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Horário de verão deveria voltar já para diminuir risco de apagão no Brasil?

Henrique Santiago

Colaboração para o UOL, em São Paulo

07/09/2021 04h00Atualizada em 17/09/2021 15h08

Diante da crise de energia elétrica e do risco de apagão, as pessoas têm comentado se não valeria a pena voltar a ter horário de verão. Empresários já pediram isso formalmente ao governo.

O horário de verão, que adianta os relógios em uma hora, era adotado anualmente em partes do Brasil com o objetivo de diminuir o consumo de luz. Ele valia para as regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e o Distrito Federal. Mas foi descartado por decreto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em abril de 2019. Será que retomá-lo ajudaria o país? O UOL ouviu especialistas para falarem sobre isso. Leia a seguir.

Fim do horário piorou situação do país?

Ana Carla Petti, co-CEO da MegaWhat, plataforma de relacionamento e inteligência integrada voltada para o mercado de energia, diz que o fim do horário de verão não contribuiu para a piora do cenário energético no país.

"O horário de verão traria uma amenização pequena, porque as reduções não são expressivas, conforme dados do próprio ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico]", afirma.

Quanto o horário de verão economizaria?

A empresa onde ela trabalha fez uma estimativa de cálculo e descobriu que a economia de energia com o adiantamento de uma hora no relógio seria de 0,5%, equivalente a uma redução de 949 mil megawatt-hora (MWh) em quatro meses.

Mesmo não sendo responsável pela crise, o horário de verão pouparia dinheiro. Segundo o estudo, o potencial de economia com a aplicação do horário de verão chegaria a R$ 609 milhões na adoção em 2021 e 2022.

"Economia sempre é bom, né?", diz Ana Carla, que acredita que o horário de verão poderia ser reavaliado pelo governo federal.

Por que o horário deixou de ser adotado?

A extinção do horário foi decidida após o Ministério de Minas e Energia observar que os hábitos de consumo do brasileiro mudaram, em especial com uso de aparelhos de ar-condicionado.

De acordo com nota técnica da pasta, o uso desses equipamentos alterou o horário de demanda da noite para a manhã e a tarde nos meses de verão.

"A adoção do horário de verão 2018/2019 implicou aumento da carga brasileira de energia elétrica da ordem de 0,7%, devido possivelmente a mudanças nos hábitos de uso dos equipamentos pelos consumidores para fazer frente a alterações nas condições de iluminação e de temperatura provocadas por essa política pública", justificou o ministério.

Economia de luz foi caindo ano a ano

O ONS informou que a temporada 2011/2012 trouxe economia estimada em R$ 160 milhões, com redução de 2.555 megawatts de consumo.

Em 2012/2013, a economia chegou a R$ 405 milhões, mas caiu nos anos seguintes até atingir a R$ 159,6 milhões no verão de 2016/2017.

Poderia ajudar junto com outras medidas

O pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV Diogo Lisbona cita estudo do ONS segundo o qual o horário de verão reduz o consumo em 3% nos momentos de pico.

Ou seja, a medida é responsável por trazer ganhos em um período específico do dia, normalmente entre 18h e 21h, faixa de pico no uso de energia.

Para ele, a retomada do horário de verão poderia se somar a outras iniciativas recentes do governo, como o aumento da tarifa de luz e uma campanha de conscientização sobre o nível do problema.

"Como parte do nosso problema atual é atendimento à ponta da demanda, ter horário de verão pode atenuar esse consumo. Seu efeito é pequeno, não vai salvar a crise de forma alguma, mas talvez seja uma medida que, na margem, possa ajudar", acredita Lisbona.

Em agosto deste ano, o Ministério de Minas Energias apontou alta de 6.9% no consumo de eletricidade no acumulado do ano (janeiro a maio). O consumo residencial cresceu 4,9%, o industrial subiu 13,9%, e o comercial, alta de 1,8%.

Em termos de preço, a conta de luz residencial e comercial subiram 9,1% em 2021. A tarifa industrial apresenta alta de 8,6% no acumulado do ano.

Governo demorou para agir, diz especialista

Para o CEO da Trinity Energia, empresa que comercializa energia elétrica, João Sanches, a descontinuação do horário de verão foi um equívoco da atual gestão. Ele também acredita que os ganhos para o setor são pouco significativos, mas têm sua importância.

"Por mais que tenha pouca relevância, havia um histórico, a população estava acostumada. Seus efeitos eram poucos, mas notados. Não vejo motivo para ser retirado."

Ainda de acordo com ele, o reconhecimento do governo de que a crise é grave, bem como o pacote de medidas para frear o avanço, veio com atraso de pelo menos dois meses.

Entretanto, as providências do governo só levam em consideração o período que antecede o início do verão, diz o porta-voz da Trinity.

"O governo espera que tenhamos chuvas significativas a partir de dezembro. O nosso período chuvoso vai de dezembro a março, abril. Nesse momento, se tivermos chuvas significativas, a situação deve se amenizar, mas, se não for com a intensidade necessária para recuperar os reservatórios, a situação irá se agravar de novo", declara.

O que diz o governo

Procurado pelo UOL, o Ministério de Minas e Energia descartou a volta do horário de verão. Em nota, o ministério diz que a medida é pouco efetiva no controle da crise.

"O Ministério de Minas e Energia tem estudado iniciativas que visam ao deslocamento do consumo de energia elétrica dos horários de maior consumo para os de menor, de forma a otimizar o uso dos recursos energéticos disponíveis no Sistema Interligado Nacional", afirma o texto.

"Nesse sentido, a contribuição do horário de verão é limitada, tendo em vista que, nos últimos anos, houve mudanças no hábito de consumo de energia da população, deslocando o maior consumo diário de energia para o período diurno. No momento, não identificamos que a aplicação do horário de verão traga benefícios para redução da demanda", conclui.

A reportagem também questionou as críticas ao fim do modelo e o apelo de simpatizantes do governo, como o empresário Luciano Hang, dono da Havan, pela volta do horário de verão. No entanto, o ministério não respondeu aos questionamentos.