Times de futebol querem virar empresa S.A., mas pagando pouco imposto
Está nas mãos do Congresso decidir como será o modelo de negócio dos times brasileiros de futebol. Se derrubarem vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), os parlamentares abrem caminho para que os clubes virem Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), com imposto baixo, menor do que o cobrado de algumas microempresas. Caso contrário, a grande maioria dos clubes continuará (pelo menos no papel) como associação sem fins lucrativos, que paga menos imposto ainda.
A lei já foi aprovada na Câmara e no Senado, mas Bolsonaro vetou diversos pontos —dentre eles o regime tributário especial para as SAFs. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que, sem essa vantagem, poucos times terão interesse em virar empresa.
O texto original do Congresso é considerado um dos melhores caminhos para a salvação de clubes endividados. Ele amplia as formas de captar investimentos e de organizar o pagamento de credores, sem cobrar impostos tão altos como o de uma sociedade anônima comum (S.A.).
Defensores do projeto afirmam que ele moderniza a gestão dos clubes, dá mais transparência sobre os negócios e ainda aumenta a arrecadação com impostos.
O governo alega que perderá arrecadação, mas não explica por quê.
Como funcionam os clubes hoje
A maioria dos times brasileiros existe como associação desportiva sem fins lucrativos. Não podem distribuir lucros aos sócios, mas têm vantagens tributárias:
- Não pagam Imposto de Renda, CSLL nem Cofins
- Pagam alíquotas menores de PIS e de contribuição previdenciária (INSS)
Se quiserem, os clubes podem se organizar como empresas, mas precisam pagar impostos como outra atividade qualquer. Em regra, isso significa que 34% dos lucros vão para o governo só com IRPJ e CSLL.
Esse é apontado como o principal motivo para a baixa adesão ao modelo de clube-empresa no Brasil. Dos 20 times que disputam a série A do Brasileirão masculino, apenas Cuiabá e Red Bull Bragantino são empresas formalmente.
O que o Congresso aprovou
O texto aprovado no Congresso permite que o clube se transforme em SAF, ou crie uma SAF da qual seja sócio.
A SAF teria um regime tributário especial, que substitui IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e INSS:
- Nos cinco primeiros anos da SAF: paga imposto de 5% sobre a receita bruta, excluída a venda de jogadores
- A partir do sexto ano: paga 4% da receita bruta total, incluindo a venda de atletas
As alíquotas são baixas. Microempresas com receita bruta de até R$ 360 mil por ano pagam entre 4% e 18% no Simples Nacional.
O texto aprovado traz outras medidas que interessam aos clubes:
- Dificulta a penhora ou o bloqueio de receitas do time
- Permite pedir recuperação judicial, falência ou organizar na Justiça uma fila de credores, com prazo de até dez anos para pagá-los
- Libera a emissão de títulos de dívida (debêntures-fut) sem Imposto de Renda sobre os juros para o investidor
- Permite emitir qualquer título regulado pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), inclusive ações na Bolsa
- Autoriza a captação de recursos via Lei de Incentivo ao Esporte
O que Bolsonaro vetou
O presidente Bolsonaro sancionou a lei em 9 de agosto, mas vetou:
- O regime tributário especial do futebol (TEF)
- A isenção de Imposto de Renda para a debênture-fut
- A emissão de qualquer título mobiliário regulado pela CVM
O que muda com a lei em vigor
Com a nova lei, clubes que virarem SAF podem ter sócios empresariais, diferentes dos sócios-torcedores (nome dado às pessoas que pagam uma mensalidade para ter vantagens como ingresso garantido e desconto em produtos do clube).
A lei diz que o clube que deu origem à SAF deverá receber ações "classe A" com direito a veto sobre alterações em símbolos do time (nome, brasão, cores), venda de imóveis, fusão do clube, entre outros.
Depois de regularizar as dívidas, o clube originário pode até se desfazer de todas as ações, o que permitirá que o time tenha um sócio apenas, um dono.
