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Entidade quer ir ao STF para Bolsa cobrar diversidade em grandes empresas

João José Oliveira

do UOL, em São Paulo

24/10/2020 04h00

Qual o problema com a Bolsa e os negros? Uma entidade do movimento negro ameaça recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para obrigar a Bolsa de Valores a estimular a inclusão racial e de gênero nas principais empresas do Brasil. As empresas com ações na Bolsa têm de cumprir uma série de regras. A Educafro quer que a questão da inclusão seja considerada também. A entidade entende que a Bolsa não dialoga e vê racismo estrutural no mercado.

O que a Bolsa diz? A Bolsa afirma que está aberta às sugestões e pensa em adotar medidas, como a criação de um novo índice de negociação para empresas que praticam políticas de inclusão racial.

O que é a Educafro? É uma organização que trabalha pela diversidade e inclusão.

Por que ir ao STF? A Educafro apresentou as propostas à B3 (Bolsa) em setembro e diz que não teve resposta. .

A gente começou a luta pela inclusão há 20 anos. Mas desde então, percebemos que pouca coisa andou. Se formos pressionar empresa por empresa, vai continuar demorando. Então precisamos de um meio que acelere esse processo. E a Bolsa tem essa obrigação.
Frei David Santos, diretor executivo da Educafro

O que a Bolsa pode fazer? É na B3 que mais de 350 empresas negociam suas ações. Elas precisam seguir várias regras estabelecidas pela Bolsa para terem ações negociadas. Por isso, acredita a Educafro, se a B3 passar a exigir políticas de inclusão, a redução da desigualdade será acelerada.

Exclusão é uma doença que está impregnada na estrutura das empresas. Ou decidem enfrentar isso com nosso auxílio, ou terão que fazer por meio do STF.
Frei David Santos, Educafro

Por que a Bolsa desrespeita a Constituição, segundo a Educafro? A Bolsa é parte do sistema financeiro, e o artigo 192 da Constituição diz que é obrigação do sistema financeiro promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade.

A Bolsa também teria a obrigação de agir, segundo a Educafro, porque o artigo 18 da Lei 6.385/76, sobre o mercado de valores mobiliários, diz que as Bolsas são órgãos auxiliares da CVM para fiscalizar empresas e operações de mercado.

Nosso objetivo no STF é mostrar que a Bolsa tem obrigação de seguir o artigo 192 da Constituição e isso inclui criar mecanismos que promovam a igualdade racial.
Frei David Santos, Educafro

O que o movimento negro quer da Bolsa?

Veja as propostas apresentadas pela Educafro para a Bolsa.

  1. Criar grupo de trabalho sobre igualdade racial e de gênero
  2. Mudar regulamentos de governança corporativa para incluir inclusão racial e de gênero
  3. Criar Índice de Equidade Racial e de Gênero, que dê visibilidade às empresas com maior comprometimento com os temas
  4. Inserção de perguntas relacionadas a inclusão racial para empresas que queiram fazer parte do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) que já existe.
  5. Ampliar o acesso à educação sobre mercado financeiro.

Qual o compromisso histórico da Bolsa com o movimento negro? A B3 nasceu em 1890, dois anos após a abolição da escravatura. A Educafro sustenta que a Bolsa foi criada para apoiar bancos e companhias com negociação de títulos da época. E que desde o início das atividades ignora os efeitos da escravidão.

Mesmo com todos as leis brasileiras, tratados internacionais, pesquisas, assassinatos como de George Floyd Miguel, a B3 há 130 anos criou um mundo à parte, no qual segue fiel ao seu propósito de concentrar a renda e manter as desigualdades raciais do Brasil. É urgente atualizar os regramentos de governança corporativa e construir junto à sociedade civil organizada caminhos efetivos de combate ao racismo institucional nas empresas e a promoção da equidade racial no mercado de trabalho
Trecho de documento da Educafro

Quais medidas concretas a Bolsa diz que adotará? O ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) vai dar maior peso ao tema inclusão racial em 2021.

