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OIT: Ação do fiscal do trabalho é limitada após mudança em"lista suja"

19/10/2017 11h52

(Atualizada às 12h02) Quase uma semana depois da publicação da portaria do Ministério do Trabalho que reduz o entendimento sobre as regras de combate ao trabalho no Brasil, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicou nesta quinta-feira (19) nota oficial manifestando preocupação quanto à decisão e informando que levará o assunto ao Comitê de Peritos da agência vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU).


No comunicado, a OIT destaca que o Brasil se tornou "referência mundial" em ações e políticas públicas relacionadas ao combate de trabalho escravo ou análogo à escravidão nos últimos 20 anos. "A gravidade da situação está no possível enfraquecimento e limitação da efetiva atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada", diz a nota do órgão.


A organização cita instrumentos e mecanismos criados no país para lidar com o assunto nas últimas décadas: Comissões Nacional e estaduais, a própria "lista suja", Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, Pacto Nacional, indenizações por danos morais coletivos e "uma definição conceitual de trabalho escravo moderna e alinhada às Convenções internacionais da OIT números 29 e 105".


Tais conquistas, segundo a instituição, foram "reiteradamente reconhecidas pela comunidade internacional e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como exemplos de boas práticas, tendo sido inclusive objetos de intercâmbio de experiências em ações de Cooperação Sul-Sul. Além disso, é importante ressaltar que a atitude proativa e transparente do Brasil tem sido um elemento importante para as relações de comércio exterior."


A nota faz referência a algumas recomendações que o seu comitê de peritos fez ao governo brasileiro em abril do ano passado. Na ocasião, o relatório anual da organização já alerta que eventual mudança no conceito de trabalho escravo poderia ser considerada "obstáculo às ações tomadas por autoridades competentes para identificar e proteger as vítimas de todas as situações de trabalho forçado, bem como à imposição de penalidades aos perpetradores do crime".


A OIT também lamentou o aumento do risco que a portaria enseja ao cumprimento pelo país dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que lista, entre outras metas, a erradicação do trabalho análogo ao de escravo.


A íntegra do comunicado da OIT publicado hoje pode ser acessada aqui.


Exportações


Na avaliação do consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), a portaria do governo Temer terá impacto limitado sobre as exportações brasileiras.


Embora muitos países sejam signatários das convenções da OIT, suas regras são voluntárias e não influenciam políticas tarifárias das nações, segundo Barral. Tampouco no âmbito da OMC o estabelecimento de tarifas leva em conta condições de trabalho nos países-membros, diz o especialista.


"Não há normas multilaterais, entre Estados, que suscitem sanções baseadas nisso [trabalho escravo]. Ninguém baliza a tarifa de importação de produtos da Indonésia ou Bangladesh, por exemplo, com base em condições de trabalho. É muito cedo para falar sobre repercussões de algo tão específico. Sinceramente, em termos de impacto, é algo muito pequeno", diz Barral.


O especialista em comércio exterior explica que a edição da portaria flexibilizando o combate ao trabalho escravo pode ter alguma repercussão nos chamados "padrões privados" de comércio internacional. "São nichos de mercado, com regras muito difusas. Algumas marcas europeias ou uma rede de supermercados da Alemanha podem ter alguma preocupação sobre compra de produtos cuja cadeia produtiva tenha utilização de mão de obra escrava. Então, eles vão comprar apenas de empresas que tenham um certificado da WWF ou um selo social de uma instituição qualquer. Nesse sentido, o exportador interessado nesses mercado se mobiliza para conseguir isso, o que gera um custo adicional alto para ele", ilustra Barral.


Já para o sociólogo Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, mudanças na política brasileira de combate ao trabalho escravopodem, sim, render "punições"ao Brasil no comércio internacional.


"Há hoje cada vez mais medidas restritivas sobre produtos provenientes de cadeias que possam ter vínculo com trabalho escravo, trabalho infantil e desmatamento. Importadores estão cada vez mais atentos às cadeias globais e à responsabilidade social de seus fornecedores", disse Magri em entrevista recente.