A distribuição de lucros entre os sócios fica a critério de cada SAF, mas há um percentual mínimo que deve ser repassado ao clube originário para quitar dívidas antigas.
Os times também poderão emitir títulos de dívida privada, uma forma de captar investidores que pretendem lucrar por meio da SAF. Com os vetos do presidente Bolsonaro, essa modalidade fica restrita à debênture-fut, sem incentivo fiscal.
Hoje, a emissão de título de dívida não é permitida para associações sem fins lucrativos. O que os clubes fazem para conseguir dinheiro privado é, em regra, vender espaços publicitários (patrocínio na camisa e nome dos estádios, por exemplo).
Eventualmente, clubes criam sociedades de propósito específico, com caráter empresarial, para gerir algum empreendimento —como Corinthians e Athletico Paranaense fizeram para a construção dos seus estádios. A medida é vista como uma solução "à brasileira" para que os clubes consigam financiamentos que não são permitidos para associações desportivas.
Vetos serão derrubados, diz relator
O senador Carlos Portinho (PL-RJ), relator do projeto, diz que os vetos do presidente Bolsonaro serão todos derrubados pelo Congresso.
Sem o regime tributário especial e a isenção para a debênture-fut, ele acredita que poucos clubes terão interesse em sair do modelo de associação sem fins lucrativos, que quase não paga imposto.
O senador diz que é melhor um imposto baixo que será recolhido do que o modelo atual, em que o governo não leva praticamente nada.
Um estudo apresentado por apoiadores do projeto estima que os clubes pagarão 11% a mais de tributos nos cinco primeiros anos de SAF e 24% a mais a partir do sexto ano.
Ele diz também que o projeto não permitirá o perdão nem o refinanciamento de dívidas dos clubes com os cofres públicos, como aconteceu em programas como o Profut.
Segundo o relator, já existe um acordo com o governo para reverter os vetos. Para isso, será necessário o apoio de 257 deputados e 41 senadores (menos votos do que o texto original teve em cada uma das casas).
Os vetos completam 30 dias em 8 de setembro. A partir dessa data, a matéria passa a ser prioridade, trancando a pauta do Congresso.
Governo não explica suposta perda de arrecadação
O UOL pediu ao Ministério da Economia os estudos que indicam que o governo perderia dinheiro se não vetasse certos trechos do projeto. A reportagem também perguntou à Presidência se há um acordo do governo com o Congresso para derrubar os vetos.
O Ministério da Economia não forneceu os documentos e disse que não comentaria o caso. A Presidência não respondeu.
Clube-empresa precisa de gestão profissional, dizem especialistas
Mario Celso Petraglia, presidente do Athletico Paranaense, defende que todos os times deveriam ser obrigados a virar empresa, para evitar que haja uma diferença de tratamento entre os clubes. "Qual é o investidor que virá colocar dinheiro numa atividade quando há concorrentes isentos?", diz.
Na opinião do dirigente, o Brasil está atrasado ao tratar como sem fins lucrativos uma atividade que movimenta muito dinheiro. O formato atual, afirma Petraglia, apenas favorece dirigentes sem responsabilidade com as contas do clube, que se endividam para montar times caros e insustentáveis, e que depois abandonam seus clubes sem sofrer consequências.
"O futebol brasileiro é uma atividade que, como não é tributada, não dá satisfação para ninguém", diz Petraglia.
Segundo um estudo da EY Consultoria publicado em novembro de 2020, 92% dos times que jogam a primeira divisão das cinco maiores ligas mundiais (Alemanha, Espanha, Inglaterra, França e Itália) são empresas. Em três delas, clubes foram obrigados a adotar estrutura empresarial.
Valdir Coscodai, presidente do Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil), afirma que os clubes que quiserem captar investimento por meio de uma SAF precisam profissionalizar a gestão. Mais do que uma questão legal, isso será uma exigência do mercado.
"Não adianta ter bons jogadores. O clube precisará de controle, de governança dos processos e de transparência. A maior parte dos investidores no mercado de capitais não entra em empresas despreparadas", afirma.
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