Mês começa sob incerteza do dólar a R$ 6 e expectativa com reunião do Copom
Karla Dunder
Do UOL, em São Paulo*
02/12/2024 05h30
Pela primeira vez na história, o dólar comercial fechou a R$ 6,001, uma alta de 0,19% na semana passada, após ter chegado ao pico de R$ 6,11. O turismo teve valorização de 0,31%, para R$ 6,242. A alta foi resposta ao anúncio das mudanças na isenção do Imposto de Renda e o pacote de ajuste fiscal, que não agradaram o mercado.
Para especialistas ouvidos pelo UOL, dezembro promete ser um mês marcado por incertezas, com inflação e juros altos. No entanto, ainda é muito difícil prever os rumos do dólar a partir de agora.
A decepção com as medidas do Executivo transferiram boa parte do calor para o Congresso e para o Banco Central. Mas para entender a trajetória do dólar neste final de ano, as atenções estão voltadas para a próxima reunião do Copom. O mercado vai cobrar não apenas um aumento de no mínimo 0,75 ponto percentual na Selic, mas também um comunicado que renove de forma incisiva o compromisso de trazer a inflação para a meta, além da decisão unânime [entre os diretores do BC]. Voltar para R$ 5,50 já ficou distante. Qualquer sinal de que inflação acima da meta será tolerada pela nova diretoria do Bacen pode abrir caminho para a busca dos R$ 6,50.
Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad
O que esperar da semana
Elevado nível de incerteza. Para André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online, "há muitas incerteza em tudo o que está em jogo. É difícil fazer uma previsão sobre o câmbio".
Moeda deve continuar em alta. Essa é a expectativa de Galhardo e de Juliana Inhaz, professora de macroeconomia e macroeconometria e coordenadora da graduação em Economia no Insper. "Tenho a impressão de que o dólar deve continuar elevado, com possibilidade de alta. Até a votação do pacote de ajuste fiscal haverá uma certa demora, o que é normal, e a instabilidade e desconfiança seguem."
Expectativa com decisões do Copom que podem valorizar o real a longo prazo. "Acho que algumas coisas vão acabar influenciando a moeda brasileira. Uma delas, que joga a favor, é a possibilidade de um aumento mais contundente da taxa de juros na próxima reunião do Copom este mês", diz Inhaz. A reunião está prevista para os dias 10 e 11 de dezembro.
Até lá, o mercado deve "digerir" as propostas do pacote de ajuste fiscal. "O mercado vai digerir com um pouco mais de calma, de serenidade, as informações sobre o pacote fiscal", diz Inhaz. "Em alguma medida, vai levar em consideração o fato de que essas mudanças no Imposto de Renda virão mais adiante, quando nós tivermos mais informações a respeito da execução do pacote de corte de gastos."
Desvalorização do real deve seguir por um tempo. "Não vejo movimento de valorização do real imediato porque do outro lado da balança há Donald Trump, que afirmou estar inclinado a aumentar as tarifas aos países do Brics como resposta à iniciativa de criar uma moeda comum do bloco. Quando há um alívio das questões domésticas não podemos esquecer que o pano de fundo internacional, como no caso Trump, joga contra os países em desenvolvimento", conclui a professora.
Disparada do dólar
O dólar disparou após anúncio do pacote de ajuste fiscal. A leitura feita pelo mercado foi de que o pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não foi suficiente para retomar o equilíbrio fiscal do país, o que gera preocupação com o aumento da inflação e taxa de juros.
O anúncio do pacote fiscal veio na contramão do que se esperava. Como explica Inhaz: "O compromisso com o arcabouço fiscal está muito frágil e isso eleva o risco. O aumento do risco faz sair dinheiro do país. E assim o dólar subiu".
Agentes do mercado avaliam que pacote é "paliativo". O diagnóstico de especialistas em contas públicas é que o pacote não contém alterações estruturais no lado das despesas e que não será suficiente para impedir o aumento da dívida de forma sustentável, servindo apenas para dar um alívio e facilitar o atingimento das metas fiscais até 2026.
Anúncio simultâneo com a proposta de reforma do IR não agradou. O mercado torceu o nariz quando Haddad anunciou uma possível isenção para quem recebe até R$ 5 mil. A medida, conforme o governo, não teria impacto fiscal por ser compensada por um aumento da alíquota de quem recebe acima de R$ 50 mil. Para os especialistas, o anúncio em conjunto foi interpretado como fragilidade das pastas econômicas emcom relação ao núcleo político do governo.
