Yara anuncia produção de fertilizantes a partir de biogás e busca clientes
Diferentes programas federais miram a transição energética para matrizes de fontes limpas. O Plano Nova Indústria Brasil, o Programa Gás para Empregar e o Plano Nacional de Fertilizantes compõem a lista de iniciativas que incentivam uma economia gerada a partir de energia verde.
A companhia norueguesa Yara acompanha essa movimentação e espera que os programas não somente incentivem a produção de energia limpa, mas também o seu consumo por uma variedade de setores, a exemplo do agronegócio, da alimentação e dos transportes.
Na semana passada, foi oficialmente anunciado que o Complexo Industrial da Yara, no município de Cubatão (SP), dará início à produção da primeira amônia renovável do Brasil, feita a partir de biometano. A amônia é utilizada para produzir fertilizantes nitrogenados, insumos essenciais para a agricultura de larga escala que o Brasil precisa importar. Já o biometano é um biogás derivado da produção de açúcar e etanol, ou seja, advém das plantações de cana-de-açúcar.
"Isso significa que, em vez de obter fertilizantes a partir de uma molécula fóssil e finita, trocamos por uma molécula renovável e infinita", resumiu Daniel Hubner, vice-presidente de soluções industriais da Yara, em evento para autoridades e jornalistas em Cubatão, no litoral paulista.
Essa nova produção da amônia renovável não utiliza nenhum programa do governo federal, conforme esclarece Hubner. No entanto, ele ressalta a importância de o governo incentivar a demanda por produtos derivados de matriz energética limpa.
"Há uma série de incentivos federais. Como a gente transforma isso em competitividade? Estamos tentando traduzir e criando cenários. Há uns 15 anos, quando se começou a falar das energias solar e eólica, a Eletrobrás entrou nos leilões de energias renováveis equacionando oferta e demanda. Talvez falte [esse tipo de expediente agora] e se tenha oportunidade de criar algo nessa linha", exemplifica Hubner.
A amônia renovável será produzida com uma redução de 75% na pegada de carbono em comparação com a amônia de derivado fóssil, corroborando o processo de descarbonização da Yara e do Brasil diante da emergência climática.
Para se ter uma ideia, para produzir um quilo de nitrogênio via nitrato de amônia, são emitidos 10 quilos de dióxido de carbono na China. Na Rússia, a emissão é de 7,5 quilos, e, na Europa, emite-se ao redor de 4 quilos. Um fertilizante produzido no Brasil emitirá 2 quilos de CO² na atmosfera.
Os números são citados por Guilherme Schmitz, diretor de desenvolvimento de mercado da Yara Brasil, que usou a RenovaCalc, calculadora do Renovabio para os créditos de carbono. Em sua opinião, o Brasil precisa incorporar essa vantagem brasileira na produção de fertilizantes via nitrato de amônia também na Política Nacional de Biocombustíveis, o Renovabio.
Ele diz que, atualmente, não se considera nesse cálculo se a produção da cana utilizou o fertilizante "fóssil" ou proveniente de biogás com menos emissão de CO². Compreender a diferença implica no cálculo da pegada de carbono da cadeia produtiva completa. Comparada com a brasileira, a emissão da China de CO² por quilo de nitrato de amônia é cinco vezes maior, segundo o executivo. "No entanto, hoje a calculadora lê igual, ela gera o mesmo crédito de carbono, mesmo que se utilize um fertilizante completamente diferente na matriz energética", explica o diretor da Yara.
Segundo ele, há conversas em andamento com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e o Ministério de Minas e Energia para atualizar a metodologia da calculadora. Os órgãos não responderam ao pedido de esclarecimento do UOL. "A receptividade deles foi positiva, mas precisamos implementar uma atualização [na calculadora] para mensurar devidamente como são as emissões hoje. Quem vai se beneficiar disso é o agricultor e a usina de cana, que utiliza um fertilizante com menor pegada de carbono", afirma Schmitz.
Possíveis demandas
O biometano que dará origem à amônia sustentável será fornecido pela Raízen: 20 mil metros cúbicos de biogás sairão da cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, e viajarão até Cubatão por um gasoduto da Comgás.
O volume ainda é pouco, comparado aos 700 mil metros cúbicos de gás convencional que a Yara utiliza, mas suficiente para iniciar a produção de entre 6 e 7 mil toneladas de amônia renovável por ano no Brasil, algo inédito no país. Com esse volume, a conversão esperada é de produzir cerca de 15 mil toneladas de fertilizante por ano.
Para não depender da criação de demanda por parte do governo, a Yara está em articulação com algumas companhias. A Ajinomoto, do setor de alimentos, utilizará a amônia verde em si para produzir aminoácidos. Já a Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo, deve demandar o fertilizante, pois já utiliza um produto semelhante de baixo carbono, importado da Yara na Europa.
Para esse fertilizante produzido na planta de Cubatão, a projeção é que haja redução de 40% na pegada de carbono no café.
Guilherme Schmitz também fala de negociações com a PepsiCo, que demanda a produção de batatas no Brasil. Além disso, o setor da citricultura também está no radar da Yara.
Entre as autoridades políticas que compareceram ao evento em Cubatão na semana passada, estava José Carlos Polidoro, assessor do Ministério da Agricultura e responsável pelo Plano Nacional de Fertilizantes. Como oportunidade de mercado para a amônia gerada com biometano, ele citou o Plano Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, instituído em 2023. "A recuperação de pastagens degradadas vai requerer cinco milhões de toneladas de fertilizantes a mais e isso precisa vir junto à agenda de descarbonização. Este passo da Yara condiz com o momento do país", afirmou.
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