Empreendedor diz que funcionários trabalham 80h por semana; é ilegal?
O empresário Tallis Gomes, fundador de uma escola de negócios que visa a atingir R$ 300 milhões de faturamento, falou em um podcast que não contrata "esquerdista" e que seus funcionários trabalham 80h por semana. A declaração deu o que falar nas redes sociais e chamou a atenção do público. Afinal, qual é o limite que uma pessoa pode trabalhar por semana? O UOL conversou com especialistas para esclarecer os pontos da jornada de trabalho e o que é previsto por lei.
Quem é Tallis Gomes
Tallis Gomes é um empresário brasileiro. Ele fundou a G4 Educação em 2019, junto com outros empreendedores do mercado. O foco da sua companhia é "transformar a realidade brasileira através do empreendedorismo". Em quatro anos, mais de 30 mil alunos passaram pela formação que oferecem.
Nasceu no interior de Minas Gerais, em uma cidade chamada Carangola. Foi criado pela avó, por ausência da mãe e por conta da rotina corrida do pai como policial militar. Mudou para o Rio de Janeiro para fazer faculdade. Foi então que começou a investir mais em sua carreira de empreendedor.
Um dos seus projetos, o Easy Taxi, lhe rendeu títulos Forbes Under 30 e MIT Global Innovators. A empresa foi vendida em 2019 para a espanhola Cabify.
Também fundou a Singu, plataforma de serviços de beleza que foi comprada pela Natura. A transação, anunciada no final de 2020, foi polêmica, porque um dos principais sócios da Natura, Guilherme Leal, é padrasto de um então sócio de Gomes na Singu e um de seus melhores amigos, Matheus Farah. À época, o influenciador digital Raiam Santos, que agora tem dois milhões de seguidores no Instagram, disse que documentos auditados da Singu mostravam que a empresa tinha faturado só R$ 50 mil no seu melhor mês, o que não justificava o preço estimado de aquisição da startup, de R$ 65 milhões. Para ele, a compra tinha sido apenas uma maneira de salvar da falência a Singu, cuja quebra poderia manchar a reputação de gestor de empresas de Gomes.
Em suas redes sociais, o empresário dá dicas de como ter sucesso na carreira e empreender no Brasil. Ele acumula mais de 700 mil seguidores no Instagram.
O que ele disse
Em conversa durante um podcast, o presidente da G4 Educação falou que seus funcionários possuem uma rotina de 80 horas de trabalho por semana. Mesmo que Gomes não tenha deixado claro qual é o tipo de contrato com a equipe, a declaração virou assunto na internet.
"Ontem estava todo mundo trabalhando até 1h da manhã, e 8h da manhã [do outro dia] o escritório estava cheio", afirmou. Para ele, "se você não fizer 70 horas ou 80 horas por semana na empresa, você não vira nada na vida".
Tallis também explicou a cultura da empresa: "Eu não contrato esquerdista, isso é a base da nossa cultura. Esquerdista é mimizento não trabalha duro e fica com essa coisa de que o mundo deve alguma coisa para ele".
Procurado pelo UOL, Gomes não deu retorno sobre as declarações. Recentemente, retomou o assunto em outro vídeo. Nele, comentou que aumentou seu alcance nos últimos dias e que seria um dos seus conteúdos mais importantes. Começa o vídeo dizendo que ser empresário no Brasil é uma espécie em extinção por conta da carga tributária e instabilidades na economia e política.
"Temos que enfrentar críticas de todos os lados, onde tratam o empresário como um explorador", disse em vídeo. Para o fundador do G4 Educação, a jornada de empreender é árdua, solitária e muitas vezes desanimadora.
Vamos atingir a marca de mais de R$ 300 milhões de faturamento. Nós somos uma empresa, não somos uma ONG e precisamos gerar receita.
Tallis Gomes, fundador do G4 Educação em um vídeo no Instagram
Trabalho de 80 horas semanais é ilegal
Jornada de trabalho tem limitação de até 8 horas diárias e 44 horas semanais para trabalhadores contratados pela CLT. A Constituição Federal prevê que apenas escalas especiais fujam dessa regra, como plantões médicos.
