Especulação ou crise? País cresce, mas mercado cobra que Lula corte gasto

Apesar da arrecadação recorde, aumento do PIB, inflação controlada e emprego em alta, o presidente Lula (PT) vive a pressão de diminuir os gastos do governo. Para o mercado financeiro, a estabilidade brasileira hoje é quase tão frágil quanto era no governo Dilma Rousseff (PT) e pode derreter de uma hora para outra se o governo não controlar a dívida pública, que não para de crescer.

Como está a economia

Economia brasileira cresce e gera emprego. Depois de crescer 2,9% em 2023, o PIB deve terminar o ano com alta de 2,3%, segundo o Banco Central. A inflação de janeiro a junho ficou abaixo do primeiro semestre de 2023 (de 3,16% para 2,52%) e a taxa de desemprego no trimestre finalizado em maio foi de 7,1%, menor taxa em 10 anos.

Mesmo assim, o mercado financeiro não dá trégua a Lula, e pressiona o presidente a cortar gastos. A expectativa é que o governo corte até R$ 46 bilhões em suas despesas em 2024, R$ 15 bilhões já em julho, quando o Ministério da Fazenda divulgará o próximo relatório de avaliação de receitas e despesas.

Em entrevista ao UOL, o presidente Lula disse que o problema não é ter de cortar. "O problema é saber se precisa mesmo cortar ou se temos que aumentar a arrecadação", disse ele.

Mas a arrecadação chegou ao limite e já não consegue conter o déficit nas contas, apontam especialistas ouvidos pela reportagem.

Estabilidade por um fio?

A leitura do mercado é que a estabilidade da economia brasileira é mais frágil do que parece. A inflação está controlada porque o governo segurou os preços da cesta básica e dos combustíveis, diz Juliana Inhasz Kessler, professora de economia do Insper. "São medidas de curto prazo. E há outras pressões inflacionárias: as guerras no exterior continuam e o agronegócio deve perder produção com os eventos climáticos", afirma.

Mercado diz que inflação seria maior se governo não constrolasse os presços da cesta básica
Mercado diz que inflação seria maior se governo não constrolasse os presços da cesta básica Imagem: BRUNO ROCHA/ESTADÃO CONTEÚDO

Trunfo para Lula, desemprego baixo não convence. A professora diz que o baixo índice de desemprego só é considerado sustentável quando uma empresa, além de contratar, investe em máquinas e tecnologia para produzir mais. É o que forma a chamada taxa de investimento, que ficou em 16,5% no ano passado, três pontos porcentuais menor do que no início do ano.

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Embora tenha apresentado uma pequena melhora no primeiro trimestre do ano, a taxa de investimento ainda está abaixo do esperado. "Esse investimento reflete a confiança do produtor no futuro", diz Kessler. "Mas não é o que acontece no Brasil atualmente."

O empresariado contrata funcionários, "mas o investimento está caindo". "É como fazer um bolo", compara a professora. "Em vez de dobrar todos os ingredientes para ele crescer, só estão dobrando o fermento [contratações]. Quando outras pressões chegarem, esse bolo vai murchar."

Círculo vicioso ou virtuoso. O governo incentiva, por exemplo, os investimentos no PAC, o programa de infraestrutura que nasceu no segundo governo Lula, em 2007. Mas os juros altos, mantidos pelo Copom em 10,5% na reunião de 19 de junho, afastam investidores. Ironicamente, a alta do emprego preocupa agentes do mercado porque incentiva o consumo e pode impactar a inflação. Assim, os juros precisam ficar altos para segurar o índice.

O crescimento da economia já começou a diminuir. O Boletim Focus projeta crescimento de 2% este ano, e mesmo a projeção de 2,3% do Banco Central é inferior ao desempenho do ano passado (2,9%), puxado pelo agronegócio, que neste ano foi afetado pelo desastre no Rio Grande do Sul.

Indústria contrata, mas não investe em maquinário e tecnologia, diz economista
Indústria contrata, mas não investe em maquinário e tecnologia, diz economista Imagem: José Paulo Lacerda/CNI

Dívida pública em alta é problema

Dívida pública não para de crescer. Até 2014, ela equivalia a 50% do PIB, diz Kessler. "A partir de 2015, começou a subir muito mais rápido e a gente periga chegar ao final do ano a 80%", diz. "Com o aumento do endividamento, o investidor exige receber mais [e pede alta dos juros] para colocar dinheiro no Brasil."

