Empresa vende Vespa sem autorização, atrasa entregas e caso vai à Justiça
Em agosto de 2021, o médico Marcio Brasileiro, 48, escolheu uma moto Vespa como seu presente de aniversário. Parcelou a compra de R$ 21 mil em 12 vezes. Mais de um ano depois, a Vespa Boutique Scooter do Brasil (chamada também de Vespa Brasil), empresa que vende os produtos da marca italiana no Brasil, ainda não entregou a scooter.
A reportagem conversou com consumidores que se dizem lesados pela Vespa Brasil. Após preencherem um formulário no site, um consultor da empresa entra em contato por WhatsApp. Tudo é resolvido por lá: dúvidas, pagamento e envio de recibos. O prazo de entrega das motos é de 40 dias, mas sempre há adiamentos.
O pedido de cancelamento da compra e de estorno nunca é finalizado, segundo eles. A empresa diz que tem avisado os clientes sobre os atrasos e afirma fazer reembolsos quando é o caso (leia a posição da empresa em detalhes mais abaixo).
A empresa tem algum problema? O UOL apurou que a Vespa Brasil não tem autorização da Piaggio Group Americas, braço da italiana nas Américas, para vender os produtos e usar a marca Vespa. A companhia brasileira perdeu a ação em um tribunal internacional. Só que a sentença precisa ser homologada no Brasil para ter validade. A reportagem teve acesso a documentos de processos realizados no país e no exterior.
Márcio Brasileiro diz que recebeu ao menos três novas datas de entrega da Vespa. No início de setembro, ligou ao SAC da Vespa Brasil e a atendente afirmou que a entrega da moto não seria mais realizada porque a empresa não conseguiu cumprir os prazos de entrega"
A funcionária informou que o reembolso seria realizado pelo cartão de crédito e pediu que Brasileiro entrasse em contato com a operadora do banco. Ele já havia feito a ligação e a instituição bancária declarou que o pagamento já foi feito em totalidade para a Vespa, o que inviabiliza o pedido da empresa.
Outros clientes também reclamam
A servidora pública Albanete Suassuna, 43, entrou com ação na Justiça por danos morais e materiais contra a Vespa Brasil. Em dezembro de 2021, ela pagou R$ 25 mil por uma moto que deveria chegar em sua casa em janeiro deste ano.
A entrega foi adiada por mais de três meses, até que Albanete cansou da demora e pediu o reembolso. A devolução seria em junho, mas nenhum centavo caiu na sua conta.
"Eu queria uma Vespa pelo glamour de ter uma moto italiana. Agora eu só quero pegar o pagamento e comprar uma moto mais simples", diz Albanete.
Uma audiência de conciliação aconteceria em 23 de setembro, mas a Vespa Brasil não compareceu.
O policial federal aposentado Luiz Bavoso Jr., 56, recebeu sua Vespa depois de sete meses da compra. Ele, que chegou a suspeitar que seria vítima de golpe, se mostrou insatisfeito com o produto, que custou R$ 20 mil.
Ele enviou um vídeo para a reportagem que mostra a scooter, na cor azul clara, com avarias na pintura, marcas de solda aparentes e peças soltas. Disse que resolveu ficar com a moto mesmo assim para evitar novas dores de cabeça.
Quem responde pelas vendas no Brasil? As famosas motos Vespa foram comercializadas no Brasil entre os anos 1950 e 1990, e o retorno oficial aconteceu em outubro de 2016.
A nova fase foi fruto de uma parceria entre a Piaggio Group Americas, braço da companhia italiana no continente americano com sede em Nova York (EUA), e a brasileira Asset Beclly Investimentos, dos empresários e irmãos Celivaldo da Silva Lira e Diego da Silva Lira, baseada em São Paulo. O contrato de distribuição não era exclusivo.
Houve problemas entre as empresas? Os planos eram vender inicialmente 3.000 unidades e abrir lojas em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Até a instalação de um parque industrial estava no radar, apontam os documentos analisados pela reportagem
Entretanto, a Piaggio alega que a Asset Beclly começou a causar problemas antes da assinatura de contrato. Segundo a companhia, a empresa brasileira não havia feito o pagamento das unidades encomendadas e incorporou o nome "Asset Beclly Piaggio do Brasil", destacando o nome da fabricante europeia, o que estava em desacordo com as diretrizes.
