Família de políticos e funcionários na BA são acusados de fraude nos R$ 600
O MPF (Ministério Público Federal) na Bahia vai investigar se agentes públicos e familiares de políticos da cidade de Itarantim, no sudoeste do estado, cometeram fraudes para receber indevidamente o auxílio emergencial do governo federal. Entre os casos, está o do filho do prefeito Paulo Silva Vieira (DEM), um estudante de medicina em uma faculdade com mensalidade de R$ 7.500. O prefeito confirmou que o filho pediu o auxílio, mas disse que foi um "ato isolado" dele.
Outros supostos beneficiários são a filha do vice-prefeito Jadiel Matos (MDB), dois secretários e uma gestora municipal do Bolsa Família.
Ao UOL, alguns deles admitiram que se cadastraram para obter a ajuda financeira. Na Câmara de Vereadores, atualmente em recesso, filhos de parlamentares também teriam pedido o benefício.
Funcionários com salários de até R$ 4.500
Um relatório obtido pela reportagem aponta que ao menos 15 servidores da prefeitura requisitaram o auxílio. Eles ocupam cargos comissionados, postos temporários e recebem até R$ 4.500 de salário.
Teriam sido pagos indevidamente a esses funcionários 13 auxílios de R$ 600 e dois de R$ 1.200 entre abril e maio.
As suspeitas de irregularidades estão sendo apuradas pela Procuradoria da República em Vitória da Conquista, que abriu um procedimento extrajudicial no dia 9 deste mês.
Pena pode passar de 6 anos de prisão
Se confirmado o dolo, os envolvidos poderão ser processados criminalmente e responder por estelionato contra os cofres públicos. A pena pode passar de seis anos de prisão.
O auxílio emergencial foi criado para socorrer trabalhadores informais, MEIs (microempreendedores individuais), integrantes do Bolsa Família, autônomos e desempregados, e não pode ser pago a políticos ou servidores, mesmo que temporários.
Servidores confirmam pedidos; prefeito vê filho em "ato isolado"
O prefeito de Itarantim, Paulo Silva Vieira (DEM), disse ao UOL que tomou conhecimento dos supostos pedidos ilegais após repercussão na cidade. Ele afirmou, contudo, que não se pronunciará a respeito dos 15 funcionários que constam na lista sob apuração do MPF.
"Não me cabe falar por eles. Eles vão ser responsabilizados por isso", declarou, sem informar se adotará sanções administrativas.
Sobre o caso do filho, o estudante de medicina Paulo Otavio Martins Dias Vieira, o prefeito confirmou que o rapaz pediu os R$ 600 da ajuda federal.
"Eu tenho três filhos: um de 20 anos, um de 18 anos e um de 10 meses. Meus dois filhos maiores moram com a mãe em Vitória da Conquista. Foi um ato isolado da parte dele [Paulo Otavio]. Quando eu tive o conhecimento, imediatamente eu o chamei e expliquei a situação. Que o ato que ele cometeu não foi legal, porque existem famílias que precisam desse dinheiro, e ele, na condição de filho de um prefeito, não deveria ter feito isso ou então deveria ter conversado com os pais", afirmou o prefeito, que recebe R$ 16 mil de remuneração.
O UOL tentou ouvir Paulo Otavio desde quarta-feira (15), mas não obteve resposta até a publicação da reportagem. Ele também não respondeu a mensagens deixadas em seu perfil em uma rede social.
Filha do vice-prefeito
Na mesma lista de casos suspeitos, figura um pedido de R$ 600 em nome de Ayalla Soares Santos Matos, filha do vice-prefeito Jadiel Santos Matos (MDB).
Procurada pelo UOL, Ayalla disse que não falaria com a reportagem. Em um texto divulgado numa rede social, ela afirmou ter solicitado o recurso federal porque não depende do salário do pai —R$ 8.500, segundo folha de pagamento da prefeitura.
"Realmente, o vice é meu pai, mas o salário é dele, não meu. Tenho vida própria, sou maior de idade e tenho minhas contas a pagar, pois não recebo mesada do meu pai e muito menos da prefeitura. E mais: tenho direito, sim, como qualquer outro cidadão", escreveu.
