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Fosso salarial entre homem branco e mulher preta cai só R$ 40,83 em 5 anos

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Ricardo Marchesan*

Do UOL, em São Paulo

02/12/2020 04h00

Uma mulher preta no Brasil ganhou, em média, um salário R$ 1.658,04 menor do que um homem branco em 2019, segundo os dados mais recentes da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) do Ministério da Economia. Os dados da Rais são do ano passado, mas foram divulgados em outubro deste ano.

A média do salário de um homem branco em 2019 foi de R$ 3.567, enquanto uma mulher preta ganhou R$ 1.909. A distância salarial entre esses dois grupos, que estão em pontos opostos da pirâmide social, é histórica e o abismo que separa seus salários tem diminuído nos últimos anos —mas muito lentamente.

Em 2015, essa disparidade era de R$ 1.698,87. Ou seja, caiu apenas R$ 40,83 ao longo de cinco anos. Nesse ritmo, levaria mais de 200 anos para homens brancos e mulheres pretas terem a mesma média salarial.

Desigualdade histórica

Para a economista Gabriela Chaves, pesquisadora do Nepafro (Núcleo de Estudos Afro-americanos) e colunista do UOL, a questão da diferença salarial entre mulheres pretas e homens brancos ainda é pouco tratada.

A gente está falando de uma questão histórica no Brasil, e não há muitas medidas [sendo tomadas] para mitigar. Apesar de, na teoria, as organizações falarem de diversidade, pouco se tem falado sobre a questão da discrepância salarial
Gabriela Chaves, economista

Mário Rogério Silva, sociólogo do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), diz que os dados da Rais mostram essa dificuldade para superar uma desigualdade que persiste mesmo com o passar dos anos.

"Se você olhar para trás, são décadas de desigualdades, que vão se replicando, vão se ampliando, e a gente não consegue de forma alguma superar", afirma.

Negras são maioria em profissões menos valorizadas

De acordo com Mário Rogério Silva, muito dessa diferença salarial está ligado aos tipos de profissão ocupados por mulheres negras, segundo dados da Rais.No setor de telemarketing, por exemplo, onde 85,7% dos profissionais recebem até dois salários mínimos, 42,2% do total de trabalhadores são mulheres negras.

Como comparação, na área de bancos, onde 0,6% dos trabalhadores recebem até dois salários mínimos, a participação de mulheres negras é de 11,1%.

O sociólogo diz que há uma grande dificuldade de inserção das negras no mercado por causa da dinâmica de contratação das empresas.

A gente de alguma forma precisa acelerar esse processo de ações afirmativas. As empresas precisam adotar imediatamente ações que possam acelerar o processo de inserção e ascensão de [mulheres negras]. É o único jeito, não adianta ficar esperando
Mário Rogério Silva, sociólogo

Esses dados sobre participação no mercado de trabalho se referem a mulheres negras, e não só pretas. Segundo a nomenclatura usada oficialmente, pretos e pardos compõem a população negra. Considerando o salário das mulheres negras, o fosso salarial caiu apenas R$ 39,05 nesses cinco anos.

Política de contratações explica desigualdade

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social (Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas), afirma que economistas e acadêmicos usualmente citam diferenças no nível educacional entre a população negra e branca para explicar a grande desigualdade salarial.

Porém, segundo ele, isso explica apenas uma parte pequena da lacuna nos rendimentos.

Neri diz que os estudos mais recentes apontam que a cultura de contratação do mercado é um fator muito mais impactante na diferença salarial.

Ou seja, há companhias que valorizam e adotam práticas de contratação que priorizam a diversidade, enquanto outras, não. É o que ele chama de efeito firma.

"Se você comparar pessoas iguais, nascidas na mesma geração, da mesma ocupação, mesmo setor, há vários efeitos que você pode levar em conta. O que explica mais os diferenciais de salário, mais do que a educação, é a empresa", afirma.

Existem empresas onde há uma cultura de trabalhos iguais, salários iguais, e outras que não têm
Marcelo Neri, economista

Mesmo cargo, salário menor

Gabriela Chaves afirma que a falta de transparência dos salários e critérios empregados para determiná-los facilita a discriminação racial, permitindo que mulheres negras muitas vezes recebam menos do que pessoas na mesma empresa e nível profissional.

Ela conta que viveu isso em 2017, quando descobriu que recebia menos do que todos os colegas no mesmo cargo na empresa em que trabalhava.

A empresa não tomou posição nenhuma. Eu perguntei para eles qual era o critério para ganhar menos que outras pessoas no mesmo cargo que eu, e a resposta que eu tive foi que não havia critério
Gabriela Chaves, economista

Ela diz que o combate a esse tipo de discriminação é dificultado pela legislação trabalhista atual, já que é responsabilidade do trabalhador reunir provas —o que costuma não ser simples.

Gabriela afirma que, além de mudanças nas leis, são necessários mecanismos de regulação do mercado, por exemplo por meio da Bolsa de Valores, algo que a ONG Educafro também defende.

"Acho importante que isso aconteça no âmbito das leis, mas também no âmbito da regulação do mercado, ou seja, a Bolsa, como reguladora, deve exigir regras de combate à discriminação salarial por raça e gênero para as empresas participantes", diz a economista.

*Colaborou Helton Simões Gomes