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Lula disse na quarta (26) que outros países têm dívidas ainda maiores que a brasileira. Ele citou a dívida do Japão, que "é 237%; se você pega a França, é 112%; e a Itália, 137%", afirmou em entrevista ao UOL.

A diferença, diz Kessler, é que nesses países a dívida não aumenta na mesma velocidade que a brasileira. "A dos EUA equivale a 100% do PIB, mas é assim nos últimos 20 anos: como não aumenta, o investidor sabe que o risco é baixo."

Arrecadação é recorde, mas não é suficiente. Os aumentos de maio (10,4%) e de todo o primeiro semestre (8,72%) foram os maiores desde 1995, início da série histórica. Parte desse aumento se deve a projetos do governo aprovados no Congresso: a tributação sobre o dinheiro mantido em paraíso fiscal rendeu R$ 7,3 bilhões, enquanto a taxação dos fundos de investidores super-ricos abocanhou R$ 12,2 bilhões.

Apesar do aumento da receita, as despesas crescem ainda mais. "Estão 3% acima da inflação no acumulado do ano", diz Breno Bonani, analista da Alphamar Investimentos. "Como para qualquer pessoa ou companhia, gastar mais do que recebe é um problema."

Mercado cobra promessa do governo Lula. "Foi o governo que prometeu zerar o déficit este ano", diz Bonani. Até maio, a União gastou R$ 30 bilhões a mais do que arrecadou. "Mas como Lula adota um tom de que vai continuar gastando, o mercado pressiona. Aí o presidente compra essa briga e a desconfiança do mercado aumenta e projeta piora ainda maior."

O alvo principal de Lula é o presidente do Banco Central. Antes da decisão da semana passa que manteve a taxa de juros em 10,5%, Lula afirmou que Roberto Campos Neto tem "lado político" e trabalha contra o país.

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Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em sessão no Senado
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em sessão no Senado Imagem: Lula Marques/Agência Brasil

Aceno de Haddad de déficit zero em 2024 ainda está fresca. Haddad, que já falou em "obsessão" em alcançar o déficit zero das contas públicas, condicionou esse resultado ao fim de programas de subsídios, como a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, mantida pelo Congresso. Lula vetou a decisão dos parlamentares, que derrubaram o veto presidencial.

O Congresso também derrubou iniciativas de Haddad para reduzir gastos. O ministro tentou negociar uma mudança na cobrança de créditos do PIS Cofins, mas o projeto foi devolvido pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O mercado, por sua vez, espera que o governo desate esse nó. O pedido para derrubar o veto sobre as desonerações, por exemplo, está no STF.

Cortes anunciados pelo governo são insuficientes. O governo espera economizar até R$ 30 bilhões em 2025 com um pente-fino em benefícios sociais. A ideia é revisar as listas de beneficiários que recebem irregularmente o Bolsa Família e o BPC, o salário mínimo pago a idosos com mais de 65 anos e pessoas de baixa renda com algum tipo de deficiência.

O mercado aguarda medidas mais concretas do governo para voltar a ter confiança no crescimento.
Breno Bonani, analista de investimento

Mercado exagera?

Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad Imagem: Wilton Junior
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É preciso cortar gastos, mas "o mercado exagera no tom", diz Bonani. "A economia real [do dia a dia] apenas desacelerou, muito por conta da taxa de juro atual. Se estivesse em 8,5%, talvez a economia respirasse melhor."

Bonani diz que as ações do governo "destoam do discurso presidencial". Na quarta (26), por exemplo, Lula publicou um decreto que muda o controle da meta de inflação: a partir do ano que vem, a meta de 3% ao ano terá sido descumprida se, por seis meses, o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos não for respeitada. Hoje, essa tolerância dura 12 meses.

A professora discorda. "Hoje o Banco Central tem amarrado a mão do governo, mas o cenário é muito parecido com o governo Dilma", diz Kessler.

Na quarta, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) classificou de especulação as projeções pessimistas. "Tem havido muita especulação no mercado e isso está prejudicando as pessoas", afirmou.

Possivelmente, em 2024 vamos ter o melhor resultado fiscal dos últimos 10 anos.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda

O mercado diz que está como no governo Dilma, mas não é assim: Temos bom nível de emprego, incremento na renda e PIB crescendo. A desaceleração de maio é até normal porque o ano começou bem.
Breno Bonani, analisa de investimentos

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Parece que está tudo bem, mas é aquele solzinho antes da tempestade.
Juliana Inhasz Kessler, professora de economia

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