Saiba o que as startups têm a ensinar às empresas tradicionais

Startups são sinônimo de inovação, agilidade e tecnologia. Mas a maior parte delas nunca chega ao final da fase inicial. Se poucas sobrevivem, por que elas merecem tanta atenção? Por que se tornaram fonte de estudo para as empresas tradicionais? O que elas realmente têm a ensinar? Para falar de processos de inovação de startups, o UOL ouviu Arthur Igreja, especialista em tecnologia, inovação e tendências, e Daniel Castello, consultor, mentor e palestrante em estratégia e transformação digital.

O que é uma startup

Modelo de negócio inovador e tecnológico. Startup é uma empresa criada do zero com a finalidade de explorar uma necessidade percebida do mercado, e os fundadores acreditam ter uma vantagem competitiva ancorada em um modelo de negócio inovador e uma combinação sofisticada de tecnologia, a ponto de fazê-la crescer e competir com as empresas estabelecidas no setor em que vão operar.

Podem atrair injeções de capital de risco. Quando a ideia é realmente poderosa e os fundadores conseguem provar sua capacidade de executar a promessa que fazem, elas normalmente atraem injeções de capital de risco, o que permite acelerar seu crescimento e atravessar a arrebentação.

Mas nem todas sobrevivem. A maior parte das startups nunca chega ao final da fase inicial, onde precisa provar que sua promessa é desejada e que ela é capaz de entregá-la. Aquelas que concluem esta fase com sucesso, e atraem capital de risco, muitas vezes não conseguem avançar na fase seguinte, chamada de "scaleup", quando o desafio passa a ser crescer em escala de forma acelerada. "Pouquíssimas passam por esta fase com sucesso e chegam ao sonhado IPO, a abertura de capital que simboliza o sucesso da empreitada", diz Castello.

No entanto, startups são capazes de transformar o mercado. A taxa de retorno das que conseguem e os casos emblemáticos de empresas que transformaram seus mercados por inteiro, criando um "antes e depois" claro em sua passagem prova que tem algo de poderoso que, quando executado corretamente, tem um enorme potencial de construção.

Este medo provavelmente é o que mais move as empresas tradicionais, com razão. A questão é que muitos elementos têm que funcionar de forma harmônica para que a mágica aconteça. Identificar e estudar estes elementos é um potencial enorme de aprendizado para empresas de todos os portes e estágios de maturidade.
Daniel Castello, consultor, mentor e palestrante em estratégia e transformação digital

E quais são esses elementos?

Castello listou 6 elementos para aprendizados das empresas tradicionais:

1) Modelo de negócio "asset light": Uma startup tende a não ter muitos ativos (fora softwares). São poucas instalações físicas, maquinário e pessoas — e muita inteligência, tecnologia e automação. "Desde o início, as startups tentam combinar recursos, atrair pessoas brilhantes e executar de forma simples em alta velocidade o que se propõe a fazer", afirma.

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Quando dá certo, incrementam o modelo operacional. Ao mesmo tempo, quando dá errado, mudam rápido e buscam outra forma de fazer ("pivotar", no jargão das startups). "Ser asset light é essencial para poder pivotar com velocidade e eficiência. Quanto mais ativos presos em um modelo de operação tiver, mais difícil será abandoná-lo. Quanto mais leve você for, mais fácil", diz.

Este é um dos principais aprendizados que as empresas tradicionais podem fazer. É difícil para elas, tão acostumadas a terem muitos recursos presos e muita dificuldade de realocá-los.
Daniel Castello

2) Obsessão em afinar sua proposta de valor: As boas startups vão criar experimentos e pivotar o modelo até acertarem ou acabar o capital. "Ganham grande ou perdem grande", diz.

Nenhuma empresa tradicional tem o mesmo apetite por risco ou a obsessão por acertar grande. Para elas, 'mais ou menos', na maior parte das vezes, é mais do que o suficiente. E por isto a maior parte de suas inovações são medíocres ou 'um pouco mais do mesmo'.
Daniel Castello

3) Simbiose entre estratégia e inovação: Quando você é pequeno, sem marca e sem grandes recursos, sua única vantagem competitiva vem de acertar uma grande inovação difícil de ser copiada. "Qualquer outra abordagem levará você a ser engolido pelos gigantes que já estão operando no mercado. Nas startups, inovação é o centro da estratégia. Ou ela conseguirá competir com sucesso ou vai morrer", diz.

As empresas tradicionais podem obter vantagens competitivas de várias outras formas, como marcas, tamanho, patentes, regulação, e não têm o mesmo foco essencial em inovação. Se sustentam até que uma inovação violenta seja disruptiva no mercado. Até lá, sobrevivem crescendo dentro de uma lógica de retornos decrescentes.
Daniel Castello

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4) Colocar o cliente no centro: A melhor forma de operar de forma eficiente com poucos recursos é avaliar de forma rigorosa como cada elemento do seu negócio beneficia seu cliente de forma explícita. "Parece simples e fácil de ser seguido, mas não é. Uma empresa estabelecida tem compromissos e sistemas ligados que é obrigada a manter pelos mais variados motivos, mesmo quando eles não beneficiam mais nenhum cliente", diz.

