ENFOQUE-Cortes na produção de carnes dos EUA podem favorecer vendas do Brasil à China
Por Nayara Figueiredo
SÃO PAULO (Reuters) - A paralisação de várias grandes processadoras de carnes nos Estados Unidos por causa do coronavírus deve fazer com que o país priorize a abastecimento interno e reduza embarques para a China e demais países asiáticos, abrindo espaço para que os exportadores do Brasil avancem nestes mercados.
Os EUA são os principais concorrentes do Brasil, maior exportador de carne bovina e de frangos e o quarto do mundo em cortes suínos. E as companhias brasileiras não verificam, pelo menos por ora, os problemas relevantes devido ao coronavírus que atingem a indústria norte-americana.
A estrutura de produção brasileira, muito mais pulverizada e com plantas menores que nos EUA, seria uma vantagem competitiva, já que menos trabalhadores por planta estariam expostos à doença.
O segmento brasileiro de suínos tende a ser o mais beneficiado, seguido pelo da proteína bovina, considerando que os fechamentos de plantas americanas foram nessas áreas.
"Podemos pegar uma fatia de mercado que é dos americanos na China e Ásia... Sobra para nós um espaço (para aumentar as exportações) em suínos, porque eles (EUA) deixam de exportar tanto no atual cenário", disse o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra.
O chefe da ABPA evitou fazer uma projeção de quanto o Brasil poderia embarcar a mais para o mercado da China, que já é de longe o maior comprador de carnes brasileiras.
Um executivo de uma grande indústria de carne bovina do Brasil concordou que a conjuntura favorece os brasileiros
"O fechamento das plantas americanas pode ajudar na competitividade (do Brasil) com China. Os EUA vão privilegiar o mercado interno no caso de redução da oferta", afirmou ele, na condição de anonimato.
Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgados nesta quinta-feira mostraram redução nas vendas semanais de exportação de carnes suína e bovina do país, com destaque para diminuição nas vendas aos asiáticos.
Ainda não há clareza, entretanto, se esta redução das vendas semanais está associada aos fechamentos de unidades, que se acentuaram nesta semana.
A Tyson Foods anunciou na quarta-feira a suspensão por prazo indefinido das operações de sua maior unidade de suínos nos EUA, em Waterloo, Iowa, em meio a casos de coronavírus entre os trabalhadores. Outra unidade de suínos da empresa, em Logansport, em Indiana, também será fechada.
Nesta quinta-feira, maior produtora de carnes dos EUA, anunciou o fechamento temporário de uma unidade de bovinos no Estado de Washington, para que funcionários possam ser testados.
Também nesta semana, a concorrente JBS USA anunciou o fechamento por período indeterminado de uma instalação de abates de suínos localizada em Minnesota, que produz nada menos que cerca de 5% da carne suína do país, devido à pandemia.
Ainda no segmento de suínos, a Smithfield Foods fechou fábricas por decorrência do contágio do vírus entre os funcionários. A JBS e a National Beef encerraram as atividades de unidades produtoras de carne bovina.
O relatório do USDA mostrou que os exportadores norte-americanos venderam 39,8 mil toneladas da proteína suína na semana encerrada no dia 16 de abril, recuo de 13% em relação à semana anterior e de 11% ante a média das últimas quatro semanas.
A China foi a segunda maior compradora e adquiriu 25% do total comercializado pelos EUA na semana até o dia 16, com 9,7 mil toneladas. No entanto, este volume representa queda de 40,8% em relação às 16,4 mil toneladas adquiridas na semana anterior.
As vendas de exportação norte-americanas de carne bovina caíram 45% na semana até o dia 16, em relação à semana anterior, para 11,2 mil toneladas. Ante a média das últimas quatro semanas, a baixa foi de 35%, informou o relatório do USDA.
"A redução da participação dos americanos no mercado internacional ajuda o Brasil... Só não acredito que falte carne para o consumo interno nos EUA ou que possam demandar a proteína brasileira para complementar a oferta local americana", avaliou o sócio diretor da consultoria Athenagro, Maurício Palma Nogueira.
"Pode faltar algum corte de preferência, mas a chance de desabastecimento mais sério é minúscula. As unidades que foram fechadas também não ficarão nessa situação para sempre", pontuou.
Apesar da pandemia da Covid-19 também ter atingido o Brasil, o diretor da Athenagro ressaltou que é baixa a possibilidade de que a situação dos frigoríficos norte-americanos se replique na indústria brasileira.
"No Brasil, trabalhamos com muita ociosidade e as plantas são de tamanho menor, em relação às americanas... Não passamos por esse risco", disse Nogueira sobre a hipótese de mudança na pauta de exportações para garantir o abastecimento interno.
Já o presidente da BRF, Lorival Luz, foi mais cauteloso que o analista e o dirigente da ABPA. Ele disse à Reuters nesta semana que não descarta que em algum momento possa haver uma redução no volume de produção de cortes de frango, medida que serviria para proteger a saúde das pessoas em caso de confirmação de casos de coronavírus em alguma planta.
Procuradas pela Reuters para comentar o efeito dos fechamentos de frigoríficos nos EUA para os exportadores brasileiros, as companhias JBS, BRF, Minerva Foods e Aurora Alimentos não quiseram se posicionar.
A Marfrig Global Foods informou, por meio da assessoria de imprensa, que os fechamentos de plantas nos EUA não têm "repercussão até o momento" para o mercado brasileiro.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que representa os frigoríficos, também não quis comentar o assunto.
(Reportagem adicional de Ana Mano)
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