Petrobras ressurge

4 anos após perda bilionária em corrupção, qual o futuro da Petrobras?

Vladimir Goitia Colaboração para o UOL, em São Paulo Diego Herculano/NurPhoto/Getty Images

Uma das principais petrolíferas do mundo e a maior empresa da América Latina, a Petrobras voltou a lucrar após quatro anos de prejuízos, perda de valor, aumento da dívida e envolvimento no maior escândalo de corrupção do país, investigado pela operação Lava Jato.

A empresa lucrou R$ 25,78 bilhões em 2018, o melhor resultado desde 2011, quando ganhou R$ 33,31 bilhões. Hoje a empresa deve divulgar os resultados do primeiro trimestre de 2019.

É uma volta por cima quando se considera a situação da empresa há quatro anos, em abril de 2015. Na época, a Petrobras finalmente anunciava, com cinco meses de atraso, o resultado de 2014: um prejuízo de R$ 21,58 bilhões, incluindo uma perda calculada de R$ 6,2 bilhões com corrupção. Era o primeiro resultado negativo desde 1991.

Agora, a Petrobras se prepara para aumentar a produção, reduzir custos e investir US$ 82,7 bilhões (cerca de R$ 330,36 bilhões) até 2023. Estimativas da companhia mostram um crescimento da produção de pelo menos 6,47% este ano.

Por outro lado, precisa lidar com as críticas à sua política de preços de combustíveis, que teve papel central nas polêmicas sobre aumentos do diesel e da gasolina.

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Dario Oliveira/Estadão Conteúdo

Intervenção de Bolsonaro no diesel assustou mercado

O otimismo do mercado com a Petrobras foi posto à prova em abril, quando o presidente Jair Bolsonaro interveio na Petrobras, barrando um aumento no preço do diesel. O presidente temia que o reajuste fosse o estopim para uma greve dos caminhoneiros como a do ano passado, que paralisou o país e gerou graves transtornos.

O governo tem enfrentado problemas relacionados ao preço dos combustíveis desde que a Petrobras decidiu, em 2016, que os preços passariam a variar de acordo com o dólar e o petróleo no mercado internacional.

Investidores interpretaram a atuação de Bolsonaro como sinal de que o acionista controlador (governo) começaria a interferir nas decisões da empresa. As ações despencaram, e a petroleira perdeu R$ 32 bilhões em valor de mercado em um único dia.

Dias depois, o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, anunciou um reajuste de 4,84% no preço do diesel, abaixo do divulgado antes da intervenção de Bolsonaro, e disse que o governo não iria intervir na gestão da companhia.

Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Política de preços de combustíveis da Petrobras é criticada

A crise do diesel está ligada à forte dependência do transporte rodoviário de cargas no país, de acordo com Adilson de Oliveira, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Desde que a nova política de preços da Petrobras foi adotada, a gasolina subiu 28,9%, e o diesel, 26,2%, segundo Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura). Esse é o aumento nas refinarias. Não significa necessariamente que as mudanças chegarão ao consumidor final na bomba. Os postos são livres para aplicar ou não o reajuste, e na porcentagem que desejarem.

No mesmo período, a inflação oficial no país (IPCA) foi de 9,22%.

Parte do problema poderia ser solucionada, afirma Oliveira, com a criação de um mecanismo para o governo absorver o aumento do preço. Poderia usar, por exemplo, recursos dos excedentes de petróleo que recebe em contratos de partilha do pré-sal. Ele comparou o mecanismo à atuação do BC, que intervém no mercado de câmbio quando o dólar sobe muito.

Já que o governo tem um problema econômico em suas mãos, deveria usar esses recursos para mitigar a pressão do preço do petróleo no mercado internacional
Adilson de Oliveira, professor da UFRJ

Reajustes precisam ser mantidos, dizem analistas

A política de preços da Petrobras pode ser ruim para o consumidor, mas é a melhor para a empresa porque não gera prejuízo e transmite ao mercado o custo real dos combustíveis, segundo especialistas do setor.

Greve de caminhoneiros deve ser encarada como um problema estrutural e ser resolvida com planejamento de longo prazo. É causada principalmente pelo excesso de caminhões nas estradas, associado à crise econômica, que reduziu a movimentação de carga e a demanda de trabalho para a categoria.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura

Oliveira, da UFRJ, e Luiz Carvalho, analista do banco UBS Brasil, também defenderam que o governo não deve intervir na empresa, como ocorreu no passado, sobretudo no governo Dilma Rousseff, que usava os preços dos combustíveis para controlar a inflação. Oliveira afirmou, porém, que esse tipo de interferência pode acontecer porque é mais fácil "do que mexer, por exemplo, nos royalties, que têm amarras constitucionais".

