Governo estuda meta para reservas internacionais, em plano sem consenso
Por Bernardo Caram e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O Ministério da Economia conduz estudos preliminares para estabelecimento de uma meta para as reservas internacionais brasileiras, com bandas de flutuação, mas a ideia ainda é incipiente e não tem consenso dentro da própria pasta, disseram duas fontes à Reuters.
Em condição de anonimato, uma fonte do ministério confirmou que o tema está em estudo "super preliminar", acrescentando que esta não é uma preocupação no momento.
O estabelecimento de uma meta para o estoque das reservas, atualmente em 338,7 bilhões de dólares, foi noticiado na terça-feira pelo jornal O Globo.
Na prática, a ideia representaria uma interferência direta na condução da política cambial, responsabilidade do Banco Central, que ganhou autonomia formal no ano passado.
De acordo com uma das fontes, o objetivo de uma medida nesse sentido seria melhorar a gestão dos recursos e “não deixar as reservas variando de acordo com critério discricionário do presidente do Banco Central”.
Para essa autoridade, embora essa não seja a motivação central, a meta também serviria para evitar uso político das reservas, como uma eventual tentativa de conter ou valorizar o dólar para favorecer algum candidato às eleições.
A existência de estudos sobre o tema surpreendeu técnicos do próprio Ministério da Economia, com dois ocupantes de posições chave na pasta dizendo à Reuters, sob reserva, que desconheciam a proposta.
O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, disse que a ideia é “de uma burrice inominável”, argumentando que o dólar reflete fundamentos da economia e não faria sentido criar uma regra que limite sua flutuação.
“Que ideia é essa? Quando a reserva estiver abaixo de um certo nível você vai comprar (moeda estrangeira), vai supostamente puxar a taxa de câmbio para cima, e quando estiver muito alta, você vai vender e puxar o câmbio para baixo. É praticamente a mesma ideia das bandas cambiais que, lá atrás, deram com os burros n’água”, disse, em referência ao regime que vigorou por alguns anos no país, após a implantação do Plano Real, em que o BC se comprometia a não deixar o câmbio flutuar além de um piso e um teto estabelecidos.
Na avaliação do economista, também haveria grande dificuldade em definir qual o nível ótimo das reservas do país. Para ele, se a banda de tolerância fosse muito larga com a finalidade de evitar esse risco de calibragem, a medida não teria efeito prático.
Uma fonte do Banco Central criticou a ideia anonimamente, ressaltando que a taxa de câmbio é "uma variável externa, é exógena, você não tem controle sobre ela".
As reservas internacionais são consideradas um colchão de segurança do país para momentos de volatilidade. Compostas principalmente por títulos e depósitos de moedas estrangeiras, elas são administradas pela diretoria do BC, que pode vender ou comprar ativos para fazer frente a choques cambiais.
A taxa de câmbio tem impacto direto sobre a inflação, tópico relevante durante o período eleitoral. Membros da diretoria do BC, porém, têm afirmado repetidamente que a autoridade monetária só atua no mercado cambial quando identifica volatilidade excessiva, respeitando o regime de câmbio flutuante.
Procurados, o Ministério da Economia e o Banco Central informaram que não vão comentar.
Ao longo da atual gestão, membros da equipe econômica deram sinais de que não concordavam com a manutenção de níveis elevados nas reservas, sustentando publicamente que parte dos recursos poderia ser usada para abater a dívida pública brasileira.
Em uma das ideias ventiladas por membro da pasta, o governo usaria parte desse dinheiro para fazer aportes a organismos internacionais, como o NDB (banco dos Brics). O argumento para o plano, que não chegou a avançar, era que a operação não queimaria as reservas porque o governo estaria apenas fazendo uma mudança do perfil do seu portfólio de investimentos internacionais.
Líder nas pesquisas de intenção de voto para as eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem afirmado que as gestões do PT foram responsáveis pela acumulação das reservas -o valor nominal saltou de 37 bilhões de dólares em 2003 para 370 bilhões de dólares em 2016. Embora uma ala do partido defenda o uso de parte dos recursos, Lula ressaltou em julho que não pretende “mexer nesse dinheiro”.
(Edição de Isabel Versiani)
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