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Executivo chamado de negão perde ação para Oracle e vai pagar R$ 5,5 mil

Aurelio Nunes

Colaboração para o UOL, em Salvador

18/08/2022 04h00Atualizada em 18/08/2022 17h30

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo indeferiu o pedido de indenização por dano moral de autoria do diretor-técnico da Proz Educação, Juliano Pereira dos Santos, 37, contra a Oracle do Brasil. Santos acusava a empresa de conivência com a ofensa racial que teria sido praticada contra ele por Matheus Mason Adorno, executivo da Optat Consulting, empresa homologada pela Oracle para implementar um sistema financeiro para a Proz. O episódio ocorreu durante uma videoconferência realizada em 22 de outubro de 2021 e selou a rescisão de um contrato entre as partes no valor de R$ 1 milhão.

Em decisão publicada nesta segunda-feira (15), a juíza Fabiana Feher Racasens, da 1ª Vara Cível do TJ-SP, negou provimento à ação indenizatória no valor de R$ 55 mil e condenou o autor a pagar R$ 5,5 mil, referentes às custas, despesas e honorários advocatícios, arbitradas em 10% do valor da causa. Cabe recurso.

Verifica-se que é incontroverso que a Oracle não é empregadora ou mantém qualquer vínculo direto ou de subordinação ou controle sobre o representante da empresa terceira Optat. Assim, não foi funcionário da Oracle que proferiu eventual xingamento ao autor e o fato de a ré Oracle não excluir a empresa como sua parceira não gera abalo moral ao autor diretamente"
Fabiana Feher Racasens, juíza do TJ-SP

Santos afirmou ao UOL que vai recorrer. "Essa é uma luta perdida há centenas de anos. Mas a gente vai morrer lutando e persistindo nessa luta porque, assim como disse o padre Júlio Lancellotti, eu também detestaria estar ao lado dos vencedores", afirmou.

Além da Oracle, o empresário também processa por injúria racial Matheus Adorno e a Optat Consulting, que ainda não foram julgados. Adorno é acusado de ofendê-lo durante uma discussão de trabalho. Segundo participantes da reunião ouvidos pelo UOL, ele afirmou: "aí não, negão. Aí você quer me foder".

Juliano Santos diz que a decisão de levar o caso adiante continua tendo consequências, sobretudo no aspecto emocional, que procura administrar com sessões de terapia.

Tomei consciência que tudo o que eu ralei na vida não importa, a minha cor vai ser sempre um fator de exclusão. Não importa o quanto eu estude e o quanto eu me dedique, sempre vou ter que lidar com isso. Vivo em estado de hipervigilância, me pego pensando em coisas que nunca havia pensado, procurando o recibo de compras dentro das sacolas quando saio do supermercado, pensando que a qualquer hora pode aparecer um segurança pra pedir o comprovante"
Juliano Pereira dos Santos, diretor-técnico da Proz

Thiago Thobias, advogado do empresário, questiona os argumentos utilizados pela defesa da Oracle. A multinacional declarou em juízo que "imediatamente após o ocorrido colocou-se à disposição do Sr. Juliano para ouvi-lo, expressou sua solidariedade e ofereceu apoio ao seu alcance". "A preocupação com o indivíduo está sendo zero. Ninguém ligou, ninguém buscou um acordo para pagar os remédios e a terapia do Juliano".

Procurada pela reportagem do UOL, a Oracle inicialmente disse que não iria se pronunciar sobre o assunto. Após a publicação da reportagem, a multinacional compartilhou um posicionamento em que "reitera seu compromisso com o respeito a direitos humanos e o combate ao racismo".

A Oracle ofereceu apoio à pessoa diretamente atingida e se colocou à disposição para colaborar com as autoridades competentes em quaisquer investigações. A posição da Oracle com relação aos fatos sub judice se encontra às fls. 133-158 dos autos da ação nº 1042226-31.2022.8.26.0002. O documento é acessível ao público em geral."
Oracle, por meio de nota

A manifestação à Justiça citada pela empresa é assinada pelo escritório de advocacia Tozzini Freire. Nela, a empresa descarta ter havido qualquer omissão e afirma que todas as providências foram tomadas, tanto em relação ao denunciante, com quem teve cinco reuniões, quanto aos denunciados.

"Em 25 de março de 2022, a Oracle fez saber que a Optat deixaria de ser um membro da Oracle PartnerNetwork, destacando que as partes estavam conduzindo "negociações sobre a forma e data do encerramento da relação comercial", alega a empresa nos autos do processo.

Segundo Thobias, este é o principal motivo que levou seu cliente à Justiça: quando protocolou a ação, no fim de junho, a Oracle ainda mantinha a Optat como um de seus parceiros em seu site oficial. Na época, a reportagem constatou no site da multinacional que o vínculo ainda era mantido.

Na contestação protocolada em 18 de julho, a empresa deu a seguinte justificativa: "Ressalte-se que, em momento algum, a Oracle afirmou que o contrato de parceria com a Optat seria rescindido de maneira imediata, mas, sim, que estava em tratativas sobre a forma e prazo de encerramento da relação".

Agora, entretanto, a Optat já não figura mais como parceiro no site oficial da Oracle. Nenhuma das empresas quis se pronunciar sobre o assunto. "Para nós isso é uma vitória, mas não temos a certeza se essa parceria foi descontinuada de fato e por qual razão. A Oracle precisa se manifestar", concluiu Thobias.