Agências de publicidade buscam ampliar formatos e modelos de trabalho
Diversas tendências, prometidas há anos por diferentes consultorias, foram aceleradas por causa da pandemia causada pelo coronavírus. Novas tecnologias, home office e equipes (mais) ágeis foram algumas "novidades" que vieram junto com a covid-19.
Muitos anunciantes têm promovido revisões na escolha de parceiros, principalmente em relação à eficiência e diminuição de custos. E entre as agências de publicidade? Novos formatos serão utilizados com mais frequência? A tensão no relacionamento entre antigos parceiros aumentou?
Um estudo, produzido pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), em conjunto com as demais Associações Nacionais de Anunciantes da América Latina, aponta que 81% das empresas acreditam que este é o momento certo para repensar estratégias de marketing. Dos 100 entrevistados neste levantamento, 30 empresas eram do Brasil.
Criatividade e estratégia digital são pilares
Outra pesquisa, produzida pela agência The Heart e pela consultoria Bistrô Estratégia, aponta que 50% dos anunciantes que possuem contratos fixos mensais de trabalho (os "fees") com agências de publicidade pretendem mudar essa relação no período pós-pandemia.
O levantamento ouviu 35 diretores de marketing, de empresas como Pepsico, Unilever, P&G e Alpargatas, entre outras. Para 26% dos entrevistados, agências precisarão entregar "um melhor custo-benefício". 19% dos respondentes afirmaram que escolherão empresas que "estejam preparadas para novos desafios e com maior capacidade de adaptação". Criatividade e estratégia digital foram os pilares mais citados pelos entrevistados.
O modelo de negócios tem mudado também na publicidade
Eduardo Simon, CEO da DPZ&T
Este é um dos motivos pelos quais as agências consideradas "tradicionais" têm ampliado a oferta de novos modos de trabalho aos clientes. O formato antigo, dividido quase sempre em departamentos de Atendimento, Planejamento, Mídia e Criação, tem perdido espaço.
Antes, se as agências eram baseadas em pagamentos mensais, com grandes compras de planos de mídia para as campanhas, este modelo tem se alterado. Ganham espaço, por exemplo, agências com formatos enxutos e ágeis.
Células independentes
A DPZ&T, por exemplo, lançou em maio deste ano a XPresso, uma célula autônoma criada especialmente para atender Nescafé, Starbucks e Dolce Gusto, marcas de café da Nestlé.
"O modelo de negócios tem mudado também na publicidade. Precisamos oferecer soluções mais completas para o cliente. A XPresso é prova disso", declara Eduardo Simon, CEO da DPZ&T —agência que também atende clientes como Natura, McDonald's e Itaú.
"Não dá para ter uma mesma solução para todos os clientes. A ideia, então, é trabalhar com uma equipe desenhada para isso. Pensando junto, ganhamos e agilidade e não discutimos apenas propaganda: falamos também de preço, produto e embalagem", afirma o executivo. A XPresso, hoje, trabalha com cerca de 20 profissionais dedicados ao cliente.
Modelo cresce, mas não é novidade
Agências com times específicos para determinados clientes não são novidade no mercado. A General Motors atua assim em sua comunicação global. Em 2012, o McCann Worldgroup criou uma divisão especial, chamada Commonwealth//McCann para atender a montadora. No Brasil, a Commonwealth//McCann é uma área da WMcCann, com uma equipe de quase 50 profissionais.
A Casas Bahia, por exemplo, possui uma unidade exclusiva para publicidade. Desde 1999, a agência Y&R tem um escritório dedicado à empresa, localizado em São Caetano do Sul, responsável por toda a comunicação do varejista —e que faz, também, toda a comunicação do Ponto Frio. Hoje, o time é formado por 60 pessoas.
VTeam, LAB e Draftline são outros exemplos
Nas últimas semanas, duas movimentações de outros anunciantes também chamaram atenção. Depois de uma concorrência, a Visa anunciou que sua conta publicitária será atendida pela VTeam, uma "joint venture" formada pelas agências Fbiz e Y&R.
A Leo Burnett, por sua vez, criou o L.A.B. Diageo, em parceria com a agência Arc, para atender 3 marcas (Tanqueray, Gordon´s e Baileys) da Diageo.
O Publicis Groupe montou, em maio, a "platformGSK", que atende a conta de cuidados pessoais da GSK. A estrutura é semelhante às que existem em outros países mercados, como o europeu e o norte-americano.
A Ambev tem outro modelo: um "estúdio de conteúdo" próprio, formado em julho de 2018. Chamado de "Draftline", possui um time de profissionais formado por 3 agências diferentes: Mutato, Soko e Sapient AG2.
De unidades exclusivas a agências internas
Muitas empresas, entretanto, têm montado suas equipes próprias. A Hypera Pharma (ex-Hypermarcas), 2º maior anunciante do Brasil, trabalha assim. A empresa, dona de 50 marcas de produtos farmacêuticos e de beleza como Benegrip, Doril, Engov e Gelol, possui uma agência interna —em um tipo de operação conhecida como 'in house'.
Este formato tem crescido. Uma das empresas que faz a gestão deste modelo é a britânica Oliver, que possui 40 operações espalhadas pelo mundo e chegou ao Brasil em 2017.