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Como é composto o preço final dos combustíveis

Segundo dados da Petrobras

Diesel

  • Petrobras: 54%
  • Distribuidoras: 16%
  • ICMS (imposto estadual): 15%
  • PIS/Cofins e Cide (tributos federais): 9%
  • Biodiesel: 6%

Gasolina

  • Petrobras: 32%
  • Distribuidoras: 10%
  • ICMS (imposto estadual): 29%
  • PIS/Cofins e Cide (tributos federais): 16%
  • Etanol: 13%

Brasil é refém das importações de combustível, diz especialista

Mais problemático que a política de preços da Petrobras é o país ter se tornado dependente de importações de derivados (gasolina, diesel, gás, querosene, gasolina de aviação e lubrificantes, entre outros), de acordo com Adilson de Oliveira, da UFRJ.

O maior problema está na capacidade de refino, na qual a Petrobras não investiu o necessário
Adilson de Oliveira, professor da UFRJ

Segundo Oliveira, a Petrobras importa hoje aproximadamente 600 mil barris de derivados por dia, número que deve chegar a pelo menos 1 milhão em 2025, se a economia se recuperar.

Para ele, a empresa precisa reverter essa "situação esdrúxula" expandindo o parque de refino para aumentar a concorrência na oferta de derivados e garantir a segurança do suprimento de combustíveis no país.

Folhapress

Venda de refinarias e outros negócios deve render US$ 26,9 bi

A Petrobras tem ido na direção contrária à defendida pelo professor da UFRJ. Desde 2015, o foco é diminuir o tamanho da empresa, reduzindo custos, demitindo funcionários e vendendo bens, incluindo refinarias.

De 2015 até agora, o programa de desinvestimentos rendeu US$ 15,5 bilhões (R$ 61,34 bilhões), usados para reduzir o endividamento da empresa. A meta é que esse número chegue a US$ 26,9 bilhões (R$ 106,45 bilhões) até 2023, segundo analistas de mercado.

Dentre os negócios à venda estão oito refinarias, como a Abreu e Lima (foto acima), além de uma rede de postos no Uruguai, uma fatia na BR Distribuidora e a Liquigás Distribuidora. No ano passado, a compra da subsidiária de gás pela Ultragaz foi vetada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Richard Carson/Agência Petrobras

Alvo da Lava Jato, Pasadena foi vendida

A Petrobras também vendeu todas as suas ações na refinaria de Pasadena (EUA) para a norte-americana Chevron, por US$ 467 milhões (cerca de R$ 1,85 bilhão). Pasadena foi alvo de investigação por suposto superfaturamento e evasão de divisas na operação Lava Jato.

Em 2006, a estatal havia pago US$ 360 milhões para comprar metade da refinaria. O valor foi muito maior do que o pago pela companhia belga Astra Oil, que um ano antes havia adquirido a refinaria inteira por US$ 42,5 milhões.

Luiz Souza/NurPhoto/Getty Images

Simbolismo da venda é mais importante que dinheiro, diz analista

A venda das refinarias é importante pela mensagem que passa, mais do que pelo dinheiro, na opinião de Thiago Duarte, analista do banco BTG Pactual.

A quebra do monopólio da Petrobras no refino carrega uma simbólica e potente mensagem: que uma das principais fontes da má gestão e abuso político na história recente da companhia nunca mais será repetida
Thiago Duarte, analista do BTG Pactual

Para o banco UBS Brasil, a venda de refinarias é a chave para o plano de investimentos de longo prazo da companhia. "A Petrobras poderia levantar entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões em um processo que pode levar de 18 a 24 meses", afirmaram em relatório Luiz Carvalho e Gabriel Barra, analistas do banco.

Hoje, segundo eles, a Petrobras detém 98% da capacidade nacional de refino.

Petrobras vai na contramão das petroleiras, diz professor

Adilson de Oliveira, da UFRJ, discorda dos analistas e diz que os desinvestimentos vão na contramão do que fazem as principais petroleiras do mundo, que estão comprando negócios. Segundo ele, a venda das refinarias não vai mudar o mercado de refino porque a Petrobras continuará com uma fatia importante dele, de 50%.