Dólar chegou a ser cotado a R$ 6,11 durante o último dia 29. A cotação da moeda americana oscilou e só caiu após falas de líderes do Congresso.
Declarações de Rodrigo Pacheco que mexeram com o câmbio foram divulgadas em nota. Nela, o presidente do Senado afirma que o Congresso tem de apoiar, também, medidas de corte de gastos, ainda que não sejam populares. A ampliação da isenção do Imposto de Renda, no entanto, não é pauta para agora e dependerá de condições fiscais para se concretizar.
Arthur Lira reiterou o compromisso do Congresso com o arcabouço fiscal em postagem no X (antigo Twitter). O presidente do Congresso frisou que haverá celeridade na análise de propostas para ajuste das contas, mas que outras iniciativas, que implicam em renúncia fiscal, serão avaliadas com lupa. "Toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar", escreveu Lira.
O real pode ganhar um pouco de força à medida que o mercado compreenda a dimensão das medidas fiscais anunciadas, mas o governo precisará fazer um pouco mais. O Congresso mostrando disposição, como no fim da semana passada, pode ajudar também. A questão é endereçar mais fortemente uma solução ao problema fiscal. Não será rápido.Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e colunista do UOL
Efeito Trump
Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, promete uma política econômica protecionista. O republicano defende cortes agressivos de impostos e aumentos contundentes de tarifas de importação. Medidas que podem aquecer a economia americana e levar o Fed a aumentar os juros.
Tarifas mais altas para produtos da China, México e Canadá. Trump ameaçou impor novas e abrangentes tarifas de importação sobre todos os produtos do México e Canadá, além de criar taxas adicionais sobre as importações chinesas. A medida foi anunciada pela Truth Social e seria parte dos projetos do presidente americano de combater a imigração ilegal e o tráfico de drogas através das fronteiras americanas.
As tarifas, se implementadas, poderão potencialmente resultar num aumento dos preços para os consumidores americanos numa ampla variedade de itens, desde a gasolina até produtos agrícolas.
Em 20 de janeiro, como uma das minhas muitas primeiras ordens executivas, assinarei todos os documentos necessários para cobrar do México e Canadá uma tarifa de 25% em todos os produtos que entram nos Estados Unidos.
Donald Trump, presidente eleito dos EUA
Juros americanos altos tornam os Treasuries mais atrativos. O investimento mais seguro do mundo é o Tesouro americano. Se os juros dos EUA sobem, além de seguro, ele se torna muito rentável. Desta maneira, investidores do mundo todo tiram o dinheiro de aplicações mais arriscadas em países emergentes — e vão para os Treasuries. Resultado, um real mais desvalorizado.
Banco Central não deve agir
O Banco Central pode atuar para segurar o câmbio. A autarquia tem poder para colocar dólar no mercado e segurar a desvalorização do real.
Para isso, o BC faz leilões da moeda americana. Os principais instrumentos para isso são o leilão de dólar à vista, que é a venda da moeda diretamente, e o leilão de swap cambial, que permite que o investidor ganhe com a valorização do dólar sem ter que comprar a moeda, o que, na prática, reduz a pressão no câmbio.
Especialistas acreditam que medida seria "enxugar gelo". Analistas de mercado ouvidos pelo UOL afirmam que mais do que uma intervenção do Banco Central, é preciso que o governo melhore sua comunicação com o mercado e demonstre sua preocupação com o ajuste fiscal.
Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central, afirmou que autoridade monetária só irá intervir no câmbio se notar alguma disfuncionalidade no mercado. Galípolo conversou na sexta-feira com o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, e defende o câmbio flutuante.
O câmbio flutuante é uma ferramenta muito importante dentro do que é a matriz da política econômica brasileira para poder absorver choques como esse que estamos assistindo. O Banco Central está sempre acompanhando para entender se existe algum tipo de disfuncionalidade, mas não mira qualquer tipo de nível de câmbio.
Gabriel Galípolo, futuro presidente do BC
Ele também sinalizou que alta na inflação pode manter o patamar dos juros. Além da desvalorização do real, que pressiona a inflação, o mercado de trabalho também está aquecido, o que tende a aumentar o consumo e pressionar os preços. "Eventualmente (o BC) terá que ter o pé um pouco mais pesado no freio para não permitir um aquecimento da economia a ponto de pressionar a inflação". As declarações foram dadas durante almoço oferecido pela Febraban a autoridades monetárias.
*Com Agência Estado e Reuters