Mesmo com o aborrecimento, as duas partes selaram o acordo em junho de 2016, pois as conversas já estavam muito avançadas, de acordo com a defesa da Piaggio.
Em dezembro do mesmo ano, a Piaggio rescindiu o contrato. A fabricante alega que a Asset Beclly não tinha feito o pagamento das motos, que ainda não estavam homologadas, inaugurou lojas apenas em São Paulo e realizou projetos e eventos sem autorização prévia.
Quando o caso foi parar no tribunal internacional? A Asset Beclly rejeitou o encerramento da parceria, sob a justificativa de que teria feito um investimento de cerca de R$ 30 milhões.
Diante desse impasse, a Piaggio iniciou em abril de 2017 um processo de arbitragem contra a Asset Beclly na CCI (Câmara Internacional de Comércio), em Paris.
A Piaggio exigiu o fim da venda de todos os seus produtos, assim como a proibição do uso de sua marca e a suspensão dos sites da Vespa Brasil. Em 2020, o árbitro deu vitória à fabricante italiana.
No entanto, a decisão ainda não entrou em vigor no Brasil porque sentenças estrangeiras precisam da homologação do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Por que a venda da Vespa veio parar na Justiça do Brasil? Em 2018, a empresa Vespa Boutique Scooter do Brasil foi constituída pelo sócio-administrador Deivid Alves de Lira. Ele é irmão de Celivaldo e Diego, da Asset Beclly. Ambas as companhias trabalham com a comercialização de motos.
A Asset e a Vespa Brasil alegam ter celebrado uma parceria de distribuição da Vespa, ainda sob o contrato de distribuição firmado com a Piaggio e que foi suspenso na França.
Elas têm CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) diferentes e estão ativas no site da Receita Federal. A Asset tem capital social de R$ 200 mil e a Vespa, de R$ 100 mil.
A Piaggio entrou em 2021 com uma ação judicial no TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) para requerer à Asset e à Vespa Brasil as mesmas ações obtidas no tribunal de Paris. Em agosto, solicitou ao órgão a suspensão das páginas da Vespa Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.
Uma sentença favorável à Piaggio Group Americas teria efeito imediato e não dependeria da homologação do STJ, diz o advogado Ricardo Kanayama, especialista em Propriedade Intelectual.
Kanayama alerta ainda para prejuízos ao consumidor que compra essas motos. "Não se tem conhecimento em quais condições os produtos têm sido ofertados e se os direitos dos consumidores têm sido atendidos."
Na sexta-feira (23), o TJSP aprovou a suspensão dos sites www.vespabrasil.com.br e www.piaggiodobrasil.com.br e das redes sociais da Vespa Brasil. A Vespa Brasil, porém, mudou o domínio para www.vespadobrasil.com.br e continua a vender as motos.
O que dizem os lados envolvidos? O UOL entrou em contato com o escritório Studio Lorenzetti Marques, representante da Piaggio no Brasil, mas a companhia não quis se pronunciar. A reportagem procurou a Vespa Brasil por e-mail, e quem respondeu foi a assessoria de imprensa da Asset Beclly.
A Asset diz que seu endereço está localizado no Recife, próximo ao Porto de Suape, de onde chegam os veículos importados. Em relação aos atrasos, declara que tem informado os consumidores sobre as dificuldades logísticas enfrentadas no exterior, como falta de peças para composição das motos e ausência de contêineres em terminais marítimos.
Segundo a Asset Beclly, a política de reembolso tem sido cumprida normalmente em até 20 dias após o cancelamento do pedido.
De acordo com a companhia, mais de 3.000 motos foram comercializadas desde o início da parceria com a Piaggio Americas. A Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) diz que 679 motos Vespa foram emplacadas no Brasil entre 2017 e 2022.
A entidade não sabe informar quem importa os veículos para o país. A Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) não quis se posicionar sobre o tema.
A Asset diz ainda que os dados da Fenabrave levam em consideração apenas as motos Vespa e não outros modelos que eles vendem.
"Por ser um produto de colecionador, até de decoração e, muitas vezes de uso interno, cerca de 30% dos modelos Vespa não são emplacados", declara a assessoria de imprensa.
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