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Ciclo de commodities já causa mais problemas do que benefícios ao Brasil, apesar de ser potência agro

Em 2020, o agronegócio movimentou R$ 2 trilhões em produção e serviços, ou mais de 26% do PIB brasileiro - iStock/fotokostic
Em 2020, o agronegócio movimentou R$ 2 trilhões em produção e serviços, ou mais de 26% do PIB brasileiro Imagem: iStock/fotokostic

22/09/2021 07h38

A alta dos preços das matérias-primas no mercado internacional ao longo deste ano, puxada pela retomada econômica mundo afora e a escassez de produtos primários, beneficia as exportações do Brasil num período de dura recuperação do país. Entretanto, o contexto doméstico de instabilidade faz com que esse cenário, que tinha tudo para ser favorável, acabe degradando ainda mais a situação econômica do país.

Em 2020, o agronegócio movimentou R$ 2 trilhões em produção e serviços, ou mais de 26% do PIB brasileiro. Quase a metade das exportações, 48%, estão ligadas ao setor.

O Brasil é um dos maiores exportadores do mundo de produtos como soja, minérios, cereais e carnes. Foi durante o último boom das commodities, nos anos 2000, que o país entrou num ciclo de crescimento em flecha e ascendeu a economia emergente.

Mas desta vez, é diferente. A expectativa é que o aumento da demanda mundial, principalmente chinesa, possa durar anos - porém os benefícios dessa conjuntura para o Brasil são limitados.

"Diferentemente de outras épocas, nós não tivemos mais problemas de balanço de pagamentos. Na crise de 2008, em 2011, nem na de 2015-2016, quando o PIB foi lá para baixo, nós não tivemos", explica Francisco Lopreato, professor de Economia da Unicamp. "A grande vantagem que os grandes booms de commodities nos traziam, no passado, era nos ajudar nessa questão - mas agora, o grande efeito positivo que tinha não tem mais."

Benefícios na Bolsa - mas alta generalizada dos preços para a população

A renda do agronegócio atinge recordes - em 2021, deve chegar a quase o dobro da registrada há 10 anos, no setor de grãos, e um terço maior na pecuária. O bom momento das exportações sustenta a alta no mercado financeiro - os papéis agrícolas e da pecuária respondem por um terço da movimentação na Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa), e atraíram de volta os investidores estrangeiros nos últimos meses. A movimentação baixou o câmbio e ajuda a explicar o descolamento entre os índices do Ibovespa e os resultados medíocres da economia brasileira.

Na prática, porém, o que se vê é que a alta dos preços dos alimentos impacta gravemente a conjuntura brasileira: pressiona a inflação elevada, de acima de 8% e se aproximando dos dois dígitos, um recorde em 21 anos, e leva os juros a subirem de novo. O desemprego ultrapassa 14% e a aumento da pobreza segue preocupante. Somam-se a isso a crise política e energética e a seca prolongada, e alta das commodities acaba por resultar em mais danos do que benefícios. O aumento dos preços do petróleo, por exemplo, prejudica a economia como um todo.

"Nos últimos 15 dias, teve três aumentos de gasolina. Nós temos uma matriz de transportes que é fundamentalmente de caminhão. O fato de ter aumento no petróleo leva a um aumento generalizado de tudo", ressalta o economista da Unicamp.

Sem planejamento

Outro desafio é saber se o momento favorável ao agronegócio poderá impulsionar um programa mais amplo de investimentos, para aumentar a produtividade e melhorar as infraestruturas no país, para se tornar mais competitivo em outros setores, em especial industrial. Nos ciclos anteriores das commodities, o Brasil falhou em reverter o período de bonança em benefícios para o conjunto da economia. Desta vez, nada indica que será diferente. O economista ressalta que o presidente Jair Bolsonaro sequer menciona algum planejamento nesse sentido.

"Ele não está preocupado com o país. Ele está preocupado com ele próprio. Ele não é um presidente que vai coordenar as ações, então é um desastre", afirma Lopreato. "Baseado nos ganhos das exportações de commodities, não há nenhuma programação. Não se fala disso aqui, no Brasil. Não há uma discussão específica sobre o que vamos fazer com esse boom."

Nesta segunda-feira, um relatório do banco americano Wells Fargo apontou que o Brasil, junto com outros dependentes de exportações de matérias-primas, é um dos países mais vulneráveis ao desaquecimento da economia da China, pelo impacto prolongado da variante Delta da Covid-19 na economia mundial e o risco de quebra de gigantes imobiliárias no país asiático, como a construtora Evergrande.