Varejo e serviços surpreendem. O que isso significa para a economia?
O IBGE divulgou na última semana os primeiros dados dos setores de varejo e serviços para o ano de 2024. Os dois indicadores vieram muito acima das expectativas do mercado e podem sinalizar o que pode esperar para os próximos meses. Entenda o que explica a alta dos índices e como os economistas avaliam os números.
O que aconteceu com o varejo
As vendas do varejo registraram um crescimento de 2,5% em janeiro. O dado foi divulgado na última quinta-feira (14) pelo IBGE, e é o mais recente disponível sobre o setor. O setor opera hoje 5,7% acima do patamar pré-pandemia e 0,8% acima do seu nível recorde, que foi atingido em outubro de 2020.
O resultado veio muito acima do esperado. O mercado projetava, em média, uma alta de 0,2% para o mês. É válido destacar que essa foi a primeira alta significativa registrada desde setembro do ano passado (0,8%). Depois disso, o comércio passou por dois meses de estabilidade (-0,3% em outubro e 0,2% em novembro) e um de queda (-1,4% em dezembro).
O resultado de janeiro reverteu o resultado fraco de dezembro, afetado pela Black Friday no mês anterior. Via de regra, a população aproveita as promoções e antecipa compras em novembro, diminuindo as vendas em dezembro. Já em janeiro, com estoque maior, as varejistas podem apostar nos "saldões".
Quais os motivos para a alta no varejo
Maiores vendas de alimentos são uma das causas para a alta. A categoria de hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo apresentou uma alta considerável (0,9%), e é o segmento que possui o maior peso na pesquisa (55,5%). É o chamado consumo discricionário, ou seja, de bens essenciais.
Mas o aumento foi mais geral e, das oito atividades mapeadas pela pesquisa, cinco avançaram. O destaque ficou para a área de tecidos, vestuário e calçados (8,5%) e de equipamentos e materiais para escritório, informática e comunicação (6,1%). Isso é um bom sinal para o varejo, que já começou 2024 com força, explica Yihao Lin, analista da Genial Investimentos.
Mais pessoas estão trabalhando, e os salários e receitas aumentaram. O mercado de trabalho está aquecido, e a taxa de desocupação no país hoje é de 7,4%, a menor desde 2014, segundo a última PNAD. Além disso, o pagamento de precatórios também impulsiona o varejo.
O crédito também está mais acessível. Yihao explica que isso está relacionado à queda de juros que teve início em agosto do ano passado. Nesta quarta-feira (20), o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) cortou a taxa Selic para 10,75% ao ano - a taxa básica de juros deve chegar em 9% no final de 2024. A Selic mais baixa também diminui o preço do crédito, e fica mais fácil consumir itens mais caros.
Mas nem todos os segmentos recuperaram o patamar pré-pandemia. É o caso da atividade de tecidos, vestuário e calçados. "Esse setor ainda está longe de se recuperar das perdas da pandemia. Entre as atividades pesquisadas, é a segunda que está mais distante do patamar de fevereiro de 2020, perdendo, nesse sentido, apenas para o segmento de livros, jornais, revistas e papelaria, que está 46,7% abaixo desse nível", diz Cristiano Santos, gerente da pesquisa no IBGE.
Para o ano, o consumo das famílias deve ser o principal motor de crescimento, explica Yihao, da Genial. Neste aspecto, além da concessão de crédito, o analista cita o Programa Desenrola Brasil (Lei 14.690/23), do governo federal, que renegociou mais de R$ 35 bilhões em dívidas da população.
Quando a gente olha os principais indicadores que tentam medir essa saúde financeira das famílias, tanto inadimplência quanto o comprometimento da renda com o serviço de dívida, e tem uma melhora na margem, isso realmente tende a beneficiar esses setores que foram bem penalizados. Tecidos e calçados estão 19,3% abaixo do nível pré-pandemia; móveis e eletrodomésticos estão 12% abaixo, equipamentos materiais de escritório informático 8% abaixo. Ao passo em que os componentes que estão mais ligados ao consumo essencial, que é o combustível de purificantes, e supermercados estão acima do nível pré-pandemia.
