Como o Magazine Luiza conseguiu passar o valor do Bradesco na Bolsa?
A doutora em psicologia Betânia Tanure de Barros, membro independente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, ficou surpresa no início deste mês, quando soube que o Magazine Luiza havia se tornado a 6ª empresa mais valiosa da Bolsa de Valores brasileira, ultrapassando o Bradesco.
O Magalu atingiu R$ 178,4 bilhões em valor de mercado em 5 de novembro, enquanto o Bradesco marcava R$ 177,3 bilhões. Em casa, a especialista em cultura organizacional comentou o fato com o filho caçula, de 21 anos. "Não sei por que você se surpreende, mãe", respondeu o jovem. "O Bradesco é uma empresa velha, o Magazine, não".
Empresas são quase contemporâneas
Na verdade, as duas empresas são praticamente contemporâneas. O Bradesco foi fundado em 1943, em Marília (SP), e o Magazine Luiza em 1957, em Franca (SP). Mas a percepção de que o Magalu é um negócio muito mais novo, ágil e digitalizado que um banco tradicional diz muito sobre a estratégia que levou a companhia a destaque da Bolsa.
Numa comparação com gigantes do varejo global, seu modelo fica cada vez mais distante do adotado pelo velho Walmart (nascido nos anos 60) e bem mais próximo ao das corporações Amazon e Alibaba, que estrearam nos anos 90.
Além de uma loja tradicional
O Magalu deixou de ser uma varejista tradicional para se tornar um ecossistema digital do varejo brasileiro.
Marcelo Silva, vice-presidente do conselho do Magazine Luiza.
Foi Silva quem fez a transição de poder entre os Trajano: ele comandou a varejista depois da gestão de Luiza Helena, sobrinha da fundadora, e antes do atual principal executivo, Fred Trajano, filho de Luiza.
Para entender do que se trata este "ecossistema", basta dar uma olhada na evolução das aquisições do Magalu ao longo do tempo. Nos últimos dez anos, foram 15 aquisições —destas, apenas duas (Baú da Felicidade e Armazém Paraíba) envolveram lojas físicas.
Trata-se de uma realidade completamente diferente da observada nos 30 anos anteriores, quando expansão significava mais pontos de venda, em diferentes lugares do país.
Vendendo comida e livro usado
As aquisições dos últimos dez anos envolveram varejistas de peso do mundo online —como a Netshoes, de artigos esportivos, e a Época Cosméticos.
O avanço no comércio eletrônico passou a ser cada vez mais diversificado, englobando desde delivery de comida (AiQFome) até sebo e livraria (Estante Virtual), com espaço para mídia especializada em tecnologia (CanalTech).
Mas o conceito de "ecossistema digital do varejo" não se resume ao controle de diferentes operações de e-commerce: envolve toda uma estrutura para que outros varejistas (de menor porte, claro) possam ter 100% das suas necessidades atendidas dentro do marketplace do Magalu. Marketplace é uma área no site para venda de produtos de comerciantes menores.
Esse objetivo norteou a maior parte das aquisições recentes, em especial de startups: IntegraCommerce (ferramenta que integra todos os marketplaces do mercado a uma loja virtual); ComSchool (cursos de marketing digital e redes sociais); Hubsales (gestão de cadastros, pedidos e marketing online), GFL e SincLog (controle de operações logísticas), Stoq (desenvolvedora de sistemas digitais de pagamento para pequenos e médios comerciantes) e InLoco (venda de publicidade digital).
Credibilidade estava baixa
Pouco depois de o Fred assumir, o Magalu estava muito desacreditado pelo mercado. A ação estava em um valor muito baixo e, já que ninguém acreditava na companhia, eles podiam ousar, ser ambiciosos e agressivos na agenda de transformação.
Alberto Serrentino, consultor em varejo e sócio da Varese Retail
A ação da varejista (MGLU3), que chegou a bater R$ 6,02 em 10 de novembro de 2017, foi negociada em 13 de outubro do mês passado, em R$ 102,09, às vésperas do desdobramento de ações. Pouco mais de um mês depois da operação, o papel estava cotado em R$ 23,70, na terça-feira (24/11).
Se fosse uma empresa com visão financeira de curto prazo, teriam fechado o capital e comprado as ações, para capturar valor, disse Serrentino.
Não foi isso que eles fizeram. Eles se comprometeram a gerar valor para quem acreditou na companhia, criando uma visão de longo prazo importantíssima para a empresa chegar a este momento.
