Brasil testa restrições por coronavírus; Bolsonaro fala em histeria
Por Lisandra Paraguassu e Rodrigo Viga Gaier
BRASÍLIA/RIO DE JANEIRO (Reuters) - No domingo em que o país chegou a 200 casos confirmados de coronavírus, um aumento de 65,3% em um dia, as imagens que marcaram o final de semana foram do presidente Jair Bolsonaro em meio a manifestantes e de praias e bares cheios pelo país, em uma demonstração da dificuldade dos brasileiros em aceitar a necessidade de isolamento para conter a epidemia.
O aumento recente de casos, mesmo se mantendo ainda em níveis razoavelmente baixos e sem óbitos, levou os governos estaduais e aumentar medidas de restrição de circulação, seguindo recomendações do Ministério da Saúde. Mas, ao mesmo tempo em que os brasileiros correm aos supermercados em busca de estoques de alimentos e álcool gel, alguns milhares de pessoas se reuniram nas ruas para protestar contra o Congresso e o Judiciário, com apoio do governo.
Instado por seus ministros a tentar demover os protestos em favor de seu governo, o presidente fez uma tentativa morna em pronunciamento na última quinta-feira. No entanto, passou o domingo publicando imagens das manifestações pelo país em suas redes sociais, o que foi visto como mais um incentivo aos atos.
No início da tarde, deixou o isolamento recomendado pelos médicos --pelo menos 11 pessoas de sua comitiva aos Estados Unidos foram contaminadas pelo coronavírus-- e, em frente ao Palácio do Planalto, passou quase duas horas cumprimentando, conversando e tirando fotos com manifestantes.
A confraternização, contrária a todas as recomendações de saúde em meio a uma epidemia, foi transmitida ao vivo das redes sociais do presidente. Em sua defesa, Bolsonaro afirmou mais tarde, em entrevista à rede CNN, que é um "representante do povo" e que "muitos pegarão isso", mesmo tomando cuidados.
Bolsonaro disse ainda que não se pode entrar em uma "neurose" por causa da epidemia e que há interesses econômicos por trás do que chama de "histeria" com o coronavírus.
Entre os manifestantes, teorias de conspiração, como as de que o vírus não faz mal e foi criado pelos chineses para ganhar dinheiro no mercado internacional, eram cantadas em carros de som e distribuídas nas redes sociais.
No Rio de Janeiro, as praias lotaram como em qualquer domingo de sol, apesar do decreto estadual que proíbe aglomerações. "Acho que tem muito alarmismo nesse negócio de coronavírus", afirmou a aposentada Lúcia Silva.
Nesta segunda-feira, o Corpo de Bombeiros, com carros de som, no calçadão, começou a pedir as pessoas que fossem para casa. O governador do Estado, Wilson Witzel, já afirmou que pode mandar a Polícia Militar interditar as praias do Estado.
CORRIDA AO SUPERMERCADO
Ao mesmo tempo, muitas pessoas correram para os supermercados para estocar produtos diante do avanço do coronavírus. O movimento nas grandes redes começou a ganhar força já na sexta-feira, quando o decreto de isolamento social foi publicado.
"Nunca teve tanta gente aqui. Já não tem carne, farinha e outros produtos. Mas os estoques estão sendo repostos”, disse uma funcionária de uma rede de supermercados.
A Associação de Supermercados do Rio afirmou que não há motivos para corre-corre ou risco de desabastecimento. "Estamos preparados para atender a população nesse momento de crise e faço apelo para que não corram desesperadamente para as lojas", disse o presidente da entidade, Fábio Queiroz.
Apesar das dificuldades de manter as pessoas em casa, governos estaduais começaram na semana passada a editar medidas do que tem sido chamado "distanciamento social". Diversos Estados decidiram suspender aulas nas redes públicas de ensino, entre eles São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, além do Distrito Federal.
Em São Paulo, o governador João Doria decretou que todos os funcionários com mais de 60 anos, com exceção das áreas de saúde e segurança, irão trabalhar de casa. Também recomendou a suspensão das atividades em cinemas, teatros e casas de shows.
No Distrito Federal, além das escolas, o governo decretou o fechamento de academias e suspendeu o repasse do chamado passe escolar -- os recursos para estudantes pagarem passagens de ônibus.
As medidas tentam diminuir a circulação de pessoas, já que as aglomerações são as maiores responsáveis pela transmissão do vírus. Ônibus e metrôs, sempre lotados, são fatores de risco.
Em São Paulo, como no Rio de Janeiro, usuários notaram uma diminuição do número de pessoas nos transportes públicos e um aumento no uso de transporte particular, para quem pode pagar.
A Supervia, empresa de trens urbanos do Rio de Janeiro, informou à Reuters que registrou na manhã desta segunda-feira uma queda de 18% no número de passageiros, o equivalente a 36 mil passageiros, e começou um trabalho de desinfecção permanente dos trens.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) decidiu suspender os campeonatos em andamento no país a partir dessa semana, e diversas empresas passaram a recomendar que seus funcionários trabalhem de casa. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, suspenderam as sessões presenciais.
Parlamentares pressionam os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), a suspenderem as sessões das duas Casas -- uma decisão ainda não tomada.
No Executivo, no entanto, pouco foi mudado. Com a resistência do presidente Jair Bolsonaro a encarar com seriedade a epidemia, a maioria dos servidores ainda está em trabalho presencial, inclusive com reuniões.
No Palácio do Planalto, de onde seis funcionários estão afastados por contaminação --inclusive o secretário de Comunicação, Fábio Wajngarten, e seu sub, Samy Liberman--, servidores só podem ficar em casa com licença médica. Consultado, o Gabinete de Segurança Institucional confirmou que nenhuma medida preventiva foi tomada, além de manter em quarentena os servidores que tiveram contato com os infectados.
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