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Reestruturação da Gol enfraquece direitos dos minoritários da Smiles

Ana Paula Ragazzi e Tatiana Bautzer

17/10/2018 09h31

SÃO PAULO (Reuters) - A planejada incorporação da Smiles pela Gol num negócio pago com dinheiro e ações vai forçar os acionistas minoritários da empresa de redes de fidelidade de clientes a receberem ações da Gol com direito de voto menos abrangente do que tinham, segundo documentos relacionados à transação e cinco fontes com conhecimento do assunto.

As ações da Smiles despencaram 40% na segunda-feira, depois do anúncio da transação, com minoritários enfrentando a incerteza em relação ao preço estabelecido para a companhia.

A Smiles é listada no Novo Mercado da B3, que proíbe a estrutura societária comum com grande volume de ações preferenciais sem direito a voto e um pequeno número de ações ordinárias com direitos votantes para os controladores. No Novo Mercado as empresas podem ter apenas ações ordinárias e só podem ser adquiridas em dinheiro ou ações de empresas também listadas no segmento ou com nível de governança semelhante.

Mas essa é a estrutura de capital da Gol, na qual todas as ações com direito a voto são controladas pela família do fundador Constantino de Oliveira Junior por meio de um veículo de investimento chamado Volluto, para atender a restrições legais de participação de investidores estrangeiros em companhias aéreas brasileiras. Outras participações, incluindo uma fatia de 12% detida pela Delta Air Lines,correspondem a ações preferenciais.

Sob a nova estrutura pretendida pela Gol, a companhia aérea vai migrar para o Novo Mercado após a incorporação da Smiles. Compradores listados em outros segmentos da B3 são obrigados a fazer oferta em dinheiro aos minoritários para deslistagem, como a usada pela Latam para incorporar seu programa de fidelidade Multiplus. Uma transação como essa seria difícil para a Gol, que tem R$ 600 milhões em caixa e dívida líquida ajustada de R$ 12,1 bilhões. A Smiles tem um valor de mercado de R$ 3,9 bilhões atualmente.

Direito de voto

A Gol listada no Novo Mercado oferecerá aos investidores detentores de suas ações ordinárias direitos formais de voto. Mas a companhia listada terá como único ativo ações referenciais da GLA, a companhia operacional que controlara as atividades da companhia aérea e do programa de fidelidade Smiles.

Isso representa uma redução dos direitos dos atuais acionistas da Smiles, que são donos da empresa operacional de fidelidade e têm direito de voto relativo às decisões da administração da companhia. Na Gol listada no novo mercado, os acionistas não terão direito de voto diretamente na empresa operacional. Em parte, a estrutura atende às restrições da legislação brasileira sobre propriedade estrangeira de linhas aéreas nacionais.

Um dos acionistas da Gol que pediu para não ser identificado afirmou que tal estrutura é inédita no Novo Mercado e pode abrir espaço para questionamento de investidores. "O Novo Mercado deveria representar uma estrutura de governança melhorada",afirmou a fonte.

Outros acionistas reclamaram sobre a decisão da Smiles em março, que cortou a distribuição de dividendos da empresa de 100% para 25% do lucro. Na ocasião, analistas disseram que a decisão fortaleceria a liquidez da Gol.

Queda de quase 60%

As ações da Smiles acumulam queda de quase 60% desde então, incluindo o tombo de segunda-feira, e alguns acionistas estão questionando o quanto as quedas recentes vão afetar a taxa de conversão por ocasião da troca de ações. Entre os maiores acionistas da Smiles estão fundos administrados por Baron Capital, Morgan Stanley e XP Gestão.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu uma análise formal da operação pretendida pela Gol, mas ainda não identificou qualquer irregularidade, disse uma fonte com conhecimento do assunto. A fonte acrescentou que até a terça-feira nenhum acionista fez uma reclamação formal ao regulador.

A Gol afirmou em resposta a questionamentos da Reuters que todos os detalhes da transação são legais e não há espaço para questionamento por minoritários. "Quanto ao racional da transação, acreditamos que nosso movimento está em linha com decisões recentemente tomadas por outras linhas aéreas e a constante mudança no cenário competitivo do setor de fidelidade", afirmou a companhia.