Os anunciantes querem estar junto no cockpit, mais próximo do dia a dia
Raffael Mastrocolla, da Oliver
Especializada em montar agências dentro de clientes, a Oliver é formada por uma equipe de gestão, apoiada em processos de tecnologia, com ferramentas proprietárias. A ideia, neste caso, é construir equipes personalizadas para a necessidade do anunciante.
"No lugar dos clientes se adaptarem para um modelo, criamos uma agência que é adaptável, com diferentes escopos, como análise de dados, tecnologia, e-commerce, mídia ou criatividade, por exemplo", declara Raffael Mastrocolla, CEO da Oliver na América Latina.
No Brasil, a Oliver atua para clientes como Unilever, Microsoft, Itaú, Danone, Bayer e Amil, entre outros. Segundo Mastrocolla, a empresa possui cerca de 450 pessoas plugadas na empresa.
"Empresas têm cada vez mais vontade (e necessidade) do controle da dinâmica da comunicação. Os clientes querem estar junto no cockpit, mais próximo do dia a dia, e olhando sempre para a eficiência em custos e negócios. Não existe certo ou errado: existem, sim, necessidades distintas", diz Raffael.
Agência oferece gôndola de serviços
Pensando exatamente nessa busca por eficiência, a agência Santa Clara foi uma que mudou seu formato de trabalho há alguns anos. Fundada em 2006, a empresa alterou seu modelo em 2018 —quando passou a operar como uma "consultora de comunicação".
"O mercado é vulnerável aos intangíveis. Percebemos que grandes clientes estavam demandando a compra de pequenas parcelas da agência. Começamos a pegar metodologias internas e transformar os processos de trabalho em diferentes produtos para resolver problemas pontuais dos anunciantes", declara Ulisses Zamboni, sócio e presidente da agência.
Hoje, a Santa Clara atua com ofertas em 16 "produtos" diferentes, organizados como se fossem uma prateleira de serviços. "As áreas de Compras de grandes empresas já têm questionado a razão de se ter um pagamento mensal fixo às agências. Se o cliente quiser pagar um fee, tudo bem. Mesmo assim, vamos ver as demandas do ano, dividi-las em produtos e oferecer este serviço", explica Ulisses.
Criatividade fincada no Brasil
A agência AKQA, destaque brasileiro no Festival de Publicidade de Cannes em 2019, tem um formato totalmente diferente. Fundada em São Paulo há cinco anos, a filial nacional da agência britânica possui um modelo enxuto, que possibilita entregas mais ágeis e que se adapta melhor às mudanças de cada projeto.
Clientes têm vontade de fazer projetos com agências diferentes, com novos olhares
Renato Zandoná, da AKQA SP
Com cerca de 50 profissionais e clientes como Google, Netflix e Nike, ela não possui um departamento de compra de espaços publicitários, por exemplo. Os mais de 30 escritórios da rede espalhados pelo mundo possuem diferentes especialidades. No Brasil fica o hub 'criativo', que se acopla a outras necessidades, conforme o cliente.
"A gente nasceu para ser hub criativo dentro de uma rede maior. É como se tivéssemos uma sala em cada país. Ajuda muito a termos uma visão global. Podemos pedir a viabilidade de um aplicativo para o escritório de Londres ou trabalhar com um estrategista em Berlim", afirma Renato Zandoná, diretor executivo de criação da AKQA SP.
"Isso também abre portas para o time trabalhar com projetos que nunca trabalhariam, com pessoas que nunca conheceriam. Dá uma visão de mundo diferenciada, fora da bolha. Os clientes têm vontade de fazer projetos com agências diferentes, novos olhares e entregas diferentes. A ideia ainda é o herói de tudo", diz Zandoná.
Plataforma conecta empresas a profissionais
A Boutique-Pool (BPool) é outra empresa com foco em "conectar diferentes especialidades". Criada há pouco mais de um ano, ela liga clientes a parceiros de comunicação, de uma maneira mais simples e rápida, como se fosse uma plataforma de freelancers "avalizados".
Pandemia derrubou algumas barreiras, como os preconceitos geográficos
Daniel Prianti, da BPool
"As plataformas de freelancers passam por problemas na curadoria e na precificação. Grandes empresas também não conseguiam se adequar a tais ferramentas por regras de compliance. Por isso, criamos a BPool, que organiza e fomenta o sistema. A ideia é melhorar o sistema para todo mundo", declara Daniel Prianti, sócio da operação.
Atualmente, a BPool possui mais de 100 parceiros entre estúdios, butiques e hubs de publicitários. Segundo o executivo, mais de 300 estão na fila para fazer parte da plataforma.
"A fragmentação do mercado já está acontecendo. Vemos mais profissionais qualificados em estruturas pequenas. A pandemia derrubou algumas barreiras, como os preconceitos geográficos", diz Prianti. Multinacionais como Ambev, Unilever, Kimberly-Clark e Nestlé são alguns dos clientes que já usam o serviço.
"Acreditamos que é um formato importante para fomentar o ecossistema, uma nova opção para a indústria. É também uma saída para quem está à disposição do mercado", diz Beto Sirotsky, também sócio da BPool.
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