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ENFOQUE-Guerra judicial no mercado de energia impulsiona operações lucrativas e polêmicas

14/09/2018 18h15

Por Luciano Costa

SÃO PAULO (Reuters) - Uma guerra judicial que deixou bilhões de reais em pagamentos em aberto no mercado de eletricidade tem possibilitado a algumas comercializadoras de energia a realização de lucrativas, porém controversas operações, que aproveitam distorções geradas pelas disputas nos tribunais, disseram à Reuters especialistas e operadores a par do assunto.

Os valores não pagos e ações na Justiça fizeram com que a liquidação de operações do mercado de curto prazo, um acerto de contas entre empresas de energia, visse um grupo equivalente a 1 por cento dos agentes do setor receber 83 por cento dos créditos que acumularam no mercado nos últimos 12 meses, disse a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Enquanto isso, milhares de agentes com valores a receber embolsaram apenas 9 por cento do que deveriam no período, situação que piorou nos últimos três meses, quando não receberam nada.

Em meio a esse cenário, os poucos que conseguem acessar créditos nas liquidações da CCEE, por estarem amparados por decisões judiciais, têm muitas vezes aproveitado para comprar energia com desconto dos que não conseguem receber e acumular créditos, no que alguns já chamam de um "mercado de liminares", situação com origem numa briga iniciada por hidrelétricas que questionam custos com o chamado "risco hidrológico".

"Quem já tem prioridade (pela liminar) negocia com quem está precisando receber... Isso já está criando um mercado das liminares, é uma coisa muito doida, muito problemática", disse à Reuters o especialista em comercialização Alexandre Street, professor da PUC-RJ, sem citar empresas.

Uma fonte com conhecimento das operações disse que quem consegue aproveitar melhor a distorção são comercializadoras, principalmente as de grandes grupos financeiros e com acesso a caixa e assessores jurídicos de peso, como a unidade de negociação de energia do banco BTG Pactual, a Nova Energia, do banco Macquarie, e a Clime Trading, da RR Participações.

As comercializadoras compram a energia de terceiros que não conseguem receber na CCEE mediante taxas de desconto hoje próximas de 5 por cento, mas que já foram mais altas quando menos empresas tinham liminares para prioridade nas liquidações, adicionou a fonte, sob a condição de anonimato.

Elas pagam os clientes, às vezes antecipadamente, e acumulam seus créditos na CCEE, onde conseguem recuperar o valor e mais alguma margem.

Uma fonte familiarizada com a visão das empresas disse que elas entendem que as transações são totalmente legais, envolvem compra de energia, e não de créditos, e apenas buscam garantir os resultados de suas operações diante de um mercado à beira de uma paralisação.

"Essa operação não é totalmente livre de riscos, a liminar pode cair, os pagamentos na CCEE podem travar totalmente", argumentou a fonte, que falou sob anonimato devido à sensibilidade do tema.

A fonte adicionou que as comercializadoras entendem que o problema tem origem nas liminares dos geradores e que esse deveria ser o alvo das polêmicas.

Procurada, a CCEE disse que "segue atuando na esfera jurídica e administrativa para garantir o tratamento isonômico dos agentes" e que "a judicialização de forma geral não é saudável para o mercado". A instituição recusou-se a comentar as operações de desconto ou nomes de empresas envolvidas.

Procurados, o BTG Pactual e a Nova Energia não quiseram comentar o assunto. Não foi possível contato com representantes da Clime Trading.

CONTROVÉRSIA

A falta de pagamentos para os acertos com os credores começou após ações em que operadores de hidrelétricas conseguiram se isentar de custos com o "risco hidrológico", quando precisam comprar energia mais cara no mercado para cumprir contratos devido à menor produção das usinas por questões como o baixo nível dos reservatórios.

Mas a situação levou as empresas que têm créditos nas liquidações mensais da CCEE a buscarem liminares que lhes garantem prioridade, o que ampliou os desequilíbrios conforme as decisões beneficiam um grupo ainda muito pequeno dentre o total de agentes do mercado.

Além das comercializadoras, geradores também têm sido favorecidos neste "mercado de liminares", uma vez que compram energia com deságio para cobrir seu risco hídrico, enquanto usinas eólicas e de biomassa em geral são as mais prejudicadas, porque ficam sem receber quando sua geração fica além do que precisariam produzir por contrato.

"Essas imperfeições privilegiam aqueles que têm porte, advogados, capital... é uma alta barreira de entrada no mercado... é uma situação de caos venezuelano no setor elétrico", brincou Street, da PUC-RJ.

As operações levantam controvérsia principalmente entre os agentes que não são beneficiados pelas liminares, mas ao mesmo tempo, lembra Street, permitem que empresas com dificuldade de caixa consigam receber, mesmo que com descontos de receita.

"Um mercado é isso, é deixar as pessoas usarem a criatividade para resolver os problemas que um agente centralizador não consegue... e às vezes tem certas distorções. Mas o mercado faz isso, está 'dando um jeito'", explicou.

"O que a gente vê hoje é um grande desequilíbrio, muitos credores estão sem receber. Esse buraco continua e tende realmente a aumentar. À medida que alguns agentes mantêm suas liminares e recebem integralmente e outros não, isso tende a virar uma bola de neve", disse a sócia do escritório de advogados Mattos Filho, Maricí Giannico, especializada em contencioso na área de energia.

"Deveria ser dado algum tratamento igualitário a todos credores --ou todo mundo recebe o devido, a integralidade, ou todo mundo recebe proporcionalmente", defendeu.

(Por Luciano Costa)