A venda [de refinarias] vai criar minimonopólios regionais, e o monopólio principal vai continuar
Adilson de Oliveira, professor da UFRJ

O especialista diz que os problemas financeiros da Petrobras foram causados pela queda no preço do petróleo entre 2014 e 2016, além da corrupção. Como os preços estão se recuperando, a empresa seguiria o mesmo caminho. "É apenas uma questão de tempo para a Petrobras se ajustar, continuar a dar lucro e aumentar o preço de suas ações", disse.

Sergio Moraes/Reuters

16,5 mil empregados deixaram a empresa em 4 anos

Outro pilar usado pela Petrobras para se recuperar foi a redução de custos operacionais, sobretudo com um programa de demissão voluntária (PDV), que reduziu em 16,5 mil o número de funcionários entre 2014 e 2018.

A empresa diz que pagou R$ 5,5 bilhões em indenizações aos trabalhadores, mas, por outro lado, evitou gastos de R$ 19,5 bilhões.

José Maria Rangel, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), criticou tanto a venda de negócios quanto as demissões.

Uma Petrobras pequena será apenas uma operadora do pré-sal e mais nada. Essa é a pequenez da atual gestão da companhia
José Maria Rangel, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP)

Crescimento da dívida explica parte da crise da estatal

A crise da Petrobras é explicada, em boa medida, pelo aumento do seu endividamento, que começou a explodir por causa do pré-sal, em 2010. Para dar conta dos altos custos de exploração dessas áreas de petróleo então recém-descobertas, a empresa captou no mercado R$ 120 bilhões, cerca de US$ 70 bilhões, no maior aumento de capital da história brasileira.

Nos anos seguintes, continuou se endividando mais, enquanto o pré-sal ainda não gerava dinheiro, segundo Thiago Duarte e Pedro Soares, analistas do banco BTG Pactual.

Entre 2010 e 2015, nas gestões de José Sérgio Gabrielli e Graça Foster, a dívida bruta da estatal mais que triplicou, passando de R$ 117,92 bilhões para R$ 492,85 bilhões, de acordo com a empresa de informações financeiras Economatica. Em 2018, a dívida caiu para R$ 326,88 bilhões.

O que contribuiu para o endividamento da estatal:

  • Captação de recursos no mercado para financiar o pré-sal

    Imagem: Narong Sangnak/Efe
  • Aumento de gastos com importação de combustível

    Imagem: Youse
  • Queda no preço do petróleo no mercado internacional

    Imagem: iStock
  • Represamento do preço dos combustíveis para segurar a inflação

    Imagem: Getty Images
  • Perdas com corrupção

    Imagem: Reprodução/huffingtonpost
  • Subsídios ao gás de cozinha

    Imagem: Carlos Paes/SXC
Getty Images

Valor de mercado chegou a cair 73%

O valor de mercado da Petrobras (valor de cada ação multiplicado pelo total de papéis no mercado) caiu 73% durante a crise, passando de R$ 380,25 bilhões, em 2010, para R$ 101,32 bilhões, em 2015.

A empresa passou a valer menos que 11 anos antes, em 2004 (R$ 112,46 bilhões). Em abril de 2019, o valor de mercado estava em R$ 361,9 bilhões.

Marcelo D. Sants/Framephoto/Estadão Conteúdo

2018 teve lucro, valorização da empresa e queda da dívida

Com a reestruturação financeira, a Petrobras conseguiu se recuperar no ano passado e registrar lucro de R$ 25,78 bilhões. O endividamento líquido caiu 18% em relação a 2017, alcançando US$ 69,4 bilhões, e o valor de mercado da empresa subiu para R$ 361,9 bilhões em meados de abril de 2019.

Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o que explica o resultado é "a introdução de maior governança corporativa, além de uma gestão comprometida com o negócio principal da empresa [exploração e produção de petróleo e gás]".

A dívida bruta caiu de R$ 361,5 bilhões em 2017 para R$ 326,88 bilhões no ano passado, mas especialistas dizem que a empresa ainda paga juros muito altos em relação aos seus concorrentes.

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Maurício Lima/ AFP

Ações sobem e se aproximam do pico atingido em 2010

Comprar. É o que recomendam Thiago Duarte e Pedro Soares, analistas do BTG Pactual, em um relatório recente enviado aos clientes aqui e no exterior, em referência às ações da Petrobras negociadas na B3 (antiga Bovespa) e na Bolsa de Nova York.

Apesar da queda pontual quando Bolsonaro interveio na política de preços da estatal, em abril, as ações da estatal estão se valorizando e já se aproximam dos valores máximos atingidos em janeiro de 2010. Na época, os papéis da empresa subiram após a definição das regras de capitalização da companhia, que ocorreria em setembro daquele ano (foto acima).

