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Crise na Argentina dificulta acordo Mercosul/UE e inviabiliza livre comércio de veículos, diz fonte

Rodrigo Viga Gaier

17/08/2018 09h40

RIO DE JANEIRO (Reuters) - A crise econômica na Argentina está dificultando a conclusão das negociações que se arrastam há cerca de duas décadas entre Mercosul e União Europeia, afirmou uma fonte do governo brasileiro próxima das discussões.

Além disso, a instabilidade argentina é uma barreira praticamente intransponível para a criação de um regime de livre comércio com o Brasil no setor automotivo a partir de 2020, disse a fonte que pediu anonimato.

Uma reunião entre representantes do Mercosul para tratar do acordo com os europeus está marcada para o fim deste mês em Brasília e a expectativa é que uma rodada contando com a presença de negociadores da UE possa ocorrer no mês que vem no Uruguai.

Para interlocutores brasileiros, um acordo entre UE e Mercosul nunca esteve tão próximo dados os avanços obtidos em reuniões técnicas dos dois blocos sobre temas ligados a produtos agrícolas, destaques da pauta exportadora sul-americana e de produtos industriais, principais produtos dos europeus.

Mas a fragilidade econômica da Argentina, que enfrenta forte desvalorização cambial além de um crise institucional com escândalos de corrupção envolvendo integrantes de governos anteriores e do Congresso local, estão desestabilizando as negociações.

"Ficou mais difícil fechar um acordo (com a Argentina e UE) nessa situação", disse a fonte. "Não ficou inviável, mas mais complicado", adicionou a fonte.

Representantes do governo brasileiro apostavam que agosto seria um prazo limite para um acordo entre os blocos comerciais, mas diante das dificuldades da Argentina e da necessidade de vontade política de ambos os lados, essa data não será mais cumprida.

Além do comércio automotivo, na pauta das tratativas estão discussões geográficas, definição do critério de origem dos produtos e transporte marítimo das mercadorias que serão transacionadas pelas partes.

Mesmo que um acordo possa ser fechado este ano e um acerto político seja feito em seguida, a redação técnica do pacto comercial entre os blocos ainda levará alguns meses. O texto do acordo ficaria para ser aprovado no Brasil pelo próximo Congresso que será formado a partir das eleições deste ano.

"Faltam poucos pontos de convergência com a posição da Europa, mas diante desse cenário da Argentina ficou mais complicado", disse a fonte.

Na questão automotiva, os europeus estão irredutíveis em sua posição. O nó da negociação está na definição de partes e peças de um automóvel e percentual de origem desses produtos intra e extra blocos.

"Pela situação da Argentina, pode parecer que estamos (Mercosul) precisando mais de um acordo que eles (UE). Eles se prenderam em suas posições e não estão flexíveis, mas querem que a gente flexibilize, por exemplo no setor agrícola", disse a fonte.

Sem automotivo com Argentina

A crise no país vizinho também inviabilizou o fechamento de um acordo para a criação de uma zona de livre comércio entre Brasil e Argentina no setor automotivo. O acordo atual, com regras e parâmetros para a exportação de veículos entre os países vence em 2020.

Nos últimos anos criou-se a expectativa de que um acordo de livre comércio poderia ser discutido e selado, mas segundo a fonte não será em 2020 que ele vai poder se concretizar.

"Tem que ser claro: só vamos para livre comércio quando a Argentina tiver condição de cumprir esse acordo direito", disse a fonte. "É melhor fazer em fases e reequilibrando acordo a acordo, dando conforto...Enquanto a Argentina não tiver condição estrutural e econômica não dá fazer", acrescentou.

A Argentina é o principal destino de exportações brasileiras de veículos e autopeças. No início do ano, 75 por cento das vendas externas do Brasil no setor foram para o país vizinho, um volume de 253 mil veículos, afirmou a associação de montadoras Anfavea em maio. De lá pra cá, após a Argentina elevar os juros no país para 45 por cento, os embarques caíram e obrigaram a Anfavea a rever suas estimativas para o ano.

Guerra comercial

A fonte afirmou que dados da balança comercial já apontam para um ganho por parte do Brasil com o acirramento da disputa comercial entre Estados Unidos e China, mas avalia que estes ganhos são de curto prazo.

De imediato, o Brasil tem se beneficiado com o aumento das exportações de soja, um dos principais produtos da pauta agrícola exportadora nacional e que tem os Estados Unidos como principal concorrente. Com barreiras impostas ao produto norte-americano, o Brasil tem aumentado os embarques de grãos para a China.

Mas, no médio e longo prazos, esse cenário não deve persistir, segundo a fonte. Isto porque o acirramento do protecionismo causará menor crescimento global, menos demanda de produtos agrícolas e preços mais baixos. A soja brasileira está embarcando com um certo bônus de preço por conta dessa preferência chinesa ao produto nacional, disse a fonte.

"Esperamos uma solução para a guerra comercial para não sermos afetados? temos sim preocupações", disse a fonte ao destacar que o governo brasileiro vem tentando uma maior penetração de derivados da soja, como óleo de soja, no mercado chinês via sistema de cotas.

Enquanto isso, o Brasil segue negociando com a China uma derrubada de sobretaxas do país sobre carne de frango e açúcar brasileiros, mas já há uma aval do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) para um estudo sobre a medida da China. A possibilidade do governo brasileiro mover uma ação contra a China na Organização Mundial de Comércio (OMC) está em análise.

"É evidente que não há dumping nosso no mercado chinês e esperamos que isso seja resolvido, mas caso não seja, o Brasil não descarta nenhuma possibilidade", acrescentou a fonte. Nesta sexta-feira, a China anunciou que estendeu por seis meses a investigação da prática de dumping nas exportações brasileiras de frango para o mercado chinês.

Em outra frente, o Brasil está negociando a reabertura da Rússia para a carne brasileira. A Rússia impôs restrições ao produto brasileiro após a operação Carne Fraca, da Polícia Federal, ter levantado dúvidas sobre os processos de fiscalização do produto vendido no exterior.

Segundo a fonte, os russos têm feito algumas exigências para derrubarem as restrições à carne brasileira. O país é um grande exportador de carne suína para a Rússia e para tentar retomar uma relação normal nesse mercado, pode flexibilizar a entrada de bacalhau russo. "O comércio é feito de gestos e trocas desde que não hajam barreiras sanitárias você vai construindo soluções para eliminar essas barreiras", disse a fonte ao destacar que novas concessões em outros setores podem facilitar o fim do embargo russo à carne nacional.