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Com PEC, Lula escolhe caminho mais fácil, mas pode ter problemas à frente
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A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição chegou ao Congresso, protocolada no Senado pelo relator Marcelo Castro (MDB-PI), nesta segunda-feira (28). O texto é o que foi enviado pela equipe de transição do futuro governo de Lula, com quase todas as gorduras e folgas que poderão facilitar sua negociação na direção de um ponto médio.
Esse ponto médio seria aquele em que o Congresso não sancionaria despesas fora da regra do teto de gastos no montante de R$ 198 bilhões, em 2023, como quer a equipe de Lula, nem as limitaria a R$ 80 bilhões, como gostariam políticos que se preparam para fazer oposição ao novo governo. É possível que a proposta feche com licença para gastos acima do teto, no ano que vem, em torno de R$ 140 bilhões, valor que não representaria expansão fiscal em relação ao total de gastos de 2022, projetados em 19% do PIB (Produto Interno Bruto).
Na proposta original, do total de gastos liberados do teto estão inseridos R$ 175 bilhões anuais para atender, ao longo dos quatro anos do novo governo, os custos de um programa de transferência de renda, que voltará a se chamar Bolsa Família, de R$ 600 mensais, acrescidos de R$ 150 mensais para crianças até seis anos das famílias beneficiadas. Os demais R$ 23 bilhões comportariam gastos com investimentos públicos, amparados em aumentos de receitas.
Nas contas da equipe de Lula estão incluídos recursos para recompor gastos sociais que ficaram com dotação anêmica na proposta de Orçamento do governo Bolsonaro para 2023. Os cortes atingiram, entre outros, programas nas áreas da educação e da saúde. Com a exclusão dos limites fiscais dos recursos para o novo Bolsa Família, R$ 105 bilhões reservados para um Auxílio Brasil de R$ 405 mensais em 2023 seriam liberados para outras despesas. Entre essas despesas estariam outras promessas da campanha eleitoral de Lula, como a correção do salário mínimo acima da inflação.
Ao escolher o caminho da negociação de uma PEC no Congresso para garantir recursos no início de seu governo, Lula definiu o caminho mais fácil no curto prazo, mas pode ter contratado dificuldades políticas mais à frente. Segundo especialistas em finanças públicas, entre eles o economista José Roberto Afonso, que esteve entre os técnicos que elaboraram a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), em vigor desde 2000, o melhor seria optar pela aprovação de um crédito extraordinário, que garantisse recursos para o programa de transferência de renda na partida, abrindo espaço para a rediscussão de todo o arcabouço fiscal, assim como dos programas sociais.
Na visão de Afonso, administrar a questão fiscal pela via de PECs amarra o Executivo ao Legislativo, transferindo o controle do governo do Planalto para o Congresso. Tendo em vista este entendimento, não é, de fato, coincidência que a PEC da Transição tenha dado entrada no mesmo momento em que Lula anunciou a adesão do PT à reeleição de Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara dos Deputados.
A ver, entre outros problemas, como Lula e seu governo vão lidar, depois do apoio a Lira em nome da aprovação da PEC da Transição, por exemplo, com o orçamento secreto. É possível que se esteja à espera da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema, sob relatoria da ministra Rosa Weber, presidente da Corte, mas não há certeza de que essa decisão vai vedar orçamentos secretos ou apenas exigir mais transparência nas emendas parlamentares.
José Roberto Afonso, radicado em Portugal desde 2019, professor da Universidade de Lisboa, aponta outras distorções na busca da liberação de recursos para programas sociais via alteração constitucional. Um deles se localiza na proposta de retirar do teto de gastos por quatro anos os recursos para bancar o novo Bolsa Família. Em entrevistas e artigos recentes, Afonso lembra que a proposta congela o contingente de vulneráveis, potenciais beneficiários do programa, pelo período, quando, na verdade, o número pode aumentar ou diminuir no decorrer desse intervalo de tempo.
Outro ponto interessante de sua argumentação em favor de um crédito extraordinário em lugar de emenda constitucional é a de que o Bolsa Família não era - e não pretende ser em seu retorno - um auxílio emergencial, como o Auxílio Brasil que vai substituir, mas um programa de transferência de renda. Além disso, o Bolsa Família, como diz o nome, apresenta-se como um programa de apoio a famílias, não a pessoas, incluindo condicionalidades, como a frequência escolar e a vacinação em dia dos filhos de beneficiados.
A expectativa é a de que, na negociação da PEC da Transição, não só o valor total liberado do teto de gastos seja reduzido, mas também o período de quatro anos de validade para a exceção dos recursos para o Bolsa Família acabe limitado à metade desse tempo. A própria equipe de transição já sinalizou aceitar essa redução.
Fica, porém, a dúvida sobre o quanto a maior liberdade na gestão dos gastos públicos, liberados do teto de gastos vigente, não seria um desincentivo à necessária reforma das normas de controle fiscais.
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