ANÁLISE-Governo mostra desarticulação e temor da CPI em primeiros depoimentos
Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - A primeira semana de depoimentos da CPI da Covid no Senado mostrou o governo do presidente Jair Bolsonaro desarticulado para defender sua gestão da pandemia e evidenciou que o Planalto teme o desgaste que deve vir das apurações, levando o presidente a adotar sua estratégia usual de lançar mão de declarações controversas em busca de mudar o foco.
A atuação da tropa de choque governista na CPI deixou clara a desarticulação do governo, na avaliação de analistas ouvidos pela Reuters.
Diante dos depoimentos nesta semana dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich e do atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, os governistas centraram seus esforços na defesa da cloroquina, medicamento defendido por Bolsonaro sem eficácia contra a Covid-19, e na responsabilização de terceiros pela crise sanitária.
"A tropa de choque não consegue firmar uma tese de que aquilo que o governo fez estava correto", disse o cientista político e professor do Insper Carlos Melo. "Dão tiros para todo lado. É uma tropa de choque que é inócua", avaliou.
Para Melo, outro exemplo de desarticulação do governo foi a ausência do ex-ministro Eduardo Pazuello, que deveria depor à CPI na quarta, mas não foi alegando estar em isolamento depois de ter tido contato com duas pessoas que testaram positivo para Covid-19.
Apesar de alegadamente estar em quarentena, Pazuello teria recebido, após deixar de ir à CPI, a visita do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni.
O depoimento de Pazuello, que é general da ativa do Exército, foi remarcado para o dia 19 e há rumores de que o ex-ministro poderia comparecer com a farda de general à comissão. Nesta sexta, o vice-presidente Hamilton Mourão, que é general da reserva, defendeu que Pazuello deve comparecer e em trajes civis.
O consultor político e CEO da Dharma Politics, Creomar de Souza, acredita que Pazuello, mesmo convocado, pode buscar maneiras de não ter de depor à CPI por meio, por exemplo, de um habeas corpus preventivo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O cenário, na avaliação de Creomar, evidencia o temor que Bolsonaro tem das investigações, e isso ficou claro com as declarações do presidente nesta semana, insinuando que a China criou o coronavírus para promover uma "guerra bacteriológica" e voltando a ameaçar, em tom autoritário, editar um decreto contra medidas de restrição para frear o vírus adotadas por governadores e prefeitos.
"Quando há algum depoimento que pode gerar algum tipo de complicação, o presidente vai a público e solta algum tipo de declaração bastante polêmica ou afrontosa para desviar as atenções. E isso me parece o grande sinal de que o governo sente os estragos que a CPI pode criar", disse Creomar.
O presidente, que declarou não ter medo da CPI, em um de seus ataques chamou de "canalhas" parlamentares que o criticam durante audiências da comissão por fazer a defesa do uso da cloroquina e da ivermectina -- medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19-- no tratamento da doença provocada pelo novo coronavírus.
Na opinião de Creomar, o temor do presidente com a apuração sobre a pandemia não repousa no receio de que as investigações possam desembocar em um processo de impeachment.
"O que a gente percebe é que nem a oposição deseja isso. Mas sem sombra de dúvida há um temor do governo no que diz respeito aos estragos que as investigações podem criar sobre a imagem, a reputação e o próprio desempenho eleitoral do presidente", disse.
"Eu creio que no atual momento a CPI tem muito mais o foco de fazer uma sangria no governo do que efetivamente ter como resultado uma deposição do presidente", disse.
MAIS POR VIR
Os depoimentos marcados para as próxima semana na CPI terão potencial de gerar mais desgaste ao presidente. Na quarta-feira está convocado o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, que em entrevista recente responsabilizou Pazuello pelo atraso na vacinação contra a Covid-19 no Brasil.
Na quinta-feira, há previsão de os senadores ouvirem o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo sobre os esforços diplomáticos em busca de vacinas.
Os parlamentares devem analisar ainda a convocação do ministro da Economia, Paulo Guedes, e podem decidir chamar para depor o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, filho do presidente e apontado por Mandetta em seu depoimento como parte de uma equipe de assessoramento paralelo de Bolsonaro.
"Primeiro precisamos ver até que ponto Wajngarten e Araújo seguirão sendo solidários ao presidente", disse Creomar. "O segundo elemento é como essas falas vão criar complicações para o ex-ministro general Pazuello."
Para Melo, do Insper, um depoimento de Guedes pode gerar "uma emoção a mais", dado o jeito muitas vezes explosivo do titular da Economia, e uma eventual convocação de Carlos Bolsonaro tem estado "implícita em vários momentos".
Na mesma linha de Creomar, Melo disse que a situação leva Bolsonaro a "tentar criar fatos, desviar a atenção com declarações absurdas" e a lançar mão do que chamou de "bravatas".
"É ineficaz, porque ao meu ver isso só agrava a situação não resolve nada", disse. "É um governo desorganizado, um governo que não consegue explicar o que fez porque fez errado e um governo que tenta remediar colocando fogo no circo", avaliou.
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