Ajudante de cozinha entra na Justiça para 'demitir patrão': 'Não me pagava'
A ajudante de cozinha Janaína Teixeira Vitório, 31, entrou com um pedido na Justiça há 11 meses para conseguir a rescisão indireta. A decisão foi tomada após diversos atrasos no salário e pelo não pagamento horas extras. Na prática, mecanismo permite que o funcionário peça o fim do contrato de emprego na Justiça sem perder direitos garantidos apenas em caso de demissão sem justa causa, como pagamento da multa do FGTS e garantia de seguro-desemprego.
Janaina faz parte de um grupo de brasileiros que vem crescendo. O número de processos na Justiça relacionados à demissão indireta subiu 54,45% de 2022 para 2023 — dado passou de 279.044 para 430.980 de um ano para outro. Os dados são do DataJud, painel de estatísticas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Até abril de 2024, há registro de 57.228 casos.
O que aconteceu
No início do contrato, Janaina recebia o salário normalmente. Com o passar do tempo, saiu de licença maternidade e o patrão passou a atrasar os pagamentos e fazer os depósitos de valores menores. Também não recebia FGTS e horas extras.
Eu saí de licença maternidade e ele não pagava, fazia os pagamentos só quando queria, picado, sabe?
Janaina Vitório, ajudante de cozinha
Quando voltou da licença, procurou um advogado para resolver sua situação. Sem receber corretamente, Janaina não conseguia pagar uma pessoa para ficar com seu filho durante o expediente. Como os pagamentos começaram a ser picados, a ajudante de cozinha também tinha dificuldade até de calcular se havia recebido o valor correto pelo mês trabalhado.
Ele não fazia o pagamento certo e não tinha como pagar alguém para olhar meu filho. Aí eu coloquei na Justiça.
Janaina Vitório, ajudante de cozinha
A situação colocou Janaina em uma posição complicada. "O trabalho tem que ter compromisso, e eles não têm compromisso com nada. Ele mandava mensagem e falava 'você tem que esperar, se você quiser que eu mande, você espera, porque eu não tenho agora, não vou mandar agora'. Ele nem ligava", afirma.
Como a rescisão indireta funciona
A rescisão indireta é quando o funcionário "demite" o empregador. Isto significa que o empregado pode pedir demissão, mas garantir os benefícios que tem direito em caso de demissão sem justa causa, como a multa de 40% do FGTS e a possibilidade de solicitar seguro-desemprego. Estes casos são válidos quando a empresa não cumpre deveres contratuais como o pagamento de horas extras ou comete situações que lesam o funcionário, como assédio moral.
O mecanismo vale apenas para quem trabalha no regime CLT. Erick Magalhães, advogado trabalhista e sócio do Magalhães e Moreno Advogados, afirma que é como se o trabalhador estivesse demitindo a empresa por justa causa.
É como se o trabalhador pedisse uma justa causa para a empresa. A modalidade de se rescindir o contrato nas vias usuais é a empresa mandando o trabalhador embora, ou ele pedindo demissão. Então chama-se rescisão indireta porque é o trabalhador, por um justo motivo, que está previsto na lei, rescindindo o contrato.
Erick Magalhães, advogado
Acesso à tecnologia ajudou a aumentar o número de processos. Magalhães afirma que as pessoas passaram a conseguir consultar mais facilmente se os empregadores estão fazendo os pagamentos devidamente, principalmente de FGTS e INSS, que antes era mais difícil de consultar.
Mudanças nas relações de trabalho também ajudam a justificar aumento nos dados. Antônio Carlos Souza de Carvalho, advogado especialista em economia do trabalho e sócio do Souza de Carvalho Sociedade de Advogados, afirma que a reforma trabalhista gerou uma sensação de que não é possível entrar na Justiça.
É preciso reunir algumas provas para entrar com processo. Carvalho indica que a pessoa tenha conversas de WhatsApp e e-mails em que comprove a situação que o funcionário está passando. Se for conversar com um superior sobre o problema, é possível também gravar a conversa, que pode ser usada como prova no processo.
Do mesmo jeito que o empregador pode demitir sem ou com justa causa, o empregado pode pedir demissão sem ou com justa causa [que é a rescisão indireta].
Antônio Carlos Souza de Carvalho, advogado
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