Sete a cada dez moradores de favelas jogam nas bets

O avanço descontrolado das bets faz estragos ainda maiores nos bairros mais pobres do país. Essa é a constatação feita pelo Instituto de pesquisas Favela Diz, que entrevistou 1.352 moradores de comunidades brasileiras no mês de setembro e descobriu que 70% dessas pessoas fazem apostas esportivas online. Nesse grupo, quase metade joga diariamente.

O que a pesquisa descobriu

A mistura de ingenuidade com ambição está sendo explosiva nas favelas. Segundo a pesquisa, a maior parte dos apostadores está na faixa etária de 18 a 34 anos (86,5%). "Se um jovem já tem a tendência natural de se viciar em jogos, esse risco aumenta consideravelmente com dinheiro envolvido", comenta Marx Rodrigues, CEO do Favela Diz.

E os gastos são realmente impressionantes, mostra o instituto. Segundo os dados coletados nessas entrevistas, moradores das comunidades brasileiras gastaram mais de R$ 37 bilhões nos últimos doze meses, com uma média de R$ 3,1 bilhões por mês. A margem de erro da pesquisa é de 2,1%.

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Imagem: Arte/UOL

O bombardeio das propagandas

As pessoas apostam porque foram estimuladas por propagandas. A economista Carla Beni, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que um dos pontos mais prejudiciais dos aplicativos de apostas é o "bombardeio de marketing". "São peças publicitárias que prometem uma mudança de vida. Esses influencers e celebridades dos comerciais vendem o quê? Dinheiro rápido e ostentação, que é o que os jovens mais procuram. A pessoa quer ganhar para ostentar."

Alvos são pessoas suscetíveis aos exageros. "Pegam um público com grau de instrução mais baixo, majoritariamente mais imediatista e com dificuldade de se controlar. São pessoas que já acompanham esse fenômeno da ostentação e da exposição de riquezas e felicidade nas redes sociais, e que também buscam isso", afirma Marx Rodrigues, do Favela Diz.

Vício e desafio intelectual

O que começa como uma diversão pode virar um problema sério de saúde. O sociólogo e professor aposentado da USP José Pastore destaca que diversos estudos comparam a compulsão pelos jogos ao vício em cocaína. "E os desdobramentos para o dia a dia dessas pessoa são iguais. As bets, assim como as drogas, podem prejudicar a vida financeira, mas também a saúde mental de grupos que estão superexpostos aos jogos. Nada é mais fácil do que usar a internet do celular e um cartão de crédito para alimentar o vício."

Muitos se sentem desafiados pelos aplicativos de apostas. Pastore acredita que as bets atinjam de formas diferentes as classes sociais. "Para todo mundo, elas representa a chance de ganhar um trocado, mas isso tem apelo maior obviamente para pessoas pobres. Para quem tem dinheiro, o jogo é também um desafio intelectual, que testa seus conhecimentos esportivos e sua capacidade de vencer o sistema, de se superar", analisa o sociólogo. "Essa coisa da destreza é comum nos grupos com melhor condição financeira. A esperança seria para as classes baixas", explica.

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O que precisa ser feito para conter os danos


A proibição da publicidade, como ocorre com os cigarros, pode conter parte dos prejuízos. A economista Carla Beni, da FGV, questiona: "Se os bingos já foram proibidos, por que as casas de apostas online também não podem ser?". Para ela, a redução do marketing desses sites e a responsabilização criminal de empresas e celebridades que estimulam o vício nos jogos precisam ser considerados. "A decisão é política. O argumento dos defensores das bets de que elas existem no mundo inteiro, logo não podem ser contidas, vem de um discurso liberal de que o Estado não pode intervir na economia. O Congresso tem o dever de levar em conta a saúde da população e os riscos à economia."

Prejudicados por bets têm o direito de acionar a Justiça. O advogado Roberto Pfeiffer, especialista em Direito do Consumidor, diz que, "na hipótese de casas de apostas prometerem grandes retornos sem especificar que há o risco de a pessoa não conseguir nada ou receber menos do que foi prometido, o apostador pode processar essas empresas porque essa prática infringe o Código de Defesa do Consumidor." Pfeiffer acrescenta que, se ficar configurada a publicidade enganosa, é possível pedir a devolução de todo o valor dado nesses aplicativos.

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