Plano de saúde de crianças autistas sobe 80%, e mães entram na Justiça
Os planos de saúde para crianças autistas estão até 80% mais caros por causa do reajuste anual. O UOL conversou com três mães que afirmam que o plano de saúde da Unimed (Confederação Nacional das Cooperativas Médicas) teve de 79%, passando de R$ 385,67 para R$ 689,65 para seus filhos, de idades entre cinco e sete anos.
A empresa diz que o aumento está de acordo com o contrato. Famílias estão entrando com ações na Justiça para rever o reajuste ou estão arcando com os custos para garantir que os tratamentos sejam mantidos.
A comerciante Camila Paradella, 38, de São Paulo, é mãe de Raul, 5, uma criança com espectro autista. Em abril, recebeu um comunicado que o plano de saúde ficaria 80% mais caro.
Devido ao volume de terapias que Raul precisa fazer todas as semanas, Camila parou de trabalhar para se dedicar aos tratamentos do filho.
Ela recebeu propostas de outros corretores para trocar de plano de saúde, mas preferiu buscar a Justiça, já que a clínica em que o filho faz o tratamento hoje só aceita seu convênio atual, da Unimed. Camila conseguiu uma liminar que suspendeu o aumento de 80%.
Na decisão, a Justiça autorizou o reajuste máximo aplicado aos planos individuais, que é de 15,5% neste ano. Por enquanto, Camila aguarda a cobrança do plano do próximo mês para ver quanto será o novo valor, depois da liminar.
"Paguei o valor mais alto em maio e junho para um plano básico, com enfermaria. É um plano muito limitado e nunca tinha tido um reajuste tão alto. Ano passado foi de 7,51%", afirma Camila.
Camila diz que ela e seu marido, Tiago Morales, 36, iam contratar um plano de saúde para a filha mais velha, Valentina, 8, mas desistiram, já que o aumento do plano de Raul deixou a situação financeira ainda mais apertada.
Por email, a Qualicorp, empresa que administra o plano de Raul, diz que tentou negociar o menor valor de reajuste possível.
"Neste ano, apesar de todos os esforços da sua administradora de benefícios, na tentativa de negociar o menor índice possível, sua operadora definiu o percentual de 80%", afirma a Qualicorp em email enviado a Camila.
A motorista de aplicativo Elisia Rafaela, 30, também sofreu um reajuste de 80% no plano de seu filho Pietro, 7. Elisia entrou com um processo para rever os custos, que ficaram muito altos para seu bolso, mas diferentemente de Camila, ainda aguarda a decisão da Justiça.
"Ou pago o advogado ou pago o plano. Precisava ter feito o pagamento no dia 20 de junho, mas só vou conseguir no final do mês. Fica impossível pagar as duas coisas com o aumento de 80%", afirma Elisia.
Ela diz que buscou outro plano de saúde, mas não conseguiu a troca ao dizer que seu filho é uma criança autista.
"Eu tentei migrar para outra operadora e falaram que não tinha muito o que fazer. Diziam que não era viável fazer a troca, principalmente quando eu falava que meu filho tem autismo", afirma Elisia.
Planos de saúde falam sobre os aumentos
Procurada pela reportagem, a Qualicorp afirma que o reajuste foi pontual e representa cerca de 0,5% de todos os clientes da empresa e que o contrato não é mais comercializado.
"A Qualicorp tem hoje a maior plataforma de oferta de produtos do país, com 108 operadoras e mais de 700 planos de saúde. Até o momento, mais da metade dos clientes já optaram por migrar para novos planos com preços similares ou até menores, inclusive da própria operadora. Essa oferta, que segue ativa, deverá ampliar ainda mais a adesão", afirma a empresa em nota.
Em nota, a Unimed diz que não estabelece contratos diretamente com os beneficiários, porque atua exclusivamente com contratos corporativos.
"Entretanto, observa que o reajuste aplicado está de acordo com a regra prevista em contrato com a administradora", afirma a Unimed em nota.
Plano pode cobrar mais de pessoa com deficiência?
Rafael Robba, advogado do escritório Vilhena Silva, afirma que, em tese, os planos de saúde não podem aplicar um reajuste diferente para pessoas com deficiência.
Quando o plano é individual, o reajuste é limitado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). No caso dos coletivos, as operadoras é que definem o percentual de reajuste.
Como as operadoras calculam o reajuste de acordo com o uso do plano pelos beneficiários, Robba diz que, se um deles for uma criança autista, por exemplo, que faz uma série de tratamentos, esse uso pode fazer com que a operadora aplique reajustes mais altos.
"Se uma empresa que tem 60 vidas cadastradas no plano, e dentre elas uma é uma criança com o espectro autista, esse custo é dividido no plano da empresa. Outra situação que normalmente pode gerar uma diferenciação para o custo do beneficiário é quando o plano tem coparticipação. A taxa paga quando usa o plano, se ele utiliza muito, vai ter um custo maior", afirma Robba.
No entanto, Robba afirma que aumentos como de 80% não costumam ser bem embasados, e as operadoras não conseguem comprovar na Justiça a necessidade de uma alta tão forte.
As operadoras não podem recusar pessoas por estarem em tratamento, desde que elas cumpram os pré-requisitos determinados pela ANS para a portabilidade, como ter um contrato ativo com alguma operadora, estar em dia com o pagamento das mensalidades e ter cumprido o prazo mínimo de permanência no plano.
"Como o tratamento de autismo é caro e pode chegar a mais de R$ 50 mil por mês, alguns planos usam a estratégia de aumentos abusivos para expulsar o consumidor da sua base de beneficiários", afirma Tatiana Viola de Queiroz, advogada especializada em saúde e direito do consumidor.
A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que obriga os planos a atenderem só o que está numa lista predefinida, não deve provocar mudanças na política de reajustes das operadoras.
Vínculo faz parte do tratamento
"Uma criança autista que depende das terapias e tem um vínculo com os profissionais não pode simplesmente trocar o plano. O vínculo é parte do tratamento. Nesses casos, vale a pena brigar na Justiça, mesmo que o processo demore para ser concluído", afirma Viola.
Esse foi um dos motivos que fez com que Camila buscasse a Justiça e não tentasse trocar o plano de Rau.
"Se eu trocar de plano, tenho que conseguir que o plano libere as terapias e passar por um processo de adaptação dele com a clínica", afirma Camila.
Mãe arca com reajuste por medo de perder tratamentos
A fisioterapeuta Danielle Fidélis, 37, é mãe de Isadora, 5. Hoje tem uma liminar na Justiça que autoriza os tratamentos de sua filha em uma clínica especializada e, por isso, ficou com medo de recorrer contra o aumento de 80% que também sofreu no plano de saúde.
Como o processo a respeito das terapias ainda não foi finalizado, Danielle disse que ficou com receio de contestar o reajuste.
"Foi por medo, porque o processo ainda não foi finalizado. Ainda estamos com a liminar, e o plano encurralou a gente. Disseram para procurar outro plano se não estamos satisfeitos", afirma Danielle.
As alternativas aos consumidores que estão com planos de saúde mais caros são tentar negociar com a operadora, buscar outro plano pela portabilidade ou entrar com processo na Justiça para rever o reajuste.
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