Alberto Serrentino
Concorrentes tiveram dificuldades
Alguns fatores externos ajudaram nos últimos dez anos, no tocante aos dois maiores concorrentes do Magalu: em meio a sucessivas crises financeiras, a Máquina de Vendas (Ricardo Eletro) enfrentou uma série de fragilidades estruturais (entrou em recuperação judicial neste ano), enquanto a Via Varejo (Casas Bahia, Ponto Frio) passou por uma transição de comando.
Isso ajudou o Magazine Luiza a ganhar muito market share. Eles começaram a avançar na plataforma digital, criaram o marketplace, diversificaram os negócios, adotaram uma agenda de aquisições cirúrgicas e estratégicas, além de usarem modelos de colaboração.
Alberto Serrentino
Conceito antigo de competição não ajuda
Fred Trajano costuma dizer, inclusive, que as parcerias são a essência do modelo de ecossistema. "Se começar com cabeça antiga de competição, não falo com mais ninguém. É preciso ter a cabeça mais aberta, eu acredito na coopetição [trocadilho com 'cooperação' e 'competição']", disse o empresário, durante o seminário digital "China Pós-Covid-19: o papel da inovação e ecossistemas", promovido pela Varese Retail em agosto.
Trajano fez alusão à união de forças entre varejistas para atingir em conjunto o consumidor, cada um com a sua especialidade. Foi assim que teve início um teste no ano passado, de vendas de celulares e produtos eletrônicos do Magazine em algumas lojas do Carrefour. Não vingou.
Vendendo dentro das Lojas Marisa
"Foi algo que não agregou valor para nenhum dos dois lados", disse Silva. Algo diferente do que ocorre agora com a Marisa, varejista de vestuário. "Estamos com cerca de 200 quiosques dentro da Marisa, funcionando muito bem", afirmou o presidente do conselho do Magalu.
Silva, que também é presidente o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), reforça que o ano "foi muito duro". "Fechamos todas as lojas por um longo período, fomos rigorosos em seguir todos os protocolos de segurança, e atravessamos a quarentena sem demissões", declarou. "Mas, ainda assim, conseguimos entregar um resultado surpreendente no terceiro trimestre", afirmou.
Resultados positivos
Entre julho e setembro, o Magazine registrou lucro de R$ 206 milhões, recuo de 12,4% na comparação com o mesmo período de 2019. No critério ajustado (desconsiderando despesas e receitas não recorrentes), a empresa ganhou R$ 216 milhões, alta de 69,6%.
As vendas totais cresceram 81,2% na comparação anual, para R$ 12,3 bilhões. No e-commerce, as vendas saltaram 148,5%, e os canais online passaram a responder por dois terços das vendas da varejista.
Preocupação social
A empresa também tem posicionamento sobre questões sociais. Recentemente, houve uma polêmica por causa de uma seleção de trainees voltada apenas para negros. A empresa foi criticada por alguns setores em redes sociais, mas manteve a decisão.
Aplicativo ajudou nas vendas
Na avaliação dos analistas Luiz Guanais e Gabriel Savi, do banco BTG Pactual, a "entrega de um crescimento impressionante de comércio eletrônico" por parte de Magalu pode ser explicado pelas vendas mais fortes por meio de plataformas móveis, com o aplicativo da rede alcançando 30 milhões de usuários ativos.
Um dos diferenciais da companhia no período foi o incremento da operação logística, que permitiu ao serviço de entregas em 24 horas superar 40% do total de vendas. Isso graças ao uso de mais da metade das 1,200 lojas como pontos de distribuição, dizem os especialistas.
No terceiro trimestre, o crescimento do comércio eletrônico permaneceu maior por mais tempo do que o esperado, dizem os analistas Richard Cathcart, João Andrade e Victor Gaspar, do Bradesco.
"As lojas se recuperaram muito mais rapidamente do que havíamos previsto, e acreditamos que as fortes tendências devem continuar na alta temporada no quarto trimestre de 2020", afirmam.
Valor de mercado cresceu 700 vezes
Para chegar ao posto de única varejista entre as "blue chips" (ações mais valorizadas da B3), a empresa deu um salto de nada menos que 700 vezes o seu valor de mercado nos últimos cinco anos.
"Foi um trabalho árduo que exigiu foco e consistência", afirmou Marcelo Silva. "Ninguém consegue isso do dia para a noite", disse.
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