Yihao Lin, analista da Genial Investimentos
O que aconteceu com o setor de serviços?
Já o setor de serviços avançou 0,7% em janeiro, também acima do que o mercado projetava. Foi o terceiro resultado positivo para o setor, que agora acumula um ganho de 1,9% e está 13,5% acima do nível pré-pandemia, mas ainda 0,7% abaixo de dezembro de 2022 (ponto mais alto da série histórica). Os dados foram divulgados na sexta-feira (15).
Na PMS (Pesquisa Mensal de Serviços), quatro das cinco atividades pesquisadas apresentaram alta. Os destaques foram as categorias de informação e comunicação (1,5%), serviços profissionais, administrativos e complementares (1,1%) e transportes (0,7%).
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Quero receberRodrigo Lobo, gerente da pesquisa no IBGE, destacou o impacto positivo com a parte de serviços audiovisuais (27,6%). "Com o período de férias, as salas de cinema acabaram recebendo mais público e aumentando o faturamento das empresas desse segmento. Ainda dentro do setor de informação e comunicação, destaco o aumento da receita das empresas que trabalham com edição integrada à impressão de livros, em função da produção de material didático direcionado às escolas. E, por último, os serviços de tecnologia da informação (3,8%) também contribuíram com o bom desempenho do setor neste mês", diz.
Impacto no PIB e na inflação
Não houve um único motivo para as altas, e isso é bom. Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, diz que as surpresas nas duas pesquisas foram bem "pulverizadas". Na pesquisa de comércio, por exemplo, as venda de supermercados vieram bem mais fortes do que o projetado. Nos serviços, é ainda mais difícil atribuir um item que justifique e seja o protagonista da surpresa.
Para o economista, o comportamento dos indicadores indica que a economia está mais robusta de maneira mais estrutural. Os dados fizeram com que a Ativa revisasse a projeção de crescimento do PIB de 1,7% para 1,9%.
Quando o mercado como um todo tem uma surpresa, o normal é que seja pontual. Mas não foi o caso, foi uma surpresa pulverizada. Quando é no primeiro mês do ano, a gente geralmente fala: 'Foi uma surpresa, mas pode ser que volte', não é o suficiente para deslocar o crescimento para cima ou alterar a projeção de crescimento. Mas também não foi o caso. Então, foi bem atípico o comportamento desse comércio de serviços e acabou elevando a perspectiva do PIB para o ano.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos
Mas, se por outro lado há crescimento, pelo outro, a inflação pode aumentar. "Idealmente você gostaria de ter um melhor balanço entre investimento, consumo e exportação, mas o que a gente vê realmente esse ano é o consumo. O consumo, em um contexto de queda de investimento, gera um viés inflacionário na economia", pondera Yihao. Isso porque as empresas não expandem sua capacidade produtiva, que é via investimento, e a população está consumindo mais, o que acende um nível de alerta para o risco do aumento da inflação.
Étore diz que, por enquanto, o movimento de revisão do PIB não acompanha o de revisão da inflação. O último Focus projeta um IPCA em 3,79% no final de 2024, por exemplo. Há quatro semanas, a projeção era de 3,82%.
Até então, a inflação estava cedendo de forma mais acelerada. O movimento estava em desalinho com a queda do desemprego e o aumento da renda, visto que os dois fatores combinados, em tese, resultam no aumento do consumo. Por isso, Étore acredita que ainda que a inflação acelere, "parece que a lógica voltou à normalidade". No entanto, ainda é cedo e faltam componentes para fazer um diagnóstico da economia como um todo para 2024.
Mais pontos serão necessários para falar que a pressão no mercado de trabalho está se refletindo na atividade, e aí consequentemente a demanda está subindo, com a oferta constante nós vamos ter uma pressão de preços e aí revisamos a inflação para cima. Por enquanto, as revisões de PIB não foram acompanhadas de revisões de inflação. Por enquanto, a gente considera eles como um ajuste de percurso, como nada que venha a afetar o estrutural, ainda que tenha mexido no PIB.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos
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