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Quero receberDescanso faz parte das horas trabalhadas. Para as jornadas de trabalho acima de seis horas, deverá haver uma hora de intervalo para repouso e alimentação e, abaixo de seis horas, 15 minutos, explica a advogada trabalhista, Cintia Possas.
Em caso de horas extras, ou seja, trabalhar a mais do que o expediente, é necessário pagar. O pagamento é com adicional de 50%, para as horas extras realizadas de segunda a sábado e de 100% para as realizadas aos domingos e feriados. Os percentuais podem mudar conforme o acordo. Por exemplo, se a empresa adota o regime de compensação ou banco de horas.
De acordo com a CLT, é permitida a realização de até duas horas extras de trabalho por dia, devendo ser observadas as exceções previstas em lei.
Cintia Possas, advogada trabalhista
E para quem não tem carteira assinada?
A relação é diferente e não é protegida pela CLT. Quem rege e disciplina é o código civil, sendo uma relação entre duas pessoas no mesmo pé de igualdade, diferente do empregado, que é uma pessoa que está abaixo na relação. Essa prestação de serviços por pessoa jurídica é regulada por contratos específicos. É onde estarão dispostas as condições de trabalho.
Não existe, na lei, funcionário PJ. Ou ele é prestador de serviço, e tem poder de negociação, ou é funcionário, comenta Fernanda Razulevicius, advogada especialista em Direito Trabalhista.
Não há obrigatoriedade de cumprimento de jornada de trabalho. O tempo vai de acordo com a execução de atividades.
Trabalhador pode exigir vínculo. Se for verificada a configuração de uma relação empregatícia, tais como subordinação jurídica e pessoalidade, o trabalhador poderá pleitear vínculo empregatício, explica Possas. Subordinação é a ordem de trabalho que determina como o trabalho será realizado. E pessoalidade é que não substitui a pessoa que cumpre aquele papel. Por exemplo, se a pessoa trabalha todos os dias e cumpre ordens (subordinação) e não se faz substituir por outro pessoa (pessoalidade), é caracterizado como vínculo de emprego.
Acione o poder público
Trabalhador deve entrar com ação na Justiça do Trabalho. Se ficar constatado que a prática de contratar PJs como se fossem funcionários é recorrente, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar ação contra a empresa.
Se a Justiça reconhecer o vínculo empregatício em uma prestação PJ, o contrato poderá ser declarado nulo. O empregador poderá ser condenado ao pagamento de multa administrativa, bem como ao pagamento das verbas trabalhistas do período de vigência do contrato tais como férias com adicional de 1/3, 13º salário, FGTS e contribuição previdenciária.
As multas variam caso a caso. Como se trata de uma fraude trabalhista, as consequências podem ser de aproximadamente R$ 1.000 a R$ 3.000 de multa pela ausência do registro dessa pessoa, que deveria estar registrada e todas as verbas atinentes ao contrato de trabalho, diz Razulevicius. E caso o regime seja CLT e não pague as horas extras ou não tenha uma política de banco de horas, também é passível de multa e de reconhecimento dos direitos.
É preciso que a pessoa mova uma ação trabalhista e tenha o direito reconhecido para receber os valores. Caso contrário, não tem como.
Fernanda Razulevicius, advogada especialista em Direito Trabalhista
Essa multa é só pela ausência de registro e pode ser ainda maior. De acordo com Fernanda Razulevicius, o empresário vai ter que recolher FGTS de todo período, multa dos 40%, aviso prévio, pagar 13º de todos os anos e um terço de férias, caso não tenha pago. "Vai ter que pagar de forma retroativa todos os benefícios da convenção coletiva de trabalho que deixaram de ser pagos ao longo da prestação de serviços, além das multas", diz ela. "E claro, a empresa fica suscetível a multas do Ministério Público do Trabalho que perceber que esse é um comportamento padrão que a empresa está cometendo de forma indiscriminada."
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