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Mercado prevê inflação menor em 2022, mas ainda será alta e ameaça emprego

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

03/11/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Inflação este ano é a maior no país desde 2016, mas recua em 2022, segundo projeções de mercado
  • Queda no preço da energia e alta dos juros são apostas do mercado para inflação cair ano que vem
  • Mas dólar, gastos do governo, petróleo e juros dos EUA podem manter inflação perto de 9%, dizem economistas

A inflação do Brasil neste ano será a maior desde 2015, mas deve desacelerar para a metade disso em 2022. Essa ainda é a aposta dominante do mercado, segundo estimativas de mais de cem instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Banco Central no Boletim Focus. Mas esse cenário está piorando a cada semana. Já há economista duvidando que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial do governo para a inflação no país, caia no ano que vem.

Quem duvida da queda da inflação em 2022 diz que as causas dos preços elevados neste ano vão continuar atuando ano que vem. Mesmo os economistas que acreditam numa desaceleração da inflação destacam que isso só vai acontecer porque o Banco Central vai apressar o aumento de juros. Isso atrapalha o crescimento da economia e, por consequência, a geração de empregos.

O que diz o Boletim Focus

O Boletim Focus é uma pesquisa que o Banco Central faz com mais de cem instituições financeiras, empresas e consultorias do país. Nessa pesquisa, os especialistas colocam quais projeções eles têm para vários indicadores da economia, como inflação (IPCA), dólar, PIB (Produto Interno Bruto) e taxa básica de juros (Selic).

Todos esses indicadores dependem um do outro. Uma determinada taxa de câmbio, por exemplo, influencia a inflação (IPCA), que por sua vez influencia os juros (Selic), que por sua vez afeta o crescimento da economia geral (PIB).

As estimativas atuais apontam, na mediana - ou seja, um tipo de média que considera a maior parte das estimativas -, os seguintes dados para o último dia deste ano e de 2022.

  • Dólar: R$ 5,45 em 2021 e R$ 5,45 em 2022
  • Selic: 8,75% em 2021 e 9,50% em 2022
  • PIB: 4,97% em 2021 e 1,40% em 2022
  • IPCA: 8,96% em 2021 e 4,40% em 2022

Causas da inflação neste ano

A maior inflação brasileira em mais de meia década está sendo provocada por quatro principais fatores, dizem economistas.

  • Dólar: O dólar já subiu 25% desde o começo de março de 2020, ficando acima de R$ 5 desde o começo da pandemia -salvo em breves momentos em junho de 2020 e junho deste ano. A moeda americana encarece tudo que tem seu preço definido no mercado internacional, como os combustíveis.
  • Combustíveis: Puxado por preço internacional do petróleo e dólar mais elevado, o grupo combustíveis no IPCA subiu 42% em 12 meses até setembro. Gasolina, diesel e etanol mais caros contaminam outros preços, pois transportes entram nos custos de todos os setores da economia.
  • Energia: A escassez de água levou o governo a acionar as usinas térmicas, que custam mais caro que as hidrelétricas. A energia elétrica residencial já acumula alta de 28,8% em 12 meses até setembro.
  • Alimentos: Os alimentos, que já estavam subindo por causa do dólar e dos combustíveis, sofreram outro impacto provocado pelas geadas, que afetou a produção.

Por que inflação deveria recuar em 2022

Os economistas que enxergam espaço para uma inflação menor em 2022 dizem que os choques que provocaram as altas de preços desde 2020 não devem se repetir no ano que vem. Eles apontam os motivos:

Não haverá novos choques de alta: A grande maioria dos preços da economia não vai cair, mas os reajustes no ano que vem serão menores, afirmam economistas. Assim, a inflação subiria menos em relação a 2021. Isso valeria para combustíveis e alimentos, por exemplo.

Energia menos cara: A energia elétrica deve pesar menos no bolso dos brasileiros em 2022 com o fim das bandeiras tarifárias mais elevadas, em 30 de abril do ano que vem.