Muitas vezes, por puro instinto de sobrevivência das pessoas, não da organização, elementos absurdos e inúteis ganham novas e novas rodadas de investimentos, que poderiam ser usados para alavancar inovação. Quando você faz parte do velho, é muito difícil ter a coragem de romper com o passado.
Daniel Castello

5) Mentalidade de crescimento: Uma startup existe para crescer. Ela começa pequena e sabe que tem um tempo finito para se tornar grande, alavancada por capital e pela inovação que apresenta. Sabe que esta janela de tempo vai se fechar em algum momento e corre tudo que pode enquanto ela está aberta.

"O problema é que crescer é extremamente desconfortável", diz. A startup tem que contratar e lidar com pessoas novas o tempo todo, implantar sistemas e processos em alta velocidade e os ver se tornarem obsoletos em um ou dois saltos de escala, e fazer tudo de novo, cada vez mais complexo. A startup erra um monte de vezes e tem que tentar de novo até acertar sem o luxo de poder descansar. "Algumas startups ficam anos na fase de 'scaleup'. É como lutar uma guerra por vários anos, sempre com o risco de perdê-la."

Nunca encontrei uma empresa estabelecida que tivesse o mesmo apetite. Nove entre cada dez gestores corporativos preferem modular a velocidade de crescimento para reduzir o cansaço e o risco. E não estão totalmente errados, pois têm muito a perder. Só que isso os impede de crescer em velocidade compatível com as startups.
Daniel Castello

6) Mentalidade de ecossistema: Para Castello, é mais fácil entender isso pelo seu oposto: as empresas estabelecidas competem, na maior parte das vezes, sozinhas. Veem seus parceiros como fornecedores ou clientes, sempre buscam se colocar centrais no jogo e controlar a cadeia de valor o máximo possível. Elas fazem isso ancoradas na força de sua marca, de sua escala, do domínio que têm das conexões, dos contratos e regulações que as beneficiam.

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Quando você é pequeno e desconhecido, não tem este luxo: ou se conecta ou não vai a lugar nenhum. Você precisa dos outros para viver, para respirar. Precisa de acesso a mercado, a capital, a conhecimento. Ou se insere em um ecossistema ou morre.

Mas, o que parece uma enorme desvantagem a princípio, se torna uma força competitiva gigantesca. "Você consegue se manter asset light, ter acesso a conhecimento sem ter que contratar pessoas e assessorias caríssimas, atrair pessoas brilhantes pela sua promessa. Você consegue se mover melhor e mais rápido, dando saltos que, para uma empresa tradicional, são incompreensíveis", declara.

Estes elementos equilibram a capacidade competitiva das startups, e quando elas realmente os dominam, se tornam adversárias poderosas para qualquer empresa tradicional. Estes mesmos elementos, quando compreendidos pelas empresas tradicionais, podem ser incorporados em suas equações competitivas, o que permite a elas evoluir de forma mais próxima da capacidade das startups. Isso e mais suas vantagens competitivas clássicas, faz com que muitas delas permaneçam adversárias temíveis em seus mercados.
Daniel Castello

Startups versus empresas tradicionais

Arthur Igreja listou diferenças em 5 pontos:

1) Agilidade nas decisões: Na média, as startups têm muita velocidade para conseguir evoluir rápido. "Tudo tem que ser decidido muito rápido, cada decisão vale muito, há poucos níveis hierárquicos. Logo, elas tendem a ser mais ágeis na tomada de decisão."

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2) Descentralização: As empresas grandes são mais centralizadas e hierárquicas. Mas Igreja faz uma ressalva: há muitas startups que, por ter um CEO muito centralizador, acabam tendo até um grau de comando mais forte, enquanto existem empresas grandes que, por já ter uma estrutura com vários setores, a decisão é um pouco mais pulverizada.

3) Lançamentos de produtos e infoprodutos: As startups costumam ser muito mais velozes. Afinal, o fator emergência para chegar ao mercado e conseguir receita e cliente tem tudo a ver com agilidade. O mesmo se aplica à criação de infoprodutos (produtos digitais que são informativos, como e-books e assinatura de algum canal informativo na internet). "Se não for o ramo de atividade da empresa, dificilmente as grandes decidem fazer isso. É mais comum em startups", diz.

4) Estratégias de crescimento: Startups tendem a usar estratégias menos convencionais. "Elas focam muito em vitórias rápidas, enquanto as grandes empresas, por terem mais porte e recursos, muitas vezes uma estratégia de longo prazo estabelecida, têm taxas de crescimento menores. Quando já é grande, é difícil ter uma taxa de crescimento tão expressiva, pois já se tem um aumento acumulado bastante importante", diz.

5) Posicionamento digital e figital: Startups tendem a ser muito mais digitais, até pelo aspecto do alcance, do custo, de se conseguir ter estruturas mais enxutas. Já empresas tradicionais, maiores, tendem a ser mais completas. Ou seja, elas têm uma gama de serviços, capilaridade e presença muito maior, e esse figital acaba sendo a pedida.

O que as startups estão fazendo de melhor

Startups são excelentes em inovação, em testar o que as grandes muitas vezes não se permitem. Elas trazem muita novidade para o consumidor, criam tecnologias interessantes, abordagens, serviços. "Porém, cada vez mais elas vão ter que encontrar caminhos sustentáveis para o seu negócio parar em pé", diz Igreja.

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Espera-se que uma startup seja enxuta, ágil, apresente um grande crescimento e explore o mercado, o que se denomina de 'oceano azul', ou seja, um mercado não ocupado ou ocupado com uma abordagem inédita ou bastante diferente, justamente porque ela não tem os recursos ou o tamanho para bater de frente com as já estabelecidas, declara.

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