O vice-prefeito Jadiel Santos Matos não atendeu ligações da reportagem.
Mulher de secretário alegou desemprego
Mulher do secretário de Administração Silvio Silva Vieira e cunhada do prefeito Paulo Silva Vieira, Thamires Vieira Soares Oliveira alegou estar desempregada.
"Eu moro de aluguel em [Vitória da] Conquista. Não pago INSS, não trabalho. Por ser esposa do secretário, fica parecendo que ele rouba da prefeitura e que eu estou tendo acesso a dinheiro da prefeitura. Na verdade, fica parecendo isso."
O secretário de Administração, que ganha R$ 4.500 de salário, disse que desconhecia o pedido da esposa.
Com salário de R$ 4.500, secretário afirma que devolveu benefício
Secretário municipal de Obras de Itarantim, Cristiano da Silva afirmou que quis obter o auxílio por achar que, como "dono de empresa", poderia recebê-lo —o que, na verdade, não é permitido.
Com um salário de R$ 4.500 na prefeitura, ele afirma já ter devolvido o recurso.
"Me aprovaram. Ao saber dessas repercussões, tratei logo de resolver o problema. Entrei na Receita [Federal], cancelei o auxílio e imprimi o boleto", disse o secretário, que não atendeu aos telefonemas da reportagem. A justificativa foi enviada por mensagem de celular.
Gestora do Bolsa Família tem cadastro como beneficiária do programa
O relatório ao qual o UOL teve acesso mostra ainda que a gestora municipal do Bolsa Família, Marcia Ferreira, fez um pedido de R$ 1.200 do auxílio. No cadastro do governo, o nome dela aparece como beneficiária do mesmo programa do qual é responsável na prefeitura.
Servidora comissionada que recebe R$ 2.000 por mês, ela disse que responderia ao UOL depois de consultar sua advogada. Ao tentar contatá-la posteriormente, ela não atendeu as ligações.
Influenciadora digital recebeu auxílio
Além dos pedidos investigados pelo MPF, há casos em Itarantim envolvendo outras pessoas, como uma digital influencer.
Com mais de 31 mil seguidores no Instagram, Aline Raisa Amoedo Chaves, que se descreve como blogueira de marketing digital, aparece no Portal da Transparência com um pedido de R$ 1.200.
Procurada pelo UOL, ela repassou o contato do seu advogado. O defensor, por sua vez, não atendeu a diversas tentativas de contato por telefone feitas pela reportagem.
Após a publicação deste texto, o advogado Paulo Carneiro Filho respondeu dizendo que Aline ficou surpresa com o depósito e alegou que ela foi vítima de fraude.
"O recebimento do auxílio foi indevido, nunca foi solicitado por Aline, inclusive caiu numa conta que ela nem utiliza, e que é poupança. Se fizeram solicitação em nome dela, na verdade, ela foi vítima de falsidade ideologia e de estelionato", disse.
Segundo o advogado, Aline devolveu o dinheiro.
Órgãos do governo avaliam casos, mas não têm dados por município
Questionado sobre os casos suspeitos em Itarantim, o TCU (Tribunal de Contas da União) informou em nota que o auxílio emergencial é objeto de avaliação em diferentes processos: um em decorrência de representação acerca de irregularidades nos pagamentos; e outro de acompanhamento (cruzamento de dados) para avaliar possíveis erros na concessão e pagamento do benefício.
De acordo com o órgão, nesses processos, porém, não há informações detalhadas por município.
O Ministério da Cidadania, responsável pela gestão do benefício, respondeu que o governo federal não possui base de dados de servidores municipais e estaduais que requisitaram o auxílio. Afirma, no entanto, que, a partir do fim de maio, a CGU iniciou cruzamentos de dados que permitiu o bloqueio de 61 mil cadastros.
Segundo o ministério, qualquer indício de ilegalidade, em especial na ótica criminal, é imediatamente informado à Polícia Federal e os pagamentos são suspensos. "Não importa quem seja. É determinação do governo do presidente Jair Bolsonaro não tolerar a ação de criminosos que queiram burlar as regras do benefício."
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