Vai incluir mais perguntas sobre diversidade racial nos questionários que as empresas respondem para entrar no índice de sustentabilidade.

Também avalia a criação de um índice específico para empresas com políticas de igualdade.

O índice de equidade racial é uma possibilidade. Estamos estudando o mercado. Além de ser um indicador de mercado, o índice tem o papel de ser um indutor.
Gleice Donini, superintendente de sustentabilidade da B3

Reconhecemos nosso papel, juntamente com os reguladores dos diferentes mercados em que atuamos e demais atores do setor, de trabalho contínuo e permanente para fomentar as melhores práticas ambientais, sociais e de governança.
Trecho de carta enviada pela Bolsa à Educafro na quarta-feira (21)

Por que o movimento negro quer novo índice? Na Bolsa, os índices servem de referência para os investidores. Alguns índices reúnem empresas com determinadas práticas (como preocupação ambiental). As empresas precisam provar que seguem essas políticas sustentáveis. As companhias que estão nesses índices conseguem atrair a atenção e o capital de investidores interessados no tema.

Para a Educafro, se a Bolsa criar um índice para empresas com inclusão e diversidade, o investidor preocupado com esse tema saberá quais ações merecem seu dinheiro.

A Bolsa já faz algo pela diversidade? A B3, além de ser um balcão de negócios, é uma empresa também. Como companhia, diz que faz diversas ações de diversidade, como parcerias com Empodera, RDPN (Rede de Profissionais Negros), FBN (Financial Black Network) e Diáspora Black, para vagas de emprego e formação de lideranças entre os negros.

Outras ações realizadas, segundo a B3:

- Aumento da representatividade de jovens negros em estágio (de 8% para 25% desde 2019)

- Ampliação em 15% da candidatura de jovens negros para estágio de 2019 para 2020

- Dobrou o orçamento de diversidade neste ano (não revela valores)

O que diz a entidade reguladora do mercado? A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regula as atividades da Bolsa. Ela diz que a inclusão é importante, mas que não tem competência sobre o tema.

O Código Brasileiro de Governança Corporativa (CBGC) considera uma boa prática de governança corporativa que as companhias abertas tenham seus órgãos de administração e posições gerenciais compostos com diversidade de conhecimentos, experiências, comportamentos, aspectos culturais, faixa etária, e gênero, ou seja, pessoas com competências complementares e habilitadas para enfrentar os desafios da companhia. A CVM não tem competência para determinar que companhias sigam determinadas políticas ambientais e sociais, cabendo à administração de cada entidade regulada pela autarquia adotar as opções que entender adequadas, dentro do leque de alternativas disponíveis.
Nota da CVM

O que dizem as empresas sobre inclusão?

A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), que representa as maiores empresas brasileiras de capital aberto, diz que a adoção de políticas que ajudem a promover igualdade racial e de gênero dentro das empresas é "um tema de grande e evidente relevância", mas diz que não pode impor.

Temos um universo bastante diversificado de associadas, que engloba setores como os de construção, energia, bancário e de máquinas, entre outros. Trata-se de uma questão essencialmente individualizada: cada companhia adota práticas, mais ou menos amplas, de acordo, muitas vezes, com a própria natureza da sua atividade. Não há, por ora, como a entidade sugerir, e muito menos impor, de forma generalizada, qualquer tipo de orientação nesse sentido.
Eduardo Lucano, presidente da Abrasca

Pesquisa para saber participação de negros na liderança

Pedro Melo, diretor geral do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), diz que o instituto fará em 2021 uma pesquisa para saber a participação dos negros em cagos de liderança das empresas. "A partir da pesquisa poderemos agir de forma mais efetiva", diz Melo

Há um tempo para incrementar as posições para cada diversidade. Veja o caso das mulheres. A participação delas nas posições e liderança das companhias está crescendo, mas não na velocidade que a gente gostaria.
Pedro Melo, diretor-geral do IBGC

Os dados serão considerados na revisão do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa. Na atual edição do documento, a palavra diversidade aparece apenas cinco vezes ao longo de 104 páginas.