O que é verdade e o que é fake sobre as acusações contra carne brasileira?
A decisão da França de rejeitar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul levantou questões sobre a qualidade da carne brasileira. O Brasil foi acusado de usar 145 pesticidas proibidos na Europa, além de utilizar indiscriminadamente antibióticos e desmatar áreas da Amazônia para criação de gado. Mas o que há de verdade nessas acusações?
Uso de pesticidas
A denúncia sobre 145 pesticidas utilizados no Brasil, mas banidos na União Europeia, é verdadeira. De fato, o Brasil adota uma legislação mais permissiva quanto ao uso de agrotóxicos, incluindo substâncias já proibidas em diversos países.
De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), pelo menos 37 dos agrotóxicos registrados no governo Bolsonaro são proibidos nos Estados Unidos e na União Europeia por serem tóxicos. Quando se considera os ingredientes ativos, o número cresce: 44% dos 475 agrotóxicos registrados no Brasil em 2019 foram banidos nos países europeus, segundo um relatório do Greenpeace.
Os pesticidas, no entanto, não estão relacionados à produção de carne. No Brasil, a utilização deles acontece principalmente no cultivo de soja, milho, eucalipto (para reflorestamento) e cana-de-açúcar.
Essa diferença de regulação no uso de pesticidas entre os blocos ocorre devido a regulamentações distintas, que refletem prioridades econômicas e critérios de avaliação de riscos. O que não quer dizer que todos os alimentos brasileiros são contaminados ou apresentem riscos à saúde, já que há normas locais de segurança alimentar.
Uso de antibióticos
Os antibióticos são usados na pecuária para prevenir doenças em ambientes de criação intensiva, mas também podem levar ao desenvolvimento de bactérias resistentes, uma preocupação global. No entanto, as normas brasileiras proíbem o uso de antibióticos como promotores de crescimento desde 2016 através da Instrução Normativa nº 26/2016 do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).
Relação com o desmatamento
A agropecuária é o principal agente de expansão da fronteira agrícola sobre os biomas brasileiros e grande responsável pela contribuição do país na emergência climática, de acordo com o relatório "Bancando a extinção", do Greenpeace. Isso ocorre devido à expansão de pastagens em áreas previamente florestadas, uma prática documentada por diversas organizações. Essa conexão é um ponto central nas críticas ao acordo entre Mercosul e União Europeia, que, para países como a França, comprometeria metas climáticas e de conservação.
O desmatamento para abrir pastos para criação de gado continua. Entre 2012 e 2022, 129 mil km² da Amazônia viraram pasto ou lavoura, de acordo com o Mapbiomas. E isso tem relação direta com emissões de gases de efeito estufa: a categoria "mudança do uso da terra" foi responsável por 48% das emissões do país e a agropecuária, sozinha, responde por 27% do total em 2022, de acordo com dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa).
Gases de efeito estufa. Além do desmatamento derrubar árvores que absorveriam gases de dióxido de carbono, a criação de gado também é uma grande poluidora. Isso porque, durante seus processos digestivos, o gado emite metano, um gás que causa ainda mais estragos no efeito estufa. Calcula-se que a agropecuária seja responsável por 75% das emissões de gases relacionados ao aquecimento global.
Fake news e distorções
Embora as denúncias sejam baseadas em questões reais, é importante notar que nem toda carne brasileira é produzida em áreas desmatadas ou com práticas não sustentáveis. O Brasil já tem programas de certificação e rastreamento da carne que começam ainda na fazenda com o boi vivo, o que demonstra que há esforços para adotar práticas mais responsáveis no setor.
A Carne Carbono Neutro (CCN), por exemplo, é uma certificação brasileira desenvolvida pela Embrapa para promover uma produção de carne bovina sustentável, que compensa as emissões de gases de efeito estufa associadas à pecuária. O sistema utiliza práticas como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e sistemas silvipastoris, onde árvores cultivadas nas áreas de pastagem capturam carbono da atmosfera, neutralizando as emissões de metano dos bovinos. Além disso, a CCN envolve critérios rigorosos de manejo sustentável, rastreabilidade e bem-estar animal.
O que é o acordo?
O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul vem sendo negociado há 25 anos. Na semana passada, em um debate de mais de quatro horas no Legislativo francês, deputados lançaram duros ataques contra a carne brasileira, acusando-a de ser "tóxica e cancerígena para os consumidores europeus". Um dos parlamentares ainda alertou sobre o "lixo" que chegaria aos pratos dos franceses se a UE abrisse seu mercado.
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Quero receberO que está em jogo? Para negociadores do Mercosul, o que a França faz é usar esses elementos como justificativa para barreiras comerciais e um protecionismo histórico aos agricultores do país. Para membros do governo brasileiro, a postura de Paris é "cínica" e "demagógica", já que a França é hoje o sexto maior exportador agrícola do mundo e depende da abertura de mercados.
Incidente diplomático. A situação fez o Carrefour cessar a importação de carne brasileira e causou um problema diplomático, que acabou com uma carta de retratação da empresa para retomar o abastecimento.
Enquanto o Carrefour e os produtores brasileiros se enfrentavam, agricultores na França tomavam as ruas do país contra o acordo de livre comércio. Eles dizem que o acerto abre uma concorrência desleal da carne brasileira e argentina no mercado francês. Isso porque os padrões sociais e ambientais exigidos pelo bloco para a produção agropecuária não se aplicariam aos parceiros comerciais, permitindo a entrada de alimentos mais baratos.
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