Bolsonaro cortou 3 vezes imposto de games, e setor quer mais; precisa?
No começo de agosto, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decretou a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) cobrado sobre consoles, acessórios e máquinas de jogos de vídeo. A diminuição foi a terceira feita para beneficiar o setor de games em seu governo.
Segundo o Executivo, o objetivo é "incentivar o desenvolvimento de jogos eletrônicos no país - o ramo do setor de entretenimento que mais cresce no mundo". Mas o Ministério da Economia não apresenta razões técnicas que justifiquem a redução. Economistas questionam os benefícios à sociedade e os motivos da escolha do setor de games: por que o governo não incentiva outras áreas, que empregam mais pessoas ou produzem itens de primeira necessidade?
O setor de games, por outro lado, considera a medida positiva, mas insuficiente. O argumento é de que o efeito da redução de imposto no preço final ao consumidor é pequeno, já que muitos componentes são comercializados em dólar (que está alto). Além disso, o setor defende que o incentivo seja mais amplo, destinado também a desenvolvedores de jogos.
Quanto o governo deixará de receber
Desde o início de seu mandato, Bolsonaro editou um decreto por ano diminuindo o IPI para games. Segundo as estimativas divulgadas pelo próprio governo no anúncio das medidas, as três reduções farão com que a União deixe de ganhar R$ 142,84 milhões só em 2021.
Governos anteriores buscaram outras formas de incentivar o setor, como a abertura de editais da Ancine (Agência Nacional do Cinema), que incluíam o desenvolvimento de games, mas sem reduzir impostos.
O UOL entrou em contato com o Ministério da Economia, perguntando qual é a justificativa técnica do governo para a redução do IPI ao setor de games. A reportagem questionou, por exemplo, por que o setor foi escolhido para ser beneficiado pela redução de imposto, e quais vantagens essa renúncia trará para a sociedade. O órgão respondeu que não iria comentar.
Quem se beneficia com a medida?
Rodrigo Terra, presidente da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais), afirma que as reduções beneficiam as empresas que fabricam consoles e acessórios, como a Sony (do PlayStation) e a Microsoft (do Xbox). O objetivo seria diminuir o valor dos equipamentos para o consumidor final, mas o efeito não é direto: as fabricantes podem, ou não, repassar o desconto no imposto para o produto final.
No caso do PlayStation 5, por exemplo, o preço da versão padrão caiu de R$ 4.699 para R$ 4.399,90 por causa do imposto menor - uma redução de 6,4%. A Sony não produz consoles e acessórios no Brasil.
O preço do Xbox Series X teve queda semelhante, de R$ 250 (foi de R$ 4.599 para R$ 4.349, redução de 5,4%). O UOL perguntou à Microsoft quais produtos da área de games a empresa produz no Brasil, e quantos trabalhadores estão envolvidos. A empresa respondeu que as informações são internas e não podem ser divulgadas.
O imposto influencia [no preço], mas a alta do dólar acaba fazendo com que a redução para o consumidor seja muito periférica. (...) No Brasil, a variação do preço nos itens de videogame é muito baixa. As pessoas compram mesmo caro.
Rodrigo Terra
Vale a pena?
Lorreine Messias, pesquisadora do Núcleo de Tributação do Insper, diz que, ao conceder redução em impostos, o governo precisa levar em conta os benefícios que a medida trará para a sociedade. "Se esses benefícios superarem o custo, vale a pena a intervenção", afirma.
Segundo ela, a questão é que, para o setor de games, não parece haver benefícios que justifiquem que o governo abra mão dessas receitas.
Um dos argumentos que vêm sendo utilizados para justificar a desoneração é o tamanho e o crescimento do setor. No início do ano, um estudo feito pela bandeira de cartões Visa, por exemplo, apontou que as transações financeiras em plataformas e consoles de jogos tiveram impulso com a pandemia, registrando crescimento de 140% em 2020 na comparação com 2019.
Para Messias, porém, esse tipo de dado não deveria ser considerado decisivo na formulação de políticas públicas. A pesquisadora afirma que a medida parece ser muito mais política do que técnica.
A simples geração de receita ou faturamento não diz nada sobre um setor. Além disso, a receita do setor de games é muito pequena perto de outros segmentos. Na decisão de política pública, outros aspectos têm que ser levados em conta, como capacidade de gerar postos de trabalho e vantagens competitivas.
Lorreine Messias
João Olenike, presidente-executivo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), afirma que a diminuição de impostos "sempre é bem-vinda", mas que o ideal seria que o governo diminuísse a tributação de produtos considerados essenciais, principalmente para as famílias de baixa renda.
Para a economia, seria melhor que o país tivesse mais credibilidade e segurança jurídica, atraindo investimentos e fazendo o dólar cair. Aí sim teríamos uma diminuição efetiva dos preços, e não só de videogames.
João Olenike
Associação defende ação "mais agressiva"
Rodrigo Terra, da Abragames, diz que é preciso colocar o estímulo à inovação, à tecnologia e à cultura na balança.
Os jogos fazem parte de um movimento de inovação. Um país não sobrevive só fazendo investimentos de primeira necessidade.
Rodrigo Terra
Mesmo assim, ele não considera que as medidas do governo até aqui tenham sido suficientes. A crítica é de que as reduções no imposto não beneficiam os desenvolvedores, já que, em geral, eles usam equipamentos diferentes do que os comprados pelos gamers comuns.
A estimativa da Abragames é de que existam 400 estúdios de desenvolvimento de jogos no Brasil, de pequenos a grandes. Segundo dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério da Economia), os dois setores de desenvolvedores (desenvolvimento e licenciamento de programas) criaram 2.620 vagas de emprego com carteira assinada em maio de 2021. No mesmo mês, o país todo abriu mais de 280 mil vagas de trabalho.
Censo realizado pelo governo federal sobre o setor de games, publicado em 2018, apontou que a maior parte das desenvolvedoras se concentrava nas regiões Sul e Sudeste, principalmente em São Paulo.
No final das contas, para os desenvolvedores, também interessa que o console custe metade ou um terço do que custa hoje. Mas, para isso, a ação precisa ser mais drástica: precisaria zerar todas as alíquotas. O interessante da medida é que abre possibilidade de diálogo para que os equipamentos da indústria de jogos cheguem a um preço competitivo, e mais estúdios possam produzir.
Rodrigo Terra
Pela última decisão do governo, a alíquota do IPI para consoles e máquinas de jogos de vídeo caiu de 30% para 20%; para partes e acessórios de consoles e das máquinas de jogos de vídeo em que as imagens são reproduzidas em uma tela, o imposto foi de 22% para 12%; e para jogos de vídeo com tela incorporada e suas partes a alíquota, que era de 6%, foi zerada.
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