Anúncio da China e dos EUA na COP26 pressiona o agronegócio brasileiro
Duas linhas da declaração conjunta assinada por Estados Unidos e China durante a COP26 (Conferência do Clima de Glasgow), na semana passada, colocam o agronegócio brasileiro sob pressão.
Os dois países, os maiores parceiros comerciais do Brasil, se comprometeram a "apoiar a eliminação do desmatamento ilegal global" via importações - um objetivo que atinge em cheio as exportações agrícolas do país.
A China responde por cerca de 30% das vendas do Brasil, sobretudo de matérias-primas.
Se Pequim decidir exigir certificação ambiental da soja ou da carne brasileiras, o setor terá urgência em acelerar a rastreabilidade da cadeia, que permite identificar se determinado produto não foi cultivado sobre áreas desmatadas ilegalmente.
A declaração sino-americana na COP26 alega que "a eliminação do desmatamento ilegal global contribuiria significativamente para o esforço de atingir as metas do Acordo de Paris".
Washington e Pequim ressaltam que "pretendem se engajar" no tema "por meio da aplicação efetiva de suas respectivas leis de proibição de importações ilegais".
"O fato de o Brasil ter apresentado na COP26 a meta de redução de 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050, e do outro lado a China e os Estados Unidos assinarem uma declaração como essa, só reforça a visão de que a agricultura brasileira tem que se descolar do desmatamento ilegal", frisa Rodrigo Lima, sócio da consultoria especializada Agroícone.
"Talvez a forma mais robusta para fazer isso seja a implementação do Código Florestal de forma efetiva. A agricultura brasileira precisa ter o Código Florestal como uma informação positiva e transparente do compliance ambiental e do não desmatamento, para poder vender", prosseguiu.
Parceiros cruciais
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de soja e atende a mais de 60% da demanda chinesa. Desde o ano passado, o país também se tornou o maior fornecedor de carne bovina para a potência asiática.
As duas culturas, entretanto, são apontadas como as principais causadoras do desmatamento da Amazônia e no Cerrado - a floresta é devastada para dar lugar a pastagens, que depois de alguns anos se tornarão área de plantio de soja.
O país tem urgência, portanto, em garantir uma cadeia de produção sustentável.
Os Estados Unidos já caminham para adotar restrições aos produtos resultados de desmatamento.
O Congresso americano estuda um projeto de lei apresentado em outubro, prevendo a medida para commodities como soja, óleo de palma e gado, entre outros.
O texto da Lei Florestal 2021, formulado por dois congressistas democratas e que poderá ser adotado em 2022, menciona o Brasil e afirma que "a pecuária é o maior impulsionador do desmatamento na floresta Amazônica e outros biomas, e 95% de todo o desmatamento ferem a lei".
A China, por sua vez, se compromete com o tema pela primeira vez. Uma pequena amostra de um corte das importações devido ao desmatamento pode ser sentida neste momento: Pequim paralisou a compra de carne bovina há seis semanas, devido a ocorrência de dois casos de Mal da Vaca Louca. O embargo fez as exportações do setor despencarem 43% em outubro.
A China é o primeiro destino das exportações do Brasil: no primeiro semestre, as vendas cresceram 39,5%, na comparação com o mesmo período de 2020, num total de mais de US$ 47 bilhões.
O volume exportado para os Estados Unidos, o segundo colocado, foi mais de três vezes menor, chegando a US$ 13,3 bi, conforme dados da Comex.
Desafio da rastreabilidade
Muni Lourenço, vice-presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), alega que, apesar dos recordes recorrentes do desmatamento nos últimos anos, o problema é uma questão "residual", que ocorre em 2% dos mais de 5 milhões de produtores registrados no CAR (Cadastro Ambiental Rural), previsto no Código Florestal.
"A nossa posição é que a questão do desmatamento ilegal vai além da operação de comando e controle", afirma.
"A punição deve haver, claro. Mas tão importante quanto são as políticas públicas como de regularização fundiária, regularização ambiental, infraestrutura, assistência técnica para os pequenos produtos, para que os produtores possam intensificar a sua produção na área permitia de produção, sem a necessidade de pressão de abertura de novas áreas", assegura.
"Na rastreabilidade, nós acreditamos que seja muito importante um processo que já está em curso, de análise dos Cadastros Ambientais Rurais pelos órgãos de governo, principalmente dos estados, para a adesão ao PRA, também previsto no Código Florestal, para os produtores com passivo ambiental", salienta.
Os grandes frigoríficos brasileiros aperfeiçoam a rastreabilidade da sua produção, mas o maior desafio é o controle de pequenos produtores - cuja carne acaba entrando na cadeia, extremamente vasta, do setor.
Arnaldo Carneiro Filho, ex-pesquisador do Ipam (Instituto de Pesquisas Ambientais na Amazônia) e fundador da consultoria Sinapsis, especialista no tema, avalia que o Brasil já é capaz de oferecer essa garantia, mas ainda não a implementa como deveria.
"Do ponto de vista de conhecimento, isso não é mais um desafio para o Brasil. A gente sabe como resolver. Eles têm a capacidade tecnológica de monitorar a cadeia como um todo - desde o fornecimento dos indiretos, que é o maior grande gargalo. A rastreabilidade é possível, não só territorial como a transferência, via block chain, dessa informação para dentro da indústria", explica Carneiro.
"No caso da cadeia da pecuária, o Brasil consome 80% da sua produção de carne. Ou seja, tem um desafio interno, de conscientização, de combate à grilagem de terras, que é fundamental. O que nos salva é que boa parte do mercado de exportação são aquelas que abastecem o mercado interno. Então se conseguirmos um alinhamento, fechamos os dois mercados", pontua.
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