Em 6 de janeiro de 2010, a ação preferencial, com prioridade na distribuição de dividendos (PETR4), valia R$ 29,55, e a ordinária, com direito a voto em assembleia (PETR3), valia R$ 36,12 (valores corrigidos pela inflação). Em 2 de maio deste ano, as preferenciais valiam R$ 26,69, e as ordinárias, R$ 29,51.

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Analistas vêem ações se valorizando até 36%

De forma geral, os papéis da empresa começaram a se valorizar no início de 2016, após atingirem preços muito baixos em decorrência dos desdobramentos da operação Lava Jato e da queda do preço do petróleo no mercado internacional. Em 26 de janeiro de 2016, os papéis chegaram a valer R$ 4,029, menor nível desde 2010. Com esse valor, na época, não dava para comprar nem um pastel na feira.

Hoje, analistas recomendam a compra dos papéis que, dizem, podem chegar a R$ 33 (preferenciais) e R$ 38 (ordinárias) neste ano, acima dos valores atingidos em 2010.

Luiz Carvalho e Gabriel Barra, analistas do UBS Brasil, veem como positivas para os investidores algumas medidas recentes, como a venda de negócios.

Duarte e Soares, do BTG Pactual, justificam a recomendação de compra mencionando a decisão da direção da Petrobras de concentrar recursos na exploração e produção de petróleo, "a disciplina no emprego do capital", que abre espaço para a empresa pagar menos juros sobre sua dívida, e o aumento no preço do petróleo. Eles afirmam que, em 12 meses, as ações têm potencial de valorização de 36%.

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Petrobras vai receber US$ 9,06 bilhões por acordo no pré-sal

Após meses de negociação, a Petrobras fechou, em abril, um novo acordo com a União sobre a região do pré-sal chamada de cessão onerosa, na bacia de Santos. Como parte do acordo, a petroleira receberá US$ 9,06 bilhões (R$ 35,9 bilhões) do governo.

Com a entrada de recursos, a Petrobras planeja incrementar seu portfólio com participações em mais áreas de petróleo ofertadas nos leilões da ANP ((Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), principalmente no pré-sal, inclusive na região da cessão onerosa.

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O que é a cessão onerosa

É um acordo para exploração de uma região onde bilhões de barris de petróleo estão armazenados sob uma espessa camada de sal abaixo do fundo do oceano, chamada de pré-sal.

No contrato firmado entre a Petrobras e a União sobre a cessão onerosa, em 2010, o governo federal permitiu que a estatal explorasse, sem passar por licitação, 5 bilhões de barris de petróleo em seis blocos do pré-sal na Bacia de Santos por um período de 40 anos. Para ter esse direito, a empresa pagou R$ 74,8 bilhões ao governo.

Mas se estima que a região tenha muito mais petróleo: as previsões chegam a 15 bilhões de barris.

O acordo feito agora com o governo permitirá que essas áreas sejam leiloadas e possam ser exploradas por outras empresas, públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras. Como a Petrobras já investiu nesses campos, será compensada, recebendo também um percentual (ainda não definido) pago pela empresa que vencer a disputa.

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Petrobras tenta melhorar sua reputação aqui e no exterior

Embora a Petrobras não tenha corrido risco de falência, sua imagem no Brasil e no exterior saiu danificada dos anos de crise.

Agora, a empresa promove ações para tentar recuperar sua reputação. No final do ano passado, por exemplo, veiculou comerciais na TV, além de campanhas em jornais, internet e cinema para mostrar o que chamou de "doloroso processo de recuperação de sua reputação".

Em busca do "selo de bom pagador"

A Petrobras ainda não conseguiu recuperar o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador dado por agências de classificação de risco. A empresa perdeu os três principais selos em 2015.

Nos últimos anos, as principais agências vêm melhorando tanto a sua nota de crédito quanto notas mais específicas, que avaliam aspectos determinados da empresa.

Para a estatal, esse é o primeiro passo para reconquistar o "selo de bom pagador" e mostra a investidores que ela tem adotado e mantido "padrões de governança corporativa eficazes que permitiram reduzir sua dívida e custos".

Apesar da imagem arranhada, a Petrobras ainda faz parte do seleto clube das dez maiores petrolíferas do mundo. É também a maior empresa nacional desenvolvedora de pesquisa e de tecnologia de ponta. Até o final de 2018, a companhia tinha 443 patentes ativas no país e 1.047 no exterior em exploração e produção de óleo e gás, refino, gás natural e energias renováveis.

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