Nas contas do coordenador Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), André Braz, a cada 1 ponto percentual de queda do preço da energia elétrica, o IPCA recua 0,05 ponto percentual.

Juros mais elevados: Para combater a inflação, o Banco Central vai continuar elevando a taxa básica de juros. O mercado já está projetando uma taxa básica de juros de 9,5%. Isso encarece o consumo. O estrategista-chefe do banco digital Modalmais, Felipe Sichel, diz que menos gente comprando significa menos espaço para as empresas repassarem reajustes de preços.

Dólar mais estável: Juros elevados também atraem dólares trazidos por estrangeiros interessados em aplicar no Brasil por causa dos rendimentos maiores que os ganhos nos Estados Unidos, por exemplo (lá a taxa de juros é de 0 a 0,25% ao ano). O diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Fausto Augusto Junior, diz que o dólar não deve cair, mas ao menos vai parar de subir.

Por que inflação pode continuar elevada

Mesmo economistas que ainda trabalham com cenário de desaceleração da inflação no ano que vem veem riscos de a situação piorar. Veja o que pode mandar os preços em alta:

Dólar: O principal motivo da alta do dólar no Brasil, afirmam economistas, é a falta de compromisso claro do governo com relação aos gastos públicos em 2021 e 2022. Como haverá eleições presidenciais, cresce a incerteza com relação ao compromisso do governo de não aumentar gastos.

Mesmo que os juros continuem subindo, a incerteza sobre a política fiscal mantém o dólar em alta.
André Braz, Ibre/FGV

Juros nos EUA: O Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) deve começar a elevar os juros americanos no ano que vem. Isso fortalece o dólar, que por tabela também alimenta os preços no Brasil.

Petróleo segue valorizado: O preço dos combustíveis não deve recuar no ano que vem por causa da cotação do petróleo no mercado mundial, diz o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires.

O preço do petróleo deve continuar elevado nos atuais patamares até o fim do inverno no hemisfério norte, lá para março do ano que vem, pelo menos.
Adriano Pires, Cbie

Alimentos ainda caros: Os produtores de alimentos vão começar o ciclo da próxima safra com preços dos insumos mais altos. Isso deve forçar reajustes nos preços de grãos em 2022 e não o oposto, afirma o assessor econômico da FecomercioSP, Guilherme Dietze.

A inflação vai seguir puxada por alimentos por causa dos custos mais elevados de produção com os reajustes de preços de fertilizantes, energia e adubo que tivemos neste ano.
Guilherme Dietze, FecomercioSP

Repasses do atacado: A inflação no atacado, que mede os preços das matérias-primas da indústria, da construção e da agricultura estão muito acima da inflação do consumidor. O IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado) está na casa de 25%. E uma parte disso ainda vai ser repassada ao consumidor, afirma o economista Agostinho Pascalicchio, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Os preços no atacado vão continuar pressionados, e eu não vejo condições para uma inflação no ano que vem abaixo de 9%.
Agostinho Pascalicchio, Mackenzie

Inflação e juros em alta, PIB e emprego em baixa

Quem vai pagar essa conta da inflação mais elevada será o trabalhador, afirmam economistas. Segundo eles, o remédio dos juros mais elevados usado pelo Banco Central para retomar o controle da inflação vai ter como efeito colateral uma economia mais fraca.

Quanto mais tempo a inflação permanecer elevada, mais o Banco Central vai elevar os juros. Quanto mais os juros subirem, menos espaço as empresas terão para aumentar vendas. Sem crescimento de consumo, o empresário não tem por que aumentar a produção nem contratar mais trabalhadores.

O ambiente de inflação ainda elevada e bem acima da meta é o que os economistas chamam de estagflação: uma combinação de economia estagnada com inflação

Os níveis de desemprego vão seguir elevados porque os juros altos vão aumentar o custo do capital das empresas, o que vai inibir investimentos na economia real.
Agostinho Pascalicchio, Mackenzie

Inflação mais elevada afeta o PIB e reduz espaço para queda na taxa de desemprego porque é preciso subir juros. O efeito colateral é crescimento menor.
André Braz, Ibre/FGV