento do risco no Brasil tende a afastá-los, o que faz com que a nossa moeda permaneça desvalorizada", diz.
Samuel Cunha, economista da H3 Invest, destaca que a pandemia afetou a dinâmica da economia no mundo todo, gerando impacto nos preços. "No entanto, no Brasil essa alta da inflação não foi algo pontual, como nos outros países, e deve continuar por certo período", diz.
Ele também destaca a instabilidade política, "que reflete para o mercado tensão, turbulência e, à medida que isso acontece, acaba impactando outros fatores, como o câmbio".
Crise hídrica e taxa extra na conta de luz
O Brasil atravessa a maior crise hídrica em 91 anos, o que tem reflexo nos custos da energia tanto pra o consumo residencial quando para o setor produtivo.
Sem chuvas, os reservatórios das hidrelétricas, principal fonte de energia no país, ficaram esvaziados. Foi necessário o governo adotar uma série de medidas, como importar energia de vizinhos e acionar as usinas termelétricas, a gás natural e carvão mineral, que são bem mais caras.
Esse custo extra foi repassado aos consumidores na forma de bandeiras tarifárias, uma taxa extra cobrada na conta de luz. Em setembro, passou a valer a bandeira de escassez hídrica, que acrescenta R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidos.
Estamos passando por uma crise hídrica preocupante e, com essa nova bandeira tarifária [que vai até abril de 2022], a tendência de impacto nos preços continua, direta (porque energia faz parte da cesta do IPCA) e indiretamente (porque reflete no custo dos outros elementos da cesta).
Samuel Cunha, economista da H3 Invest
Impacto é pior para os mais pobres
Para Braz, a inflação atual não é de demanda, ou seja, puxada por famílias que querem consumir mais, pois a economia está enfraquecida. "As pessoas não estão comprando quase nada, o desemprego está alto. O que sustenta a aceleração da inflação agora são os custos associados à energia e a combustíveis, principalmente", diz.
A situação é pior para as famílias mais pobres, afirma.
Quanto menor a renda, mais a família compromete seu orçamento com a compra de alimentos e com o pagamento das tarifas básicas. Sem energia, a pessoa não vive. Além disso, paga o gás de botijão mais caro. Isso vem diminuindo muito o poder aquisitivo dessas famílias.
André Braz, do Ibre-FGV
Além de diminuir o poder de compra do consumidor, a inflação afeta sua qualidade de vida, à medida que a pessoa tem que gastar mais para adquirir itens necessários, sobrando muito menos recursos para fazer o que lhe traz bem-estar.
Samuel Cunha, da H3 Invest
Risco de 'estagflação'
Cunha explica que, tomando por base o Boletim Focus, do Banco Central, o Brasil deve registrar inflação de 8,51% em 2021, muito acima da meta do BC, de 3,75%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, ou seja, podendo variar entre 2,25% e 5,25%.
Para 2022, a previsão é de 4,1%, mais perto da meta, que é de 3,5%.
As expectativas dos economistas vêm sendo reajustadas para cima semana após semana.
Segundo Braz, há riscos a considerar para 2022 porque, com o BC subindo muito os juros para controlar a inflação, o efeito colateral é crescimento mais baixo.
E aí vem o risco de estagflação, quando se tem inflação acima da meta, e sem crescimento econômico, ou com crescimento muito baixo. As estimativas de PIB para o ano que vem estavam em torno de 2,5%, e agora já estão em torno de 1%.
André Braz, do Ibre-FGV
Juros x inflação
Aumentando os juros, diz Braz, o BC indica o seguinte ao consumidor: "Você, que pretendia comprar um carro, talvez seja melhor adiar a compra e investir seu dinheiro, porque agora, com o juro mais alto, você vai ganhar mais".
Adiando o consumo, a demanda fica mais fraca, e os preços sobem mais devagar. Essa mesma dinâmica funciona para as empresas, que adiam seus planos de expansão, por exemplo.
"O investimento também vai ser adiado, fazendo com que a economia cresça mais lentamente, e é por isso que as estimativas de PIB para o ano que vem estão ladeira abaixo", diz.
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