Como tarifaço de Trump chegou até mesa do bar e virou 'batalha alcoólica'

A guerra comercial travada pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump chegou à mesa do bar. Mas não para resolver o problema. Depois do aço e do alumínio, as bebidas alcoólicas são o novo alvo de ameaças de taxações pelos EUA.

Analistas ouvidos pelo UOL consideram que o presidente americano voltou as atenções para esses produtos por conta da balança comercial.

O que aconteceu

A "briga de bar" começou com a Europa anunciando taxa para o uísque bourbon importado dos EUA. A bebida deve ser taxada em 50% a partir de 1º de abril. Medida é uma retaliação aos 25% de taxa de importação de aço e alumínio.

Trump ficou irritado com anúncio e contra-atacou. Em uma publicação na rede social, escrevendo em caixa alta, presidente americano anunciou que pode determinar taxa de 200% em vinhos, champanhes e produtos alcoólicos da França e outros países da União Europeia "em breve". EUA compram 16% da produção francesa de champanhe, por exemplo. Estimativas apontam que os preços desses produtos podem triplicar, se as taxas forem aplicadas na totalidade.

O Canadá resolveu entrar na briga, mas sem taxas. Em fevereiro, a província de Ontário mandou retirar todos as bebidas alcoólicas americanas das lojas da LCBO (Liquor Control Board of Ontario), uma das maiores atacadistas de álcool da província. Assim, os varejistas não podem repor os estoques. Na mesma semana, províncias de Scotia e Colúmbia Britânica também adotaram medidas semelhantes, obrigando comerciantes a retirar as bebidas das prateleiras.

Trump escolheu bebidas alcoólicas bastante importadas pelos Estados Unidos. A avaliação é de Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e partner da Saygo Comex. "Vinhos, espumantes, principalmente região da França, Itália, Espanha, Portugal, vão sofrer essa taxação, exatamente numa tentativa do governo Trump de que a União Europeia volte atrás e não taxe os produtos americanos", afirma.

Protecionismo também é motivo para taxação recíproca. Apesar da família Trump ter uma vinícola no estado da Virgínia, a especialista em comércio exterior não acredita que esse tenha sido o motivo para o presidente direcionar taxas às bebidas alcoólicas. Ela vê um efeito de reciprocidade porque o uísque foi taxado na Europa. "É uma forma também de fazer com que essas indústrias pressionem os governos locais para desistir da taxação, que eles voltem atrás. Também para mostrar um pouco mais de poder", pondera.

Os Estados Unidos, nesse momento, não podem ficar voltando muito atrás nas questões sem um motivo. Então o governo precisa fazer com que esses países recuem para que ele também possa recuar e diminuir os valores das alíquotas ali impostas
Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e partner da Saygo Comex

Europa escolheu um produto "sensível" para "contra-atacar" a taxação do aço e alumínio. Para Leandro Sobrinho, sócio da Davila Finance e especialista em relações com investidores, esse tipo de guerra comercial não é novidade e tem um impacto direto nos setores produtivos. "O objetivo final do governo americano é incentivar a produção e o consumo interno", analisa.

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Historicamente, quando há esse tipo de escalada tarifária, as partes acabam negociando e ajustando as medidas para minimizar danos mútuos, e é possível que isso aconteça novamente.
Leandro Sobrinho, sócio da Davila Finance e especialista em relações com investidores

Brasil não deve sentir efeitos imediatos desta "briga de bar" - pelo menos com a cachaça. Em 2023, o setor exportou aos EUA um total de US$ 4,6 milhões —apesar do país ser o terceiro maior consumidor em volume da bebida, com 1,07 milhão de litros, perdendo para Paraguai e Alemanha. Os dados são do Anuário da Cachaça do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária).

Posição de não retaliação das taxas conta como ponto positivo. Os dois especialistas concordam que não há nenhum indicativo de que a cachaça seja sobretaxada neste momento, já que o foco da vez de Trump é a Europa. "Mas, o Brasil precisa acompanhar de perto os desdobramentos dessa disputa para entender se haverá reflexos mais amplos em outras áreas do comércio bilateral", alerta Sobrinho. "Estamos indo com muita cautela, e essa cautela a gente pode sim ser beneficiado